sábado, 30 de novembro de 2013

Providências cautelares – Características e requisitos

O anterior sistema português de justiça administrativa era notoriamente deficitário no que respeita à tutela cautelar, existindo como única providência cautelar expressa na legislação a suspensão da eficácia do acto administrativo. Desde a revisão constitucional de 1997, a Constituição portuguesa passou a fazer referência expressa à protecção cautelar, consagrando-se como uma dimensão do princípio da tutela jurisdicional efectiva dos direitos dos particulares, presente no artigo 268º, nº 4 CRP.
As providências cautelares correspondem a um instrumento de tutela provisória da relação jurídico-administrativa, de definição da situação jurídica até ao julgamento definitivo, destinado a evitar a inutilização de um meio processual principal por efeito do decurso do tempo necessário para a sua concretização. Segundo a definição utilizada por Mário Aroso de Almeida, “num processo cautelar, o autor num processo declarativo, já intentado ou ainda a intentar, pede ao tribunal a adopção de uma ou mais providências destinadas a impedir que, durante a pendência do processo declarativo, se constitua uma situação irreversível ou se produzam danos de tal modo gravosos que ponham em perigo, no todo ou pelo menos em parte, a utilidade da decisão que ele pretende obter naquele processo”.[1] Como resulta do artigo 112º, nº 1 CPTA, as providências cautelares revestem a natureza de meios processuais acessórios que funcionam num momento preliminar, e, deste modo, apenas podem ser utilizados quando conectados a um meio processual principal, não possuindo, portanto, autonomia. Os processos cautelares distinguem-se, assim, dos processos urgentes autónomos, que são processos principais e visam a produção de decisões de mérito.
A sua função é garantir o tempo indispensável à efectiva realização da Justiça, tendo por base um conjunto de instrumentos adequados à gestão do tempo e os seus evidentes efeitos no processo, sem que se ponha em causa o efeito útil da sentença definitiva. O processo cautelar tem como desígnio assegurar a utilidade da acção principal que, por implicar uma cognição plena quanto aos factos e ao direito aplicável, necessita de um período de tempo de reflexão, estudo e análise por parte do tribunal. Mesmo quando não há atrasos, exige-se um tempo necessário para julgar bem. E é precisamente para esses casos, para aqueles processos em que o tempo tem de cumprir-se para que se possa julgar bem, que é necessário assegurar a utilidade da sentença que venha a ser proferida no final. Deste modo, a garantia constitucional da tutela jurisdicional efectiva impõe tanto a existência de um meio processual adequado a cada direito ou interesse legalmente protegido e carecido de tutela, como a possibilidade de os interessados utilizarem uma medida cautelar capaz de assegurar a eficácia da sentença final.
Cabe aos particulares ou entidades administrativas requerer, cumulativamente ou em alternativa, as medidas que se revelem aptas e essenciais a cada caso concreto para a garantia da efectividade do processo principal. Assim, “a legitimidade para requerer a adopção de providências cautelares não pertence apenas aos particulares que recorram à justiça administrativa em defesa dos seus diretos ou interesses legalmente protegidos, mas também ao Ministério Público e a quem quer que actue no exercício da acção popular ou impugne um acto administrativo com fundamento num interesse directo e pessoal, no óbvio pressuposto de que a todos deve ser reconhecida a possibilidade d verem acautelada a utilidade do processo principal que estão legitimados a intentar.”[2]
O legislador criou uma cláusula aberta, no artigo 112º, nº 1, CPTA, que prevê expressamente a possibilidade de adopção de providências cautelares não especificadas na lei, sujeitas ao critério de adequação e necessidade, não podendo, contudo, interferir com o espaço de discricionariedade da Administração. Assim, a cláusula geral confere ao requerente um alargado conjunto de providências, antecipatórias e conservatórias, e permite um sistema de protecção cautelar pleno, abrangendo não só o acto, mas todas as modalidades de actuação administrativa. “Mais não se trata do que dar cumprimento ao que (…) determina o artigo 268º, nº 4, da CRP”[3]. O artigo 112º, nº 2 CPTA consagra, por sua vez, providências típicas, para além das que se encontram especificadas no Código de Processo Civil, sendo, no entanto, um elenco meramente exemplificativo.
O processo administrativo abrange providências conservatórias – visam preservar uma situação de facto existente, assegurando ao requerente a subsistência da titularidade ou do exercício de um direito ou o gozo de um bem, que está ameaçado de se perder, e providências antecipatórias – visam prevenir um dano, adquirindo adiantadamente a disponibilidade de um bem ou o gozo de um benefício a que o requerente pretende ter direito, mas que lhe é negado, ou seja, antecipam uma situação que não existia, quando haja um interesse substancial pretenso. Esta classificação em duas categorias encontra-se perfilhada no artigo 120º, nº 1 CPTA.
O processo cautelar, em virtude da sua função de prevenção contra a demora, caracteriza-se pela instrumentalidade, provisoriedade e sumariedade.
- Quanto à intrumentalidade, esta traduz-se na dependência da providência em relação a uma acção principal, cuja utilidade visa assegurar. O processo cautelar só pode ser desencadeado por quem tem legitimidade para intentar a acção principal e define-se por referência a esta, de modo a assegurar a utilidade da sentença final (artigos 112º, nº 1 e 113º, nº 1 CPTA).
- No que respeita à provisoriedade, relaciona-se com a resolução temporária, e não definitiva, do litígio em causa. Determina-se pela duração temporal limitada dos efeitos da decisão cautelar e a sua inaptidão para formar caso julgado, quer no âmbito do processo cautelar, quer perante a causa principal. O tribunal tem a possibilidade de “revogar, alterar ou substituir, na pendência do processo principal, a sua decisão de adoptar ou recusar a adopção de providências cautelares se tiver ocorrido uma alteração relevante das circunstâncias inicialmente existentes”[4] (artigo 124º, nº 1 CPTA). A antecipação de tutela é conferida a título provisório, podendo caducar se, no processo principal, o juiz concluir que já não é admissível a sua manutenção. Dispõe o artigo 123º, nº 1, alínea a) CPTA que “as providências cautelares caducam (…) se o requerente não fizer uso, no respectivo prazo, do meio contencioso adequado à tutela dos interesses a que o pedido de adopção da providência cautelar se destinou” – a providência cautelar não perdura sozinha, sem que, dentro dos prazos previstos, seja intentada a acção principal que virá a decidir em termos definitivos sobre os interesses ou direitos que se pretendem assegurar de modo perfunctório na providência. Apenas a decisão a proferir no processo principal pode ser conferida a título definitivo.
- Por último, a sumariedade manifesta-se no conhecimento sumário da situação de facto e de direito, decorrente do carácter provisório e urgente da providência, porque o que está em causa em sede cautelar é precaver, em tempo útil, ocorrências que possam comprometer a utilidade do processo principal. Para tal, o tribunal deve proceder a meras apreciações efémeras, fundamentadas num juízo sumário e de mera probabilidade sobre os factos a examinar e os requisitos exigidos. Entre a providência cautelar e o processo principal há correspondência, não havendo, no entanto, necessidade de identidade completa do objecto do litígio, e tendo em conta que os critérios de adopção de uma providência cautelar são distintos dos critérios da decisão final em sede de acção principal. O objecto do litígio em sede cautelar pode ser mais limitado, atendendo à sumario cognitio, sendo, todavia, a providência que o requerente pretende acautelar a pretensão já formulada ou a formular no processo principal (artigo 120º, nº 1 CPTA).
