Dinâmica subjacente à efetivação do ato administrativo
Seria possível fazer um tratado sobre
a matéria em epígrafe, mas o objeto do presente comentário, sustentado numa
análise concisa, ainda que perfeitamente ilustrativa do tema em estudo,
leva-nos a ser mais comedidos nas nossas ambições.
O “ato administrativo abrange um
grupo de condutas administrativas dotadas de caraterísticas essenciais idênticas”,[1] cuja definição está
legalmente prevista no artigo 120.º, do Código do Procedimento Administrativo
(CPA), que nos diz: “(…) consideram-se atos administrativos as decisões dos
órgãos da Administração que ao abrigo de normas de direito público visem produzir
efeitos jurídicos numa situação individual e concreta”.[2] Como nos ensinam os
professores André Salgado Matos e Marcelo Rebelo de Sousa, a expressão empregue
na norma legal implica que o ato administrativo seja caraterizado como
voluntário, positivo, imaterial e unilateral, uma vez que as condutas não
voluntárias, as omissões puras, os atos materiais e as relações jurídicas
bilaterais (ou multilaterais) já não se encontram compreendidas na definição do
ato em análise.[3]
De todo modo, aquele preceito legal e a teleologia a ele associada já
decorreria dos princípios do Direito Administrativo a ele conexos,
nomeadamente, para o que releva no âmbito deste comentário, o princípio da
prossecução do interesse público e a sua ligação intrínseca com a margem de livre
decisão da Administração, de onde se destacam as caraterísticas vinculativas,
para esta, como a habilitação legal, a competência subjetiva, a vontade e a
própria existência da margem de livre decisão,[4] e a sua relação peculiar
com o princípio da decisão, incito no disposto do artigo 9.º,[5] do CPA. Isto posto,
verifica-se, pelas epígrafes e textos dos artigos 106.º e 107.º do CPA,[6] que a materialização do
ato administrativo procede da sua efetivação no ordenamento jurídico.
No entanto, a experiência mostra que
existem situações em que a Administração Pública se imiscui de agir, quer por
ter decidido nesse sentido, quer devido a uma menor capacidade de organização
dos seus serviços ou mesmo lassidão dos funcionários que lhe dão corpo. No
primeiro caso, cabe ainda ponderar as devidas exceções normativas, como as
constantes dos artigos 108.º e 109.º do mesmo diploma,[7] que nos falam do
deferimento e do indeferimento tácitos, respetivamente. No segundo caso cabe,
simplesmente, procurar acautelar o direito preterido. E o acautelamento desse
direito é exercido numa posição paritária do particular face à Administração,
pela propositura de uma ação administrativa de condenação à prática do ato
administrativo em causa, como se pode inferir pelo imperativo decorrente do
artigo 268.º n.º 4 da Constituição da República Portuguesa (CRP), materializado
legalmente no artigo 66.º do CPTA.[8]
Alongamos a abrangência do pedido de
condenação à componente subjetiva do mesmo, aglutinando-lhe a causa de pedir.