A decisão sobre a atribuição de uma providência cautelar tem que atender a determinados critérios. Quanto ao requisito do periculum in mora, este decorre do próprio conceito de providência cautelar que, ao visar garantir o efeito útil da sentença, pressupõe a existência de um perigo de inutilidade em relação à mesma, total ou parcial e como resultado do decurso do tempo, demonstrando que a posição do requerente é digna de protecção. Apura-se no receio de que, no momento da emissão da sentença, já se tenham entretanto produzido danos na esfera do autor, podendo o sentido da sentença vir a revelar-se total ou parcialmente infrutífero. É necessário obter uma decisão sobre o mérito da questão colocada no processo principal, com carácter de urgência, quando o periculum in mora possa comprometer o efeito útil do processo principal, só podendo ser evitado através da antecipação de um efeito que só pode ser determinado pela sentença a proferir no processo principal. Este requisito de perigosidade encontra-se estabelecido no artigo 120º, nº1, alínea b) e c) CPTA, ao exigir um “fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal”. Para determinar a perigosidade, o juiz deve proceder a um juízo de prognose, colocando-se na situação futura de uma hipotética sentença de provimento, para concluir se há, ou não, razões para recear que tal sentença venha a ser inútil, por entretanto se ter consumado uma situação de facto incompatível com ela, ou por se terem produzido prejuízos de difícil reparação para quem dela deveria beneficiar. O fundado receio que resultar deste juízo deve basear-se numa prova, por regra a cargo do requerente, de que tais consequências são suficientemente prováveis para que se possa considerar “compreensível ou justificada” a cautela que é solicitada. O juiz só pode conceder a providência quando se verifique um interesse em agir que se manifeste no fundamento do pedido, bastando, no entanto, a prova de que se assegura utilidade à sentença final.
O requisito do fumus boni iuris, ou aparência do direito, respeita à evidência da procedência da pretensão principal. O tribunal tem de avaliar, ainda que sumariamente, a probabilidade da procedência da acção principal, ou seja, a existência, ainda que aparente, do direito invocado pelo requerente, conferindo maior garantia ao processo cautelar. Temos como exemplo a manifesta ilegalidade do acto, presente no artigo 120º, alínea a) CPTA, permitindo que o juiz possa decretar a providência adequada, mesmo sem prova do receio de facto consumado ou da difícil reparação do dano independentemente dos prejuízos que a concessão possa causar ao interesse público, pois sendo evidente que o particular tem razão, não há motivo para não se conceder essa providência. O juiz só pode conceder uma providência se considerar que é possível que no final a sentença venha a dar razão ao requerente, elaborando um grau de probabilidade de êxito no processo declarativo, dentro dos limites próprios da tutela cautelar, de modo a que não comprometa nem antecipe o juízo de fundo que caberá formular no processo principal. A verificação deste requisito demanda que o requerente apresente indícios suficientes da existência, pelo menos aparente, de um direito seu contra a Administração, cabendo-lhe assim o ónus da prova, sendo que esta aparência tem de ser mais forte nos casos de providências antecipatórias do que nas conservatórias. Este juízo torna-se, assim, indispensável, mesmo que tenha por base um juízo de probabilidade sumário e provisório. Nas providências conservatórias, para se provar a aparência de bom direito, basta que não haja fumus malus, pelo que estando demonstrado o periculum in mora, e sem prejuízo da ponderação do artigo 120º, nº 2 CPTA, a providência é concedida a menos que “seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular nesse processo ou a existência de circunstâncias que obstem ao seu conhecimento de mérito” (artigo 120, nº 1, alínea b CPTA). Nas providências antecipatórias tem que se convencer o juiz de que existe a probabilidade de ganhar a acção, necessitando de uma indagação mais exigente, pelo que tem que se demonstrar “que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente” (artigo 120º, nº 1, alínea c CPTA).
Decisivo na concessão ou recusa da providência cautelar é o princípio da proporcionalidade, que implica a ponderação equilibrada pelo juiz de todos os interesses públicos e privados concretamente em presença (artigo 120, nº 2 e 3 CPTA), fazendo depender a decisão sobre a concessão ou recusa, dos interesses preponderantes no caso concreto, sempre que não seja evidente a procedência ou improcedência da pretensão formulada. São avaliados em paridade os interesses do autor, réu e eventuais contra-interessados. Mesmo que se verifiquem o periculum in mora e o fumus boni iuris, o juiz deve recusar a concessão quando o prejuízo resultante para o requerido se mostre superior ao prejuízo que se pretende evitar com a providência, tendo em conta o tempo de duração da medida e as circunstâncias do caso concreto. Por norma, os interesses do requerido correspondem ao interesse público, e os do requerente a interesses privados. Tal ponderação funciona em casos de dúvida ou incerteza, não sendo relevante quando seja evidente a procedência da pretensão inicial. Quando o juiz conclui na sentença final pelo direito aplicável, com grau de certeza, contra ou a favor do autor, não haverá lugar à ponderação de interesses. A lei confere ao tribunal, após ouvidas as partes, um poder discricionário para decretar uma providência que não lhe tenha sido requerida, em cumulação ou em substituição daquela que o foi, quando isso seja adequado para evitar a lesão do requerente e seja menos gravoso para os demais interesses públicos ou privados, assegurando uma tutela efectiva, adequada e equilibrada, dos interesses presentes em cada caso concreto (artigo 120º, nº 3 CPTA).
Ainda no que respeita aos critérios de decisão, cumpre esclarecer que na acção principal cabe aprofundar o fumus boni iuris, para que de uma aparência de direito se conclua pela certeza da sua existência ou não, sendo que, em sede de acção principal, o juiz pode decidir a favor do autor com base em apreciações de direito distintas, ou em cumulação com as apreciações sumárias e provisórias feitas em sede cautelar acerca do direito aplicável.
A tutela provisória da providência cautelar será substituída pela tutela definitiva que vier a resultar da acção principal da qual a primeira depende, caso a sentença seja favorável ao autor e seja executada, ao abrigo do artigo 123º, nº 1, alínea f) CPTA. Caso tenha sido concedida a tutela cautelar à pretensão do autor, e a sentença lhe venha a ser desfavorável, cessa a tutela da providência cautelar nos termos do artigo 123º, nº 1, alínea c) CPTA.
A providência cautelar exige uma tramitação célere, não devendo, contudo, ser confundida com os processos urgentes (artigos 97º e 11º CPTA), na medida em que estes processos não são instrumentais de qualquer outro processo, e ainda que a sua tramitação tenha de ser célere, não se satisfazem com apreciação sumária dos factos e do direito, até porque não são provisórios, sendo a sua decisão definitiva.
O sistema de decretamento de providência cautelar proporciona aos juízes administrativos uma ampla discricionariedade na determinação do conteúdo das medidas cautelares e na verificação dos respetivos pressupostos. Assim, ao juiz é permitido decretar providências distintas das requeridas (artigo 120º, nº 3 CPTA), bem como impor a prestação de garantia por parte do requerente (artigo 120º, nº 4 CPTA), ou ainda sujeitar as providências a termo ou condição (artigo 122º, nº 2 CPTA), bem como revogar, alterar ou substituir a providência anteriormente decretada, com fundamento na alteração das circunstâncias (artigo 124º, nº 1 CPTA). A isto acresce o poder que o juiz cautelar usufrui para avaliar os interesses públicos e privados em presença que devem prevalecer (artigo 120º, nº 2, 3 e 4 CPTA) e o poder de assegurar a execução forçada da providência uma vez decretada (artigo 127º, nº 1 e artigo 170º, nº 2 CPTA), bem como fixar uma sanção pecuniária compulsória que julgue adequada a assegurar a efectividade da providência decretada (artigo 127º, nº 2 e artigo 169º CPTA).