Como tal, consideramos que a vertente objetiva, é “o pedido (imediato) da ação
de condenação [que] é o que se destina a «obter a condenação da entidade
competente à prática, dentro de determinado prazo, de um ato que tenha sido
ilegalmente omitido ou recusado», e que o «ato ‘devido’ é (…) aquele que, na
perspetiva do autor, deveria ter sido emitido e não foi, quer tenha havido uma
pura omissão, quer tenha sido praticado um ato que não satisfaça a sua pretensão»
”. Não obstante, tendo presente que tal não será suficiente para abarcar a
dimensão da causa que o particular procura ver tutelada.[9] Assim, acompanhamos o
Professor Vasco Pereira da Silva na refutação do «erro clássico» do Contencioso
Administrativo, entendendo que o objeto do processo inclui quer o pedido imediato,
quer o pedido mediato. Ou seja, a impugnação do ato administrativo (ou da sua
omissão), enquanto tal, releva primacialmente na qualidade de dispositivo
processual, com um significado pouco saliente no que respeita o âmago do
processo, reconhecendo-se como fundamental, nesta dimensão semântica, o direito
subjetivo que visa ser acautelado pelo particular.[10] No mesmo sentido, dispõe
o artigo 51.º n.º 4 do CPTA, com a epígrafe «Do ato administrativo impugnável –
Princípio geral», dizendo que se contra um ato de indeferimento for deduzido um
pedido de estrita anulação, o tribunal convida o autor a substituir a petição,
para o efeito de formular o adequado pedido de condenação à prática do ato devido”,[11] considerando que o objeto
da apreciação jurisdicional “não é o ato administrativo, ou a falta dele, mas
sim o direito do particular a essa conduta devida”.[12] De resto, estamos perante
a aplicação prática do princípio pro actione, legalmente previsto na parte final
do artigo 7.º, do CPTA.[13]
Sem querer incidir no que concerne o
conteúdo da sentença, é necessário esclarecer que, atualmente, “o objeto do
processo não se limita aos factos ou comportamentos anteriores à abertura do
processo, mas deve abarcar também os atos administrativos (total ou parcialmente)
desfavoráveis, praticados na pendência da ação”, na lógica proposta pelo artigo
70.º n.º 1 e n.º 3 do CPTA,[14] para “que o objeto do
processo das ações de condenação corresponda à concreta relação jurídica
material, tal como se configura no momento em que a decisão vai ser proferida (…),
para que não haja um «divórcio» entre a relação jurídica processual e a
substantiva –, suscetível de pôr em causa o efeito útil da sentença”.[15]
Posto isto, sem a presunção de
enquadrar todas as situações que envolvam a omissão por parte da Administração
Pública, tipificaremos as que consideramos mais relevantes.
Uma dessas situações é aquela em que
o interessado tenha apresentado um requerimento a um órgão competente, na
expetativa da sua decisão e este não tenha proferido a decisão no prazo
legalmente estabelecido. Estes são os requisitos gerais de aplicação do artigo
67.º n.º 1 alínea a) do CPTA, para ser movida uma ação de pedido autónomo de condenação
à prática de um ato simplesmente omitido. No quadro do artigo e número citados,
há que ponderar ainda os casos de o interessado ter apresentado um requerimento
a um órgão competente, na expetativa da sua decisão e este ter recusado a
prática do ato devido (que preenche os requisitos da respetiva alínea b)), e de
o interessado ter apresentado um requerimento a um órgão competente, na
expetativa da sua decisão e este se ter recusado a apreciar o requerimento
dirigido à prática do ato (que preenche os requisitos da respetiva alínea c)).[16]
Porém, outras situações há em que
tendo sido praticado um ato, este implicou uma decisão de conteúdo negativo por
parte da Administração, o que se materializou numa omissão deliberada em
praticar um outro ato que seria alternativo àquele que foi praticado. Neste
caso, de acordo com o preceituado do artigo 47.º n.º 2 alínea a) do CPTA, o
interessado na prática do ato deliberadamente omitido deve fazer um pedido de
anulação, de declaração de nulidade, ou de inexistência de ato administrativo,
em cumulação com “o pedido de condenação à prática do ato administrativo
devido, em substituição, total ou parcial, do ato praticado”.[17]
Uma outra situação típica é a
legitimidade do Ministério Público poder fazer o pedido de condenação à prática
do ato administrativo, que decorre do artigo 68.º n.º 1 alínea c) do CPTA,
“quando o dever de praticar o ato resulte diretamente da lei e esteja em causa
a ofensa de direitos fundamentais, de um interesse público especialmente
relevante ou de qualquer dos valores e bens referidos no n.º 2 do artigo 9.º”.[18] Neste caso, segundo as
palavras do Professor Mário Aroso de Almeida, o Ministério Público nem sequer
necessita de apresentar um requerimento à entidade responsável pelo ato
administrativo, podendo, no prazo de um ano, conforme previsto no artigo 69.º
n.º 1 do CPTA, “exercer o poder de ação que aquele preceito lhe confere”.[19]
No que respeita ao artigo 109.º do
CPA carece ser feita a ressalva da derrogação de parte do seu conteúdo
normativo, pelo preceituado nos artigos 67.º n.º 1, 69.º n.º 1 e 79.º n.º 5, todos
do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA).[20]
No regime anterior ao CPTA em que a
Administração ficava constituída no dever de decidir pelo facto de um
particular ter apresentado um requerimento e esta não se pronunciava, era
facilitada uma presunção legal ao interessado que, passado certo prazo
(normalmente de 90 dias), podia presumir ter havido um indeferimento tácito e,
consequentemente, um ato administrativo de conteúdo negativo que possibilitava
a sua impugnação. Estávamos perante uma ficção legal necessária porque só
existindo um ato administrativo é que o interessado, através de recurso
contencioso, o poderia impugnar (ou seja, caso não houvesse ato, nada haveria a
impugnar, por inexistência do objeto da impugnação).