Bibliografia
- Almeida, Mário Aroso de, “Manual de processo administrativo”, Coimbra Almedina, 2012;
- José Carlos Vieira de Andrade, “A Justiça Administrativa”, 12ª edição, Almedina, 2012;
- Manuel Fernando Dos Santos Serra “Breve apontamento sobre as providências cautelares no novo contencioso administrativo”, Coimbra Editora, 2006;
- Fonseca, José Manuel Vieira da “O contencioso administrativo português e as providências atípicas: algumas dimensões fundamentais e problemáticas”, Lisboa, 1996;
- Pina, Catarina Moreno “Providências cautelares a 120.º… mas com critérios: no âmbito do contencioso administrativo”, Lisboa, 2007


Ana Filipa Rodrigues, nº 21476
Turma A, subturma 1




[1] Almeida, Mário Aroso de, “Manual de processo administrativo”, Coimbra Almedina, 2012, ob. Cit., pág 437

[2] Almeida, Mário Aroso de, “Manual de processo administrativo”, Coimbra Almedina, 2012, ob. Cit., pág 449
[3] Almeida, Mário Aroso de, “Manual de processo administrativo”, Coimbra Almedina, 2012, ob. Cit., pág 444
[4] Almeida, Mário Aroso de, “Manual de processo administrativo”, Coimbra Almedina, 2012, ob. Cit., pág 438

O contencioso pré-contratual / impugnação pré-contratual



A impugnação pré-contratual consiste numa evolução do contencioso pré-contratual, após a reforma de 2002. Antes da reforma as decisões proferidas em sede de contencioso pré-contratual eram morosas e tardias, chegando já depois da execução do contrato. Era por isso necessário a obtenção de uma decisão definitiva pela via judicial num curto tempo.
A impugnação pré-contratual insere-se nos processos urgentes a par com a impugnação eleitoral e com as intimações para protecção de direitos liberdades e garantias, e a intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões.
Nos processos urgentes está latente a celeridade ou a prioridade de determinados processos principais, uma vez que determinadas questões, em função de determinadas circunstâncias devem obter uma decisão definitiva pela via judicial num curto tempo.
A consagração da impugnação pré-contratual como processo autónomo e urgente deriva da necessidade de assegurar os interesses públicos e privados no que concerne à transparência e concorrência, protegendo adequadamente os interesses dos candidatos à celebração dos contratos com as entidades públicas, bem como assegurar a estabilidade dos contratos depois de celebrados, dando protecção aos interesses públicos em causa, bem como evitar a celebração de contratos que contenham vícios de formação.
O âmbito de aplicação deste meio processual está limitado aos procedimentos administrativos tendentes à celebração de contratos de empreitada e de concessão de obras públicas, bem como de prestação de serviços e de fornecimento de bens (100º/1 Código Procedimento dos Tribunais Administrativos, doravante CPTA).
A impugnação pré-contratual tem por objecto os actos administrativos relativos à formação dos contratos em sentido próprio, o programa do concurso, o caderno de encargos e qualquer outro procedimento de formação dos contratos (100º/2 CPTA). Se o contrato for entretanto celebrado o objecto do processo pode ser ampliado à impugnação do próprio contrato, como acontece nos procedimentos cautelares em relação à ampliação do processo (132º/6 CPTA).
Alguma doutrina defende (nomeadamente VIEIRA DE ANDRADE E ANA CUNHA) que se devem admitir sentenças condenatórias no âmbito da impugnação pré-contratual, á semelhança da impugnação eleitoral (97º/2 CPTA) como decorrência do espirito da reforma de 2002 e do Direito Europeu, assim como a conveniência da concentração da apreciação global de uma relação jurídica administrativa controvertida. Também admitem a cumulação de pedidos em determinadas situações como nos casos de omissão, indeferimento ou recusa ilegal a contratar. Nestes casos apesar de o particular intentar acção de impugnação pré-contratual, pretende verdadeiramente a condenação da Administração.
Segue agora uma breve análise dos pressupostos processuais: competência do tribunal, legitimidade e tempestividade /oportunidade.
O tribunal competente para apreciar esta causa é o Supremo Tribunal Administrativo nos casos previstos no artigo 24º/1, a) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (doravante ETAF), e para os restantes casos são competentes os tribunais de círculo.
Tem legitimidade activa quem se sentir lesado pelo acto administrativo pré-contratual, e tem legitimidade passiva a entidade pública ou o ministério que tiver praticado o acto. Neste tipo de acções costuma haver contra-interessados, por conseguinte o pedido deve ser dirigido também contra os outros envolvidos no procedimento pré-contratual (10º CPTA).
O prazo para intentar esta acção é de um mês, a contar da notificação do acto aos interessados, ou se não existir, do seu conhecimento (101º CPTA). Se houver impugnação administrativa necessária (99º DL59/99, 2 de Março), ainda admitida para o contrato de empreitada de obras públicas, em caso de omissão da decisão administrativa sobre a impugnação, o prazo mantem-se, um mês a contar a partir do termo do prazo legal para a decisão.
A tramitação da impugnação segue segundo o modelo da acção administrativa especial, com as devidas adaptações que se prendem com a celeridade dos processos urgentes. Assim há a possibilidade de o juiz optar, por iniciativa própria, ou a pedido das partes, por uma audiência publica sobre a matéria de facto e a matéria de direito, onde as alegações das partes serão orais e a sentença e ditada logo após o termo da audiência (103º CPTA). Outras especificidades prendem-se com o facto de só serem admitidas alegações no caso de ser requerida ou produzida prova na contestação (102º/2 CPTA), os vários prazos são encurtados (102º/3 CPTA), e é admitida a possibilidade de modificação subjectiva da instância que ocorre no caso de ampliação do objecto da impugnação do próprio contrato, como forma de conceder tutela jurisdicional adequada ao autor (103º/4 CPTA), e no caso de no decurso do processo judicial, o tribunal verificar que existe uma impossibilidade absoluta de satisfazer os interesses do autor (por exemplo, o autor tinha sido ilegalmente preterido na adjudicação do contrato), o tribunal transforma o pedido de impugnação num pedido de indemnização pelos prejuízos causados ao autor em virtude do acto impugnado (102º/5 CPTA). O valor da indemnização deve ser obtido por acordo das partes, caso tal não suceda, cabe ao tribunal fixar esse valor (45º/3 e 4 CPTA).
 
Bibliografia:
CAUPERS, JOÃO, in Introdução ao Direito Administrativo, 7º Edição, Âncora Editora, 2003
ALMEIDA, MÁRIO AROSO, in O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, 4º edição, Almedina, 2005
ANDRADE, JOSÉ CARLOS VIEIRA, in A Justiça Administrativa (lições), 8º Edição, Almedina, 2006
MARGARIDA OLAZABAL CABRAL Processos urgentes principais: em especial, o contencioso pré-contratual, in Cadernos de Justiça Administrativa, Nº 94 (Jul-Ago. 2012

Normas regulamentares: em especial a sua impugnação no ‘antes’ e no ‘depois’ da reforma do Contencioso Administrativo



Afigura-se, desde logo, importante definir o conceito de regulamento administrativo para efeitos processuais de modo a entender-se o tema em causa. Refere MARCELO REBELO DE SOUSA que, segundo orientação do artigo 120º do Código do Procedimento Administrativo[1], o regulamento administrativo surge como um acto positivo, imaterial e unilateral emitido por um órgão administrativo ao abrigo de normas de Direito Público visando a produção de efeitos jurídicos em situações gerais e abstractas, trata-se de um acto normativo. VASCO PEREIRA DA SILVA considera como regulamento administrativo as disposições unilaterais que sejam gerais ou abstractas, distinguindo-o do acto administrativo. Enquanto forma da actividade administrativa, os regulamentos administrativos são submetidos ao princípio da legalidade dirigindo à questão dos regulamentos serem susceptíveis de impugnação contenciosa em determinadas situações permitindo aos tribunais declarar a sua ilegalidade com força obrigatória geral, nos termos dos artigo 268º, nº 5 da Constituição da República Portuguesa[2] e artigo 72º e seguintes do Código de Processo dos Tribunais Administrativos[3]. Acrescenta este último professor, que a impugnação de normas administrativas abarca todas as situações jurídicas que se apresentem como gerais e abstractas (ou que se apresentem com apenas uma dessas características) quando emanadas de autoridades publicas ou de particulares colaboradores com estas no exercício da função administrativa. Exclui-se, por esta razão, a impugnação, nestes termos, dos actos administrativos ainda que contidos em diploma regulamentar.