“Com a introdução da possibilidade de
dedução de pedidos de condenação da Administração à prática de atos
administrativos ilegalmente omitidos, na situação prevista no artigo 67.º, n.º
1, alínea a), do CPTA”,[21] este diploma deixou de
exigir a sujeição da existência de um ato a impugnar e a sua consequente ficção
para os casos de inércia e omissão, e a generalidade da doutrina tem “entendido
que a introdução da possibilidade de, no circunstancialismo descrito, se pedir
e obter a condenação à prática de um ato administrativo teve o alcance de
derrogar tacitamente o artigo 109.º, n.º 1, do CPA, na parte em que este
reconhecia ao interessado «a faculdade de presumir indeferida a pretensão» por
si apresentada, «para poder exercer o respetivo meio legal de impugnação», pelo
que este segmento do preceito referido passou a dever ser lido como
estabelecendo que a falta de decisão administrativa confere ao interessado a
possibilidade de lançar a mão do meio de tutela adequado, que, hoje, é a ação
de condenação à prática do ato devido”.[22] e [23] Tal entendimento
vigora, assim, desde a entrada em vigor, a 1 de janeiro de 2004, da Lei n.º
15/2002, de 22 de fevereiro, que aprova o CPTA (anexado à referida lei),
conforme o seu artigo 7.º, com a redação que lhe é dada pela Lei n.º 4-A/2003,
de 19 de fevereiro. Ainda assim, o artigo 109.º do CPA mantém-se em vigor no
que respeita o prazo-regra de 90 dias, para que o interessado possa saber
quanto tempo tem de aguardar uma decisão legal por parte da Administração e a
partir de quando está legitimado a pedir a condenação à prática do ato devido.
Não obstante, parece-nos que o
preceituado no artigo 109.º do CPA já, de si, contrariava um dos princípios fundamentais
no âmbito da organização e do funcionamento da Administração Pública,
nomeadamente o princípio da participação dos particulares na gestão da
Administração Pública, no que respeita ao seu subprincípio da colaboração da
Administração Pública com os particulares, na sua dimensão de dever de
esclarecimento, “abrangendo o dever de notificação e o dever de fundamentação
dos atos administrativos que afetem as posições jurídicas subjetivas dos
particulares”,[24]
como decorrência direta do artigo 268.º n.º 3 da CRP[25] e na sua dimensão do
“direito dos particulares à informação, pela Administração, sobre o andamento
dos procedimentos em que estejam diretamente interessados, bem como o de
conhecer as resoluções definitivas que sobre eles forem tomadas”,[26] ainda que tal direito
pressuponha o encargo da solicitação da informação, como prevê o artigo 268.º
n.º 1 da CRP.[27]
Neste sentido e salvo melhor opinião, a parte depreciada a partir do primeiro
dia de 2004, do artigo 109.º do CPA, nem sequer deveria ser tida como válida ab initio, por contrariar o espírito
decorrente do ordenamento jurídico-constitucional.
Mais quezilenta, na doutrina, se
torna a discussão sobre a eventual derrogação do artigo 108.º do CPA, nos
mesmos moldes em que foi derrogado o artigo subsequente, supracitado.
Defendendo a validade e manutenção do
referido preceito normativo, encontra-se Mário Aroso de Almeida, que entende o
ato tácito como um ato administrativo que resulta de uma presunção legal, uma
vez que, justifica de acordo com experiência comum, o silêncio da Administração
equivale a um ato positivo, favorável às pretensões dos particulares e,
portanto, de deferimento. “As situações de deferimento
tácito são, com efeito, situações em que, nos casos expressamente
previstos, a lei associa ao decurso do prazo legal para a tomada de decisão a
presunção de que a pretensão apresentada pelo requerente foi julgada conforme
às exigências postas pelo ordenamento jurídico, pelo que atribui à passividade
do órgão competente o significado legal tipicizado de deferir a pretensão.”[28] Deste modo, o autor
exclui a propositura de uma ação de condenação à prática do ato omitido, ao
abrigo do artigo 67.º n.º 1 alínea a) do CPTA, uma vez que esta conduziria a
resultados absurdos, como a duplicação de efeitos jurídicos, considerando que
seriam, novamente, introduzidos efeitos na ordem jurídica que já tinham sido
emanados pelo ato tácito.
Em sentido diverso encontra-se o
pensamento de Vasco Pereira da Silva, que não considera o deferimento tácito
como ato administrativo, nem exclui a possibilidade da propositura da ação de
condenação à prática do ato omitido. Quanto ao primeiro ponto, entende o douto
e ilustre catedrático da Clássica de Lisboa que uma ficção legal proporcionada
por uma omissão regulamentada não é reconduzível à ação procedimental de emissão
de um ato administrativo. No que advoga para o segundo ponto, entende que há,
pelo menos, duas situações em que se admite a referida ação de condenação,
nomeadamente: quando o deferimento tácito não corresponder integralmente às
pretensões do particular (cuja parte desfavorável permite o pedido de
condenação); e quando, em relações jurídicas multilaterais, haja partes que se
vejam confrontadas com efeitos desfavoráveis, ainda que a situação seja
favorável à parte requerente.[29]
No caso particular do deferimento
tácito, a nossa opinião está com Mário Aroso de Almeida.
Por um lado, apreciando os argumentos
contrapostos, entendemos que o deferimento tácito é um ato administrativo
porque decorre de uma presunção legal. Numa primeira análise, de acordo com o
artigo 9.º n.º 1 do Código Civil, “a interpretação da lei não deve cingir-se à
letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo,
tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em
que foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada”, ao
que o n.º 3 do mesmo artigo acrescenta: “na fixação do sentido e alcance da
lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais
acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”.[30] Ora, a descrição do
preceito legal não é suficiente para corroborar a posição tomada. Mas,
considerando a teleologia implantada no Título III, Capítulo II, Secção II do
CPTA, que foi anteriormente referida como responsável (ainda que somente em
referência a alguns desses preceitos normativos) pela derrogação do
indeferimento tácito (e que, para o deferimento tácito, consubstancia a
manutenção da sua plena vigência), a ser aplicada da mesma forma ao artigo
108.º do CPA, gera uma situação contraditória. Pois, os efeitos jurídicos dela
decorrentes, para os particulares, seriam materializados no retrocesso ao
regime anterior ao do CPA, o que, aliás, acaba por ser chamado à demanda (ainda
que com conclusão oposta) pelo próprio catedrático da Clássica de Lisboa, quando
afirma que: “a figura do deferimento tácito, se fazia sentido como «expediente»
destinado a facilitar atuações burocráticas, no caso de relações interorgânicas,
ou como forma de proteção dos direitos dos particulares contra a inércia da
Administração, no domínio das permissões legais”,[31] continua a fazer sentido, face ao exposto e ao
facto de ainda não termos mecanismos eficientes de controlo do mérito de
desempenho da Administração Pública, não perdendo a sua razão de ser. Além
disso, no quadro da atuação administrativa regem os princípios da eficiência e
da desburocratização, que concorrem para a manutenção do deferimento tácito,
não sendo aceitável a alegação de que, “no âmbito das relações multilaterais,
que podem mesmo ser de «massa», as quais obrigam à ponderação de interesses múltiplos
e contraditórios, (…) não se compadecem com esquemas «mecânicos» e rígidos como
o das presunções legais”,[32] porque o argumento
confunde a aplicação do princípio da desburocratização, com o mérito da decisão
por parte da entidade responsável (já que, caso não seja de executar o ato
administrativo, não haverá deferimento tácito mas, antes, a emissão de um ato
de conteúdo negativo).[33]
Além de tudo isto, o CPA já tipifica
taxativamente os atos administrativos, nos quais é admitido o deferimento
tácito, cujas situações já se encontram perfeitamente enquadradas e
experimentadas (mesmo quando obrigam à ponderação de interesses múltiplos e
contraditórios) no cômputo das exigências de decisão efetiva por parte das
autoridades administrativas.