Encontra-se, precisamente nestes artigos 72º e seguintes, as disposições relativas á impugnação de normas e declaração de ilegalidade por omissão, podendo ler-se o seguinte: A impugnação de normas no contencioso administrativo tem por objecto a declaração da ilegalidade de normas emanadas ao abrigo de disposições de direito administrativo, por vícios próprios ou derivados da invalidade de actos praticados no âmbito do respectivo procedimento de aprovação.[4]

Se, anteriormente à reforma do Contencioso Administrativo de 1985, a reacção contenciosa contra regulamentos administrativos se fazia (apenas) por três meios distintos - refira-se a via incidental, o meio processual genérico e o meio processual especial - esta era marcada pela ideia de dualidade de meios processuais associada a uma esquizofrenia de diferentes requisitos apresentado para cada um meios enunciados indiciando, ainda, um âmbito de aplicação parcialmente sobreposto. No primeiro meio o regulamento era apreciado indirectamente como incidente da questão principal pelo que o resultado seria sempre a anulação do acto administrativo em si, acompanhada da não aplicação do regulamento ao caso concreto; o segundo meio reportava-se à declaração de ilegalidade de normas administrativas, utilizável contra qualquer norma regulamentar desde que se se tratasse de uma norma exequível por si mesma ou de já ter dito julgada ilegal em três casos concretos; o terceiro meio referia-se à impugnação de normas sendo que o seu âmbito de aplicação era limitado, uma vez que respeitava apenas aos regulamentos provenientes da administração local. 

Por meio da reforma, VASCO PEREIRA DA SILVA enuncia duas principais orientações a reter sobre o actual regime da impugnação das normas regulamentares. A primeira orientação prende-se com o a uniformização do regime jurídico do contencioso regulamentar, acabando-se com a referida dualidade de meios processuais, surgindo uma subespécie da acção administrativa especial em razão do pedido de impugnação de normas jurídicas. A segunda orientação vai no sentido do estabelecimento de um regime uniforme padronizando o antigo meio processual genérico com devidas alterações e restrições face aos requisitos de apreciação das normas regulamentares, onde agora se inclui igualmente a legitimidade, distinguindo o legislador três regras: 1) a regra geral é a de que a declaração de ilegalidade depende da existência de três casos concretos nos termos previstos pelo artigo 73º, nº1[5] CPTA; 2) em relação à acção pública, o Ministério Público pode pedir a referida ilegalidade nos termos do artigo 73º, nº3[6], denotando-se uma maior intervenção podendo impugnar normas jurídicas de eficácia imediata, assim como aquelas que dependam de acto administrativo ou jurisdicional de execução; 3) respeitando à acção para defesa de direitos e à acção popular, a declaração de ilegalidade também existe quando esteja em causa uma norma jurídica imediatamente exequível produzindo, contudo, efeitos apenas no caso concreto à luz do artigo 73º, nº2[7]. VASCO PEREIRA DA SILVA critica a formulação da disposição do artigo podendo esta criar confusão quanto à desaplicação da norma com a declaração de ilegalidade. 

Refira-se, em consequência, nas palavras de VIEIRA DE ANDRADE que existem duas modalidades de impugnação de normas uma vez que parece admissível a formulação de dois tipos de pedidos: 1) pedido de declaração de ilegalidade com força obrigatória geral e 2) pedido de declaração de ilegalidade no caso concreto, criticando-se esta nova modalidade tanto a nível lógico como constitucional.


Bibliografia:
SILVA, Vasco Pereira, O contencioso administrativo no divã da psicanálise - Ensaios sobre as acções no novo processo administrativo; Almedina; 2ºed, 2009, p. 411- 430.
REBELO DE SOUSA, Marcelo e SALGADO MATOS, André, Direito Administrativo Geral – Actividade administrativa, Tomo III, 2ª Ed., D. Quixote, 2009
ANDRADE, José Carlos Vieira, A justiça Administrativa, Almedina, 11º ed, 2011, p. 219


[1] Doravante, CPA.
[2] Seguidamente, CRP.
[3] De ora em diante, CPTA.
[4] Artigo 72º, nº1 do CPTA.
[5] Artigo 73º, nº 1: A declaração de ilegalidade com força obrigatória geral pode ser pedida por quem seja prejudicado pela aplicação da norma ou possa previsivelmente vir a sê-lo em momento próximo, desde que a aplicação da norma tenha sido recusada por qualquer tribunal, em três casos concretos, com fundamento na sua ilegalidade.
[6]  Artigo 73º, nº 3: O Ministério Público, oficiosamente ou a requerimento de qualquer das entidades referidas no n.º 2 do artigo 9.º, com a faculdade de estas se constituírem como assistentes, pode pedir a declaração de ilegalidade com força obrigatória geral, sem necessidade da verificação da recusa de aplicação em três casos concretos a que se refere o n.º 1
[7]  Artigo 73º, nº 2: Sem prejuízo do disposto no número anterior, quando os efeitos de uma norma se produzam imediatamente, sem dependência de um acto administrativo ou jurisdicional de aplicação, o lesado ou qualquer das
entidades referidas no n.º 2 do artigo 9.º pode obter a desaplicação da norma pedindo a declaração da sua legalidade com efeitos circunscritos ao caso concreto.


 Cátia Isabel de Matos
nº 19553

Providências Cautelares e Processos Urgentes


No artigo 268.º/ nº4 da CRP está consagrado o direito fundamental a uma tutela plena e efectiva dos direitos dos particulares.
As providências cautelares e os processos urgentes surgem, desta forma, para garantir uma maior protecção do que aquela que que é conseguida com os processos principais não urgentes, (acção administrativa especial e acção administrativa comum) dando, desta forma, cobrimento às pretensões jurídicas dos particulares. Ambas as categorias processuais em causa são reflexo da progressiva “subjectivização” de que o contencioso administrativo padece, constituindo o denominado “contencioso urgente”. A urgência deste contencioso está clara e verifica-se através do artigo 36.º/ nº2 do CTPA, ao estipular que os processos urgentes correm sem prejuízo das férias judiciais e dispensam vistos prévios.

Assim, a acção administrativa especial e a acção administrativa comum correspondem a meios processuais que actuam apenas na generalidade das situações jurídicas. Perante situações que impliquem uma tramitação acelerada devido ao seu carácter urgente, não seriam estas suficientes para garantir a pretensão do particular devido à morosidade que está inerente aos processos administrativos.
Importa traçar as principais diferenças entre os meios urgentes e meios cautelares:

1). As providências cautelares estão previstas no título V do CPTA (artigos 112.º a 134.º) e tal como o próprio nome indica, são procedimentos que têm como objectivo primário, acautelar uma futura decisão de mérito no âmbito de um processo principal. Desta forma, para evitar que pelo decurso do tempo, seja posto em causa o efeito útil da sentença final no processo principal, são tomadas medidas antecipatórias ou conservatórias que asseguram a viabilidade da mesma.
Existem então dois tipos de providências cautelares: antecipatórias e conservatórias. Segundo o Professor Freitas do Amaral, as providências antecipatórias “ são aquelas que visam obter, antes que o dano aconteça, um bem a que o particular tenha direito”, ou seja, o interessado pretende obter uma prestação administrativa: a adopção de medidas por parte da Administração, que podem envolver ou não a prática de um acto administrativo. Neste tipo de situações a tutela cautelar caracteriza-se na imposição provisória de uma ordem dirigida à Administração no sentido de esta adoptar as medidas necessárias para minorar as consequências do periculum in mora.
 Por outro lado, as conservatórias “são aquelas que se destinam a reter, na posse ou na titularidade do particular, um direito a um bem de que ele já disponha, mas que está ameaçado de perder”, ou seja, o interessado pretende manter ou conservar uma situação em perigo, evitando que ela seja prejudicada por medidas que a Administração venha a tomar.
Assim, as providências cautelares são instrumentais (de acordo com o artigo 113.º/ nº2 do CPTA) e provisórias, não podendo deste modo, ser utilizadas para obter resultados definitivos (para obter decisões de mérito).
Para haver uma providência cautelar é necessário que se verifique a situação de perigo na demora do processo principal, aparência de um bom direito e um processo sumário. Está sempre ligada a uma causa principal (artigos 113º e 114º).

2).Os processos urgentes estão presentes no título IV do CPTA. Não se limitam a decisões meramente provisórias, nestas situações a questão de fundo deve ser imediatamente resolvida. Como refere o Professor Vieira de Andrade “existem determinadas questões que pela sua celeridade e prioridade têm de obter uma resolução definitiva pela via judicial em tempo curto quanto ao seu respectivo mérito da causa”.
O CPTA prevê quatro tipos de situações (sem prejuízo da existência de outras que possam estar previstas em legislação especial) em que admite existir a necessidade de obter, com urgência, uma decisão de fundo sobre o mérito da causa. A cada tipo de situação corresponde um tipo de processo especial. Estes processos têm por objecto: questões de contencioso eleitoral (artigos 97.º a 99.º); contencioso pré-contratual (artigos 100.º a 103.º); pedidos de intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões (artigos 104.º a 108.º) e para protecção de direitos, liberdades e garantias (artigos 109.º a 111.º). O artigo 36.º/nº1 qualifica-as como forma de processo urgentes a fim de se lhes pode aplicar o regime constante nos artigos 36.º/nº2 e 147.º CPTA.
Os dois tipos previstos nos artigos 97.º a 103.º já existiam, nos mesmos moldes, no antigo contencioso administrativo. Quanto às intimações, elas constituem processos urgentes de imposição que, à partida, tanto se podem dirigir à realização de operações materiais por parte da Administração, como à prática de actos administrativos. É o que sucede, nomeadamente, com a intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, que vem concretizar, no âmbito do contencioso administrativo, a garantia consagrada no artigo 20.º/5 CRP. Este meio processual urgente tanto pode ser utilizado para obter da Administração a adopção ou a abstenção de uma conduta ou a realização de uma prestação que não envolva a prática de um acto administrativo. O CPTA transforma, entretanto, a intimação para consulta de documento ou passagem de certidões, num processo principal de âmbito mais alargado. A configuração desta intimação como um processo principal não impede, no entanto, que ela continue a poder ser utilizada, quando necessário, como um meio acessório, apto a obter elementos destinados a instruir pretensões a deduzir pela via administrativa ou pela via contenciosa, suspendendo, nesse caso, os eventuais prazos de impugnação que estejam em curso.
O artigo 36.º/nº1 qualifica-as como forma de processo urgentes a fim de se lhes pode aplicar o regime constante nos artigos 36.º/nº2 e 147.º CPTA.


Bibliografia:
José Carlos Vieira de Andrade - A justiça Administrativa, Almedina, 2005 
Diogo Freitas do Amaral - Caderno de Justiça Administrativa nº 43 '' As providências cautelares no novo contencioso administrativo''.
 Mário Aroso de Almeida - Manual de Processo Administrativo,  Almedina, 2013

O alcance psicanalítico do poder judicial de condenação à prática de acto devido


               Depois de superados os óbices dos primórdios do Contencioso Administrativo, relativos à confusão entre as funções do administrador e do juiz, eis que surge um Contencioso de plena jurisdição[1], pois os tribunais administrativos podem, agora, proferir sentenças de carácter declarativo, constitutivo e condenatório[2].

               Com efeito, e antes da reforma de 2002/2003, operada neste âmbito, estes tribunais apenas dispunham de poderes de anulação de decisões da Administração Pública – no então designado “recurso hierárquico jurisdicionalizado”[3] – o que os aproximava mais da Administração, inviabilizando, portanto, a sua consideração como verdadeiros órgãos jurisdicionais, com implicações eventualmente negativas no tocante à tutela efectiva dos direitos dos particulares que se encontrassem em litígio com entidades da Administração Pública. E isto tanto assim era que a Administração deveria retirar todas as conclusões que fossem adequadas à regulação do caso concreto, daquilo que resultaria da anulação de um determinado acto de indeferimento, já que, pela negativa, se podia aperceber do que poderia ou não fazer quanto a uma actuação vinculada.

                Assim, e para além da importante consagração da chamada tutela jurisdicional efectiva, prevista especificamente no artigo 268.º/4 e 5 da Constituição e no artigo 2.º/1 do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA) – segundo a ideia de que a cada direito corresponde uma acção em face de uma acção ou omissão (indevidas) da Administração Pública – há que referir e enaltecer a evolução verificada no âmbito dos poderes do juiz administrativo em geral, nos termos dos artigos 2.º/2[4] e 3.º/1 do CPTA, e em especial, com base no artigo 71.º, também do CPTA, tendo sempre presente que “o tribunal não se pode intrometer no espaço próprio que corresponde ao exercício de poderes discricionários por parte da Administração”[5].

                Importa compreender que a alteração de paradigma operada também teve subjacente a mudança da própria Administração Pública que, de agressiva passou a prestadora e infra-estrutural – e cujo papel é decisivo na tutela dos direitos dos cidadãos, atendendo, nomeadamente, à actual relevância jurídica das omissões de comportamento legalmente exigido.