Por outro lado, entendemos que não se
vislumbra qualquer coerência jurídica em admitir a ação de condenação à prática
do ato administrativo devido, no que ao deferimento tácito diz respeito, por
razões de vária ordem.
Além de acompanharmos a posição de
Mário Aroso de Almeida, no que respeita o problema da duplicação de efeitos
jurídicos (no caso de se admitir a ação de condenação à prática do ato
administrativo devido), entendemos que o argumento de tal deferimento não
corresponder integralmente às pretensões do particular (na visão de Vasco
Pereira da Silva) não procede, devido a uma questão de lógica subjacente. Ora
se é o particular que elabora a pretensão (produzindo-a de acordo com os seus
interesses e necessidades) e se, deferindo tacitamente a pretensão, a
Administração Pública concede o ato administrativo na medida em que ele foi requerido,
não se percebe como ele poderá não corresponder integralmente às pretensões do
particular.
Por seu turno, numa relação jurídica
multilateral, a questão também não se coloca em termos positivos, ou seja, de
impugnação do deferimento (tácito) de ato favorável. Isto porque, do lado do
requerente, este almejou e conseguiu os efeitos que solicitou na pretensão. Do
lado daqueles que se viram confrontados com uma omissão administrativa geradora
de efeitos desfavoráveis existe sempre a possibilidade de, estes, se valerem do
pedido de anulação ou de declaração de nulidade ou inexistência de um ato
administrativo, em cumulação com o pedido de condenação à prática do ato
administrativo devido, em substituição, total ou parcial, do ato praticado.,
conforme prevê o já anteriormente referido artigo 47.º n.º 2 alínea a) do CPTA.
Em síntese conclusiva, não
acompanhamos a posição de Vasco Pereira da Silva na parte em que o douto
catedrático entende que existe admissibilidade em solicitar a condenação à
prática do ato administrativo devido, quando haja uma omissão de atuação da Administração
fundada, quer em deferimento, quer em indeferimento tácito. Neste último caso,
parece-nos perfeitamente pacífico solicitar a dita ação de condenação. No que
concerne o deferimento tácito, atendendo a que acreditamos já existir um ato
administrativo e que este se mostra favorável, admitir uma ação de condenação
seria uma espécie de venire
contra factum proprium. No mesmo sentido, parece-nos que os argumentos do autor de O Contencioso Administrativo no Divã da
Psicanálise, quanto a esta matéria, são confusos, porque misturam
indiscriminadamente os conceitos de decisões favoráveis e decisões desfavoráveis,
bem como as partes interessadas a que essas decisões se aplicam, que se traduz,
salvo melhor opinião e com o devido respeito que é muito, numa argumentação
desprovida de congruência semântica.
Em sentido inverso, estamos com Vasco
Pereira da Silva no que implica a sua consideração sobre a admissibilidade de
apresentação de pedidos de condenação contra atos administrativos
desfavoráveis, ou de conteúdo negativo, como são exemplos a recusa da prática
de um ato ou da simples apreciação do pedido, os “quais conduzem ao mesmo
resultado de denegação do (alegado) direito do particular à atuação
administrativa devida” e que constituem “uma das mais importantes
transformações introduzidas pela reforma do Contencioso Administrativo no
sentido da tutela plena e efetiva dos direitos dos particulares”.[34]
Antes de terminar, cabe fazer uma
última referência, tendo em vista o princípio da separação de poderes, cuja
interpretação foi tantas vezes deturpada em benefício da Administração Pública,
no enquadramento do Contencioso Administrativo, e que agora, provavelmente como
resquício dos “traumas da infância difícil” desta vertente do Direito, ainda
pende em prol daquela.
Mesmo considerando toda a evolução
que visou a proteção dos direitos subjetivos dos particulares, no Contencioso
Administrativo, mantém-se a necessidade de ter em consideração as causas
legítimas de inexecução das sentenças, especialmente as que se têm como grave
prejuízo para o interesse público, conforme dispõe o artigo 163.º n.º 1 do
CPTA,[35] bem como as situações de
reconstituição do ato praticado que foi anulado, declarado nulo, ou inexistente,
por ter sido sujeito à ação de condenação à prática do ato administrativo
devido (ainda que nestes só se incluam vícios de forma), conforme prevê o
artigo 173.º n.º 1 (primeira parte) do CPTA.[36]
Estes dois exemplos mostram-se
particularmente insidiosos. No primeiro caso, sendo o “grave prejuízo para o
interesse público” um conceito vago indeterminado, há fortes probabilidades de,
no âmbito da margem de livre decisão, a Administração socorrer-se, “licitamente”,
de valorações discricionárias iníquas. No segundo caso, poderão ser corrompidas
as legitimas expetativas na manutenção dos efeitos do pedido imediato e mediato
(ao que conjuga a respetiva causa de pedir) a que a sentença deu provimento e
que o caso julgado é tido por sedimentar no ordenamento jurídico.