                No respeitante à evolução verificada em Portugal quanto à modalidade de condenação da Administração à prática de acto legalmente devido há que referir que, na sequência da revisão Constitucional de 1982, o legislador da reforma do Contencioso Administrativo de 1984/1985, adopta um novo meio processual, a par do recurso de anulação – característico de todo o sistema do Contencioso Administrativo anterior. Ora, este novo modelo foi, de alguma maneira, a base de sustentação do modelo da condenação da Administração à prática de acto devido que hoje conhecemos, sendo a então designada “acção para o reconhecimento de direitos e interesses legalmente protegidos” (art. 69.º LEPTA), pela qual se permitia a condenação da Administração na prática de actos legalmente devidos, nomeadamente, em casos de omissão ilegal. Era, assim, um meio processual que serviria de suplemento aos meios processuais já existentes e que se destinava a garantir a tutela efectiva dos particulares nas relações jurídicas administrativas.
                   Não obstante a importância deste primeiro momento, a verdade é que foi apenas com a revisão constitucional de 1997, que o legislador veio, expressamente, estabelecer a possibilidade de “determinação da prática de atos administrativos legalmente devidos”[6], entendendo esta como uma componente essencial do princípio da tutela jurisdicional plena e efetiva dos direitos dos particulares face à Administração.
                Foi de todo este processo que surgiu a acção de condenação à prática de ato devido, como modalidade de ação administrativa especial, prevista nos artigos 66.º e seguintes do CPTA. Com base no Direito Alemão (“Verplichtungsklage”), tanto se permite a condenação da Administração nos casos de omissão da actuação, como nos casos de emissão de ato de conteúdo negativo/desfavorável ao particular.[7]

                Feito o enquadramento histórico e dogmático da acção de condenação à prática de acto devido cabe agora atender ao alcance psicanalítico do poder judicial relativo a esta mesma acção.
                Assim sendo, há que ter presente que o tribunal, não só pode, como deve defender a ordem jurídica, reintegrando a legalidade que haja sido ofendida por condutas ilegais da Administração, na sequência do pedido de condenação feito perante o incumprimento do dever de deferir por esta mesma Administração.
                Desta forma, e como o reconhece RITA CALÇADA PIRES, o referido pedido de condenação à prática de acto legalmente devido deve ter como base “a exclusão da possibilidade de existência de discricionariedade de acção, i.e., aquela discricionariedade de optar entre agir e não agir, antes se verificando a existência de vinculação quanto à oportunidade da actuação, não podendo a Administração escolher entre praticar o acto ou não praticar, porque a lei afirma a obrigatoriedade dessa prática, caso contrário não estaríamos perante um direito ou interesse legítimo do particular à prática desse acto como forma de concretização do direito ou interesse em questão.”[8]

                Assim, e em termos esquemáticos, podemos dizer que o alcance dos poderes do juiz administrativo, na acção administrativa especial de condenação à prática de acto legalmente devido, pode ser analisado segundo duas vertentes distintas, a saber:

                1) Vertente da vinculatividade da actuação administrativa[9]; e
                2) Vertente da discricionariedade de escolha da actuação da administração[10].

                1) Neste ponto integrar-se-ão as situações em que é a própria lei a determinar o conteúdo do acto devido[11], bem como situações de redução da discricionariedade a zero[12] [13] dois tipos de casos em que o tribunal terá de indicar qual o conteúdo do acto a realizar pela Administração (artigo 71.º/2 do CPTA, a contrario), o que em nada vem bulir com o princípio da separação de poderes pois o legislador já definira e identificara esse conteúdo aquando da emissão do seu acto normativo.
                Ora, nesta situação há que atender ao artigo 71.º/1 do CPTA, do qual se conclui que o tribunal não se poderá limitar a constatar a invalidade da conduta da Administração, aquando da apreciação de um pedido de condenação à prática de acto devido, e remeter pura e simplesmente para a entidade administrativa em questão para que esta decida de sua justiça. E isto mesmo nas situações em que tenha havido um indeferimento liminar ou uma simples omissão administrativa em face de um requerimento que haja sido apresentado à Administração, ou seja, mesmo nas situações em que não tenha existido qualquer tramitação destinada a analisar o pedido apresentado.[14]
                Assim, e mesmo que não tenha existido o referido procedimento administrativo, a actividade do juiz poderá implicar a realização de diligências de prova no sentido de aferir da existência dos pressupostos justificadores da pretensão do particular – o que exige a determinação de limites até aos quais o tribunal poderá ir, de modo a que a substituição da Administração não desrespeite o princípio da separação de poderes. E este é um ponto de extrema importância pois o facto de estarmos perante a substituição judicial de competências vinculadas da Administração poderia levar a crer que os poderes do tribunal na condenação à prática do acto legalmente devido seriam ilimitados, como sucede em Espanha, e como parece resultar dos artigos 3.º/3 e 167.º/6 do CPTA – quando o juiz, entendendo a questão madura para a decisão, e com base no princípio do inquisitório, declarasse a obrigação de a Administração praticar o acto devido.

                Contudo, e não obstante a mais-valia desta solução de “esgotamento” do assunto em litígio para a concretização da tutela jurisdicional efectiva dos direitos dos particulares e do princípio da boa administração – através da procura judicial oficiosa de todos os factos relevantes para a apreciação da pretensão material do requerente – não podemos, a priori, deixar de considerar todos os interesses que estejam em questão, sob pena de se obter um resultado contrário à tutela dos particulares, e à custa de uma invasão injustificada no campo da Administração.

                E isto tanto é assim se considerarmos duas situações em que a devolução para a Administração será a opção mais adequada, sem se ter emitido qualquer sentença substitutiva, a saber:

·                nos casos de remissão para normas técnicas – circunstância também possível aquando do exercício de competências vinculadas –, em que se exige a intervenção de um órgão mais qualificado para proceder à análise de uma dada situação, de modo a reduzir a probabilidade de erro quanto aos pressupostos de facto, sendo, portanto a solução mais adequada, o reenvio do assunto à Administração.[15]
 
·                nos casos de procedimentos com um certo grau de complexidade, em que a substituição da Administração pelo Tribunal poderia levar a um tratamento da matéria em causa de uma forma não satisfatória, já que é a Administração que está mais preparada (ou, pelo menos, deveria ser) para responder ao que é exigido. Além de que, se se massificasse o recurso ao Tribunal para este emitir a correspondente sentença substitutiva, estar-se-ia a reforçar uma saturação da jurisdição administrativa, com uma consequente diminuição da capacidade para assegurar uma igualdade efectiva entre os cidadãos – uns submetidos aos modelos da Administração, e outros aos dos tribunais administrativos – em situações que mereceriam um tratamento e um resultado tendencialmente uniforme.

 
                Em suma, e como afirma ANDRÉ PAIS PROENÇA “trata-se, aqui de uma manifestação do dever de o juiz, no âmbito de uma acção destinada a assegurar a realização do direito do particular à prática de um acto que lhe é legalmente devido, conhecer do fundo da causa e pronunciar-se sobre o direito alegado, obrigando a Administração a praticar o acto requerido se aquele direito efectivamente exigir”[16].

                Mas este poder/ dever tem de ser aplicado de modo a conseguir uma imprescindível coerência entre a medida substitutiva e a sentença executória. Trata-se, afinal, e como o afirma RITA CALÇADA PIRES, “de aplicar o princípio da legalidade ao juiz, exigindo que, no uso do poder de substituição, deverá atender à necessidade da medida, à sua razoabilidade e à proporcionalidade, surgindo estas exigências como limite funcional ao poder de substituição”[17].


                2) Há aqui que contar, desde logo, com os limites estabelecidos no artigo 3.º do CPTA, pois o princípio da separação de poderes exige um espaço de intervenção menor do juiz, em relação ao que é conferido à Administração, neste âmbito, o que não poderá ser entendido em termos absolutos, pois terá de se garantir o controlo judicial necessário – o que reveste uma elevada importância quando estivermos perante a emissão de um acto administrativo favorável. Com efeito, há que considerar que “discricionariedade e controlo judicial não são realidades opostas. O controlo judicial não se opõe ao reconhecimento ou ao exercício de faculdades discricionárias pela Administração; unicamente garante o seu exercício dentro dos limites impostos pelo ordenamento jurídico”[18].

                Com efeito, e ao contrário do que se referiu no ponto 1), quando estiver em causa o exercício de um poder discricionário por parte da Administração, é manifestamente evidente que o Tribunal não poderá exercer livremente os seus poderes instrutórios, dada a necessidade de considerar e respeitar os elementos que hajam contribuído para a formação da vontade administrativa. Por outro lado, mais do que a extensão dos poderes instrutórios do juiz, o que agora terá de se considerar é o âmbito dos poderes de pronúncia do juiz administrativo, ou seja, os casos em que há a condenação da Administração à prática de um acto devido, apesar de existir, em abstracto, um poder discricionário, sem se desconsiderar os limites que o tribunal terá de respeitar quando se pronunciar sobre a pretensão material do requerente.

                Assim sendo, cabe agora atender ao disposto no artigo 71.º/2 do CPTA, segundo 2 planos de análise, a saber:

                1.º o da interpretação do que sejam “valorações próprias do exercício da actividade administrativa”, que levará o tribunal a “explicitar as vinculações a observar pela Administração na emissão do acto devido”;


                2.º o da constatação de que “a apreciação do caso concreto não permita identificar apenas uma solução como legalmente possível”, conduzindo o tribunal a “explicitar as vinculações a observar pela Administração na emissão do acto devido”;

                Quanto ao 1.º plano, há que referir que “tal conceito [indeterminado] é reconduzível a um espaço de livre criação de efeitos jurídicos[19], o que significa a sua recondução à figura da margem de livre decisão administrativa – que integra a discricionariedade e o preenchimento valorativo de conceitos indeterminados que enunciem, normativamente, pressupostos do acto administrativo.

                Com efeito, a subsunção de factos em conceitos jurídicos indeterminados nem sempre constitui um acto de conhecimento da realidade, pelo que pode ser necessário fazer um juízo valorativo, de prognose e segundo parâmetros extra-jurídicos. “Sempre que tal suceder, estamos perante um conceito indeterminado que implica a formulação de valorações próprias da função administrativa e que, portanto, integra a reserva da Administração”[20].

                Assim, há que considerar, como o fazem ANTÓNIO CADILHA[21] e COLAÇO ANTUNES[22], que está aqui em causa é a fixação de um critério vinculativo geral relativamente aos tribunais, no que respeita à definição dos limites funcionais da jurisdição administrativa, como resultado de uma reserva parcial da Administração em face do poder judicial – daí também o reforço desta ideia nos artigos 95.º/3, 168.º/2 e 179.º/1 do CPTA.

                Em suma: a consideração do critério que nos é dado pela expressão “formulação de valorações próprias da actividade administrativa” – o de saber se o preenchimento do conceito indeterminado pressupõe um juízo valorativo de prognose e extra-jurídico –, para saber quais as situações em que a indeterminação conceptual exige o reconhecimento de uma margem de livre decisão por parte da Administração justifica que o Tribunal defina os limites funcionais da sua esfera de intervenção, com base na aplicação deste critério. Mais se refere que o preenchimento de tal critério legal exige, por parte do Tribunal, a interpretação da norma resultante do poder administrativo, bem como a consideração de todos os factores normativos em que esta se integra – como os factos nacionais que a inspiram, a origem histórica e relação com leis anteriores e com todo o sistema – de modo a conseguir perceber se a opção legislativa foi no sentido de atribuir poder de decisão ao nível da execução administrativa da lei.

 

                Quanto ao 2.º plano, há que considerar que, quando estiver em causa o exercício de poderes discricionários, o conteúdo da sentença que condene a Administração à prática do acto devido, terá de ser concretizado através da identificação das ilegalidades em que incorreu o acto de conteúdo negativo[23].

                Assim, o Tribunal apenas poderá estabelecer as modalidades de actuação que a Administração não deverá praticar – o que exige um cuidado redobrado, pois se tal poder do juiz for mal utilizado, a reserva parcial administrativa poderá ser posta em causa.

                Desta forma, e depois de se concluir pela existência de margem de livre decisão, os poderes judiciais de condenação à prática do acto devido deverão ter em conta uma importante distinção[24] entre:

ü  a zona de juridicidade dessa margem, que corresponde a todos os imperativos decorrentes da norma de competência, dos princípios gerais, dos direitos fundamentais e de outras normas que sejam aplicáveis no caso concreto;

 

ü  e a área respeitante à escolha administrativa auto-determinada segundo critérios de valoração e de decisão meta-jurídica, que é uma função da Administração no âmbito da prossecução do interesse público.

 

                Assim, é importante notar que o juiz administrativo nunca se poderá esquecer de considerar e aplicar os testes aferidores da juridicidade previstos no artigo 266.º/2 da Constituição da República Portuguesa, que excluem os resultados que contrariem os valores jurídicos aí consagrados, ao impedir uma intromissão administrativa desigualitária, desproporcional e injusta. São, no fundo, limites negativos de correcção jurídica na valoração e correcção, dos quais decorre um efeito preclusivo sobre o exercício posterior do poder da Administração, de modo a que esta não volte a cometer os mesmos erros.

                Para compreender a forma como os tribunais devem actuar na verificação do exercício da margem de livre decisão através da definição de tais limites é preciso atender ao princípio da proporcionalidade, considerando, nomeadamente, a necessidade de separar os elementos jurídicos das valorações extra-jurídicas aquando da fixação do conteúdo da decisão; além de ser adequado fazer um controlo circunscrito à verificação negativa de modo a concluir que esta é, pelo menos, parcialmente desproporcional, devendo, portanto, ser repetida, quando tal défice for manifesto, deixando em aberto o modo de preenchimento dos espaços de livre valoração da norma.

                Desta forma se garantirá o respeito do juiz administrativo pelas competências da Administração “evitando que na conformação da esfera jurídica dos particulares este assuma uma responsabilidade que cabe, em última instância, à Administração, de proceder a juízos valorativos à luz de parâmetros escolhidos em áreas de configuração meta-jurídica de tarefas públicas”[25].


                Resta, enfim, perguntar se o poder judicial de condenação à prática de acto devido tem já a força necessária para lhe conferir o estatuto de instrumento autónomo de protecção efectiva dos particulares.
                As alterações operadas no âmbito dos poderes do juiz administrativo foram determinantes na afirmação de um novo paradigma de Contencioso Administrativo – visto já não só como de mera legalidade, mas também como uma realidade respeitadora da inevitável e necessária divisão entre a função administrativa e judicial – sendo isto tanto mais importante se considerarmos o facto de que julgar a Administração não pode ser ainda administrar, mas sim, e apenas, julgar e condenar.
                Assim, e depois de analisado o artigo 71.º/1 do CPTA há que concluir pela sua aplicação quando estivermos perante o incumprimento do exercício de poderes vinculados da Administração, sendo de destacar que as sentenças substitutivas de actos administrativos – artigos 3.º/3 e 167.º/6 do CPTA – não poderão ser aceites sem mais, dada a possibilidade de existirem situações em que terá de se admitir a devolução do assunto à Administração, para que esta possa desenvolver o procedimento devido, proferindo o acto legalmente devido. Assim, os dois referidos preceitos não poderão corresponder a uma habilitação geral, absoluta ou ilimitada para a emissão judicial de sentenças substitutivas de actos administrativos, sob pena de intromissão arbitrária do poder judicial no exercício de actividades reservadas ao poder administrativo – tudo isto se devendo articular com um desejado reequilíbrio destes dois poderes, pois ao substituir a Administração na reposição da legalidade, o Tribunal não retirará a legitimidade constitucional que é atribuída àquela, apenas permitindo concluir pela inexistência de uma actividade administrativa, considerada tradicionalmente como infungível.