Bibliografia
Almeida, Mário Aroso de, Manual
de Processo Administrativo, reimpressão, Edições Almedina, Coimbra, 2013.
Barata, Carlos Lacerda, Código
Civil e Legislação Complementar, 2.ª edição, Edições AAFDL, Lisboa, 2011.
Nabais, José Casalta, Procedimento
e Processo Administrativos, 7.ª edição, Edições Almedina, Coimbra, 2011.
Silva, Vasco Pereira da, O
Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise – ensaio sobre as ações no novo processo administrativo,
2.ª edição, Edições Almedina, Coimbra, 2009.
Sousa, Marcelo Rebelo de, Matos, André Salgado de, Direito
Administrativo Geral – Introdução e princípios fundamentais, Tomo I, 3.ª
edição – reimpressão, Edições D. Quixote, Lisboa, 2010.
Sousa, Marcelo Rebelo de, Matos, André Salgado de, Direito
Administrativo Geral – Atividade Administrativa, Tomo III, 2.ª edição –
reimpressão, Edições D. Quixote, Lisboa, 2010.
Paulo Alexandre Anjos Das Neves
Aluno n.º 22216
Paulo Alexandre Anjos Das Neves
Aluno n.º 22216
[1]
Sousa,
Marcelo Rebelo de, Matos, André
Salgado de, Direito Administrativo
Geral – Atividade Administrativa, Tomo III, 2.ª edição – reimpressão,
Edições D. Quixote, Lisboa, 2010, páginas 73 e 74.
[2]
Nabais,
José Casalta, Procedimento e Processo
Administrativos, 7.ª edição, Edições Almedina, Coimbra, 2011, páginas 68 e
69.
[3]
Sousa,
Marcelo Rebelo de, Matos, André
Salgado de, Direito Administrativo
Geral – Atividade Administrativa, Tomo III, 2.ª edição – reimpressão,
Edições D. Quixote, Lisboa, 2010, pág. 74 a 77.
[4]
Sousa,
Marcelo Rebelo de, Matos, André
Salgado de, Direito Administrativo
Geral – Introdução e princípios fundamentais, Tomo I, 3.ª edição –
reimpressão, Edições D. Quixote, Lisboa, 2010, página 202.
[5]
Nabais,
José Casalta, Procedimento e Processo
Administrativos, 7.ª edição, Edições Almedina, Coimbra, 2011, página30.
[6]
Idem, página 63.
[7]
Idem, página 64.
[8]
Idem, páginas 8 e 201.
[9]
Citando Andrade, Vieira de, A Justiça Administrativa,
(Lições), 4.ª edição, Edições Almedina, Coimbra, 2004, páginas 224 e 225 – Silva,
Vasco Pereira da, O Contencioso Administrativo
no Divã da Psicanálise – ensaio sobre as
ações no novo processo administrativo, 2.ª edição, Edições Almedina,
Coimbra, 2009, página 383.
[10]
Idem, página 383 a 385.
[11]
Nabais,
José Casalta, Procedimento e Processo
Administrativos, 7.ª edição, Edições Almedina, Coimbra, 2011, página 195.
[12]
Silva,
Vasco Pereira da, O Contencioso Administrativo
no Divã da Psicanálise – ensaio sobre as
ações no novo processo administrativo, 2.ª edição, Edições Almedina,
Coimbra, 2009, página 390.
[13]
Nabais,
José Casalta, Procedimento e Processo
Administrativos, 7.ª edição, Edições Almedina, Coimbra, 2011, página 174.
[14]
Idem, página 203.
[15]
Silva,
Vasco Pereira da, O Contencioso Administrativo
no Divã da Psicanálise – ensaio sobre as
ações no novo processo administrativo, 2.ª edição, Edições Almedina,
Coimbra, 2009, paginas 388 e 389.
[16]
Nabais,
José Casalta, Procedimento e Processo
Administrativos, 7.ª edição, Edições Almedina, Coimbra, 2011, página 201.
[17]
Idem, página 192.
[18]
Idem, página 202.
[19]
Almeida,
Mário Aroso de, Manual de Processo
Administrativo, reimpressão, Edições Almedina, Coimbra, 2013, páginas 319 e
320.
[20]
Nabais,
José Casalta, Procedimento e Processo
Administrativos, 7.ª edição, Edições Almedina, Coimbra, 2011, páginas 202 e
203.
[21]
Almeida,
Mário Aroso de, Manual de Processo
Administrativo, reimpressão, Edições Almedina, Coimbra, 2013, página 322.
[22]
Idem, página 323.
[23]
No mesmo sentido, Silva, Vasco Pereira da, O Contencioso Administrativo no Divã da
Psicanálise – ensaio sobre as ações no
novo processo administrativo, 2.ª edição, Edições Almedina, Coimbra,
2009, página 397.
[24]
Sousa,
Marcelo Rebelo de, Matos, André
Salgado de, Direito Administrativo
Geral – Introdução e princípios fundamentais, Tomo I, 3.ª edição –
reimpressão, Edições D. Quixote, Lisboa, 2010, página 153.
[25]
Nabais,
José Casalta, Procedimento e Processo
Administrativos, 7.ª edição, Edições Almedina, Coimbra, 2011, página 8.
[26]
Sousa,
Marcelo Rebelo de, Matos, André
Salgado de, Direito Administrativo
Geral – Introdução e princípios fundamentais, Tomo I, 3.ª edição –
reimpressão, Edições D. Quixote, Lisboa, 2010, página 155.
[27]
Nabais,
José Casalta, Procedimento e Processo
Administrativos, 7.ª edição, Edições Almedina, Coimbra, 2011, página 8.
[28]
Almeida,
Mário Aroso de, Manual de Processo
Administrativo, reimpressão, Edições Almedina, Coimbra, 2013, página 324.
[29]
Silva,
Vasco Pereira da, O Contencioso
Administrativo no Divã da Psicanálise – ensaio
sobre as ações no novo processo administrativo, 2.ª edição, Edições
Almedina, Coimbra, 2009, páginas 398 à 402.
[30]
Barata,
Carlos Lacerda, Código Civil e
Legislação Complementar, 2.ª edição, Edições AAFDL, Lisboa, 2011, páginas 14
e 15.
[31]
Silva,
Vasco Pereira da, O Contencioso
Administrativo no Divã da Psicanálise – ensaio
sobre as ações no novo processo administrativo, 2.ª edição, Edições
Almedina, Coimbra, 2009, páginas 398 e 399.
[32]
Idem, página 399.
[33]
Aliás, o último argumento do autor de O
Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, no que se refere à
preclusão do deferimento tácito – no quadro dos “mecanismos compensatórios” – chega
a ser (no que concerne a nossa opinião e com o devido respeito, que é muito) falacioso
porque, além de contrariar o princípio da eficiência administrativa, tais
mecanismos não protegem unilateralmente os direitos de uma das partes em
presença, uma vez que se destinam a agilizar os procedimentos administrativos e
a proteção da contraparte já se encontra prevista na admissibilidade de uma
ação de condenação à prática do ato administrativo devido, conforme regulamenta
o artigo 47.º n.º 2 alínea a) do CPTA. Além disso, os argumentos sobre a
publicidade dos atos não procedem porque os contrainteressados têm, na prática,
as mesmas dificuldades em conhecê-los, quer estejamos perante um deferimento
tácito, quer estejamos perante um ato para qual houve uma pronúncia por parte
da Administração.
[34]
Silva,
Vasco Pereira da, O Contencioso
Administrativo no Divã da Psicanálise – ensaio
sobre as ações no novo processo administrativo, 2.ª edição, Edições
Almedina, Coimbra, 2009, página 402.
[35]
Nabais,
José Casalta, Procedimento e Processo
Administrativos, 7.ª edição, Edições Almedina, Coimbra, 2011, página 246.
[36]
Idem, página 252.
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