                Mais se acrescenta que a possibilidade de permitir que a Administração volte a tratar do procedimento em relação ao qual haja sido feito ao Tribunal um pedido de condenação à prática do acto devido, não corresponde a qualquer subalternização do princípio da tutela jurisdicional efectiva que assiste aos particulares, pois tal solução pode, em virtude das circunstâncias do caso concreto, ser, até, a mais adequada para tutelar os direitos destes.[26]

                Quanto ao artigo 71.º/2 do CPTA, vale a pena referir que “a regra é, pois, a de que, na tarefa de explicitação das vinculações a observar (artigo 71.º/2 do CPTA), os tribunais não podem deduzir destes princípios [os do artigo 266.º/2 da Constituição] uma injunção quanto ao sentido alternativo da decisão ou valoração, mas apenas condenar a Administração a repetir o acto administrativo e a reproduzir o iter cognoscitivo e valorativo de formação, identificando os limites inultrapassáveis que decorrem de tais parâmetros de sindicabilidade”[27].

                Desta forma, e porque se trata, afinal, de duas faces da mesma realidade, há que constatar que, quer os actos resultantes de uma actividade vinculada, quer os que decorrem de uma discricionariedade de escolha apresentam aspectos comum entre si. Entre tais aspectos há que referir a censura que é feita à Administração – através da respectiva condenação à prática do acto devido – e, também, o facto de o juiz administrativo ter de apreciar o caso, materialmente.

                Ora, este poder que é conferido ao Tribunal Administrativo de apreciar toda a relação jurídico-administrativa, considerando aquelas duas faces – a da vinculação e respectiva determinação do acto devido, e a da discricionariedade, e respectiva orientação quanto às vinculações a serem observadas pela Administração –, sem se substituir às escolhas que apenas poderão ser tomadas no seio da função administrativa, está hoje consolidado no nosso Estado de Direito Democrático, como um poder necessário para assegurar a tutela dos direitos dos particulares, consolidado que está (e deve estar!) o Princípio da Separação de Poderes.

                Com efeito, os tribunais administrativos, como órgãos jurisdicionais que são, têm como imperiosa missão constitucional a defesa da legalidade e do interesse de todos e de cada um – segundo o artigo 202.º da Constituição – sendo também independentes – atendendo ao artigo 203.º da Lei Fundamental – pelo que dispõem de todos os instrumentos para proferir sentenças capazes de assegurar a referida missão – e que constitui, de resto, a forma de provar o alcance da reforma do Contencioso Administrativo.

                Assim, e quanto a saber se o poder judicial de condenação à prática de acto devido tem já a força necessária para lhe conferir o estatuto de instrumento capaz de garantir uma protecção efectiva dos particulares, há que dizer que tal circunstância dependerá sempre do bom senso e da prudência jurídica com que a jurisprudência encare cada novo caso trazido a juízo, o que implicará que o juiz, para além de condenar a Administração à prática do acto legalmente devido, deverá conformar o comportamento administrativo devido numa das situações do artigo 71.º do CPTA – cujo alcance psicanalítico terá de ir mais além do que a simples devolução do assunto à Administração, mas sem que tal signifique a desconsideração do seu campo de intervenção, também ele localizado na área protegida dos direitos e interesses dos particulares.

 

Bibliografia consultada:

 

ALMEIDA, Mário Aroso de, «O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos», 3.ª edição, Almedina, Coimbra, 2004; «Manual de Processo Administrativo», reimpressão, Almedina, Coimbra, 2010

ALMEIDA, Mário Aroso de/ CADILHA, Carlos, «Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos», 3.ª edição, Almedina, Coimbra, 2010

AMORIM, João Pacheco de, “O debate universitário: trabalhos preparatórios”, in «Reforma do Contencioso Administrativo», vol. I, Coimbra Editora, Coimbra, 2003

ANDRADE, Vieira de, «A Justiça Administrativa (Lições)», 12.ª edição, Almedina, Coimbra, 2012

CADILHA, António, “Os poderes de pronúncia jurisdicionais na acção de condenação à prática de acto devido e os limites funcionais da justiça administrativa”, in «Estudos em homenagem ao Professor Doutor Sérvulo Correia», Coimbra, 2010, vol. II, pp. 161-224

CADILHA, Carlos, «Dicionário de Contencioso Administrativo», Almedina, 2006

COLAÇO, Luís Antunes, “A Acção de Condenação e o Direito ao Acto”, in Colóquio Luso-Espanhol «O Acto Administrativo – Tradição e Reforma», Almedina, Coimbra, 2005

CORREIA, Sérvulo, “O incumprimento do dever de decidir” in «Estudos jurídicos e económicos em homenagem ao Professor Doutor António de Sousa Franco» - Lisboa, 2006, pp. 217-254. - Vol. 2

LORA, Alejandro Huergo, «Las pretensiones de condenea en el Contencioso Administrativo», Aranzadi, Navarra, 2000

MEALHA, Esperança, “A condenação à prática de acto devido na jurisprudência”, in «Revista do Ministério Público, n.º 117 (2009)

PIRES, Rita Calçada, «O Pedido de Condenação à Prática de Acto Administrativo Legalmente Devido – desafiar a modernização administrativa?, Coimbra, Almedina, 2004
       Portocarrero, Maria Francisca, “Reflexões sobre os poderes da pronúncia do tribunal num novo meio contencioso - a acção para a determinação da prática de acto administrativo legalmente devido – na sua configuração no art. 71º do CPTA”, in Separata de ARS IVDICANDI – estudos em homenagem ao Prof. Dr. António Castanheira Neves, volume III, 2008.
       PUENTE, Marcos Gómez, «La inactividad de la administración», 2.ª edição, Aranzadi, Navarra, 2000
       PROENÇA, André Rosa Lã País – «As duas faces da condenação à prática do acto devido». Lisboa, 2005. Tese apresentada à Faculdade de Direito de Lisboa. Págs. 68 a 97
SILVA, Vasco Pereira da, «O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise – Ensaio sobre as Acções no Novo Processo Administrativo», 2.ª edição, Almedina, Coimbra, 2009

 
Mara Afonso, n.º 20684, subturma 1

 



[1]  VASCO PEREIRA DA SILVA, «O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise», p. 241
[2] Neste sentido MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS CADILHA, em anotação ao artigo 3.º do CPTA, «Comentário ao Código de Processo dos Tribunais Administrativos», p. 35
[3]  VASCO PEREIRA DA SILVA, Idem, p. 242
[4] Neste preceito é feita uma enumeração meramente exemplificativa dos poderes de pronúncia do juiz, integrando as sentenças de simples apreciação, as constitutivas e as condenatórias.
[5]  MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, «Manual de Processo Administrativo», p. 95
[6]  VASCO PEREIRA DA SILVA, idem, p. 381
[7] Para um aprofundamento do conteúdo do incumprimento do dever de decidir e sua relação com o procedimento administrativo ver SÉRVULO CORREIA, “O incumprimento do dever de decidir” in «Estudos jurídicos e económicos em homenagem ao Professor Doutor António de Sousa Franco», devendo considerar-se o papel do procedimento administrativo, como algo realmente essencial no que respeita à acção de condenação da prática de acto devido, por nele constarem todos os factos juridicamente relevantes para a decisão da causa, deixando às partes o papel de, em juízo, os enquadrarem, sem necessidade de juntar elementos fácticos novos.
[8] RITA CALÇADA PIRES, “O Pedido de Condenação à Prática de Acto Administrativo Legalmente Devido”, p. 94
[9] Este tipo de situação surge no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 17/01/2008, Proc. N.º 1376/06, referido por ESPERANÇA MEALHA, em “A condenação à prática de acto devido na jurisprudência”, in «Revista do Ministério Público n.º 117, pp. 191-192
[10]  Esta situação surge no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 3/11/2005, Proc. N.º 239/05, e no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 26/10/2006, Proc. N.º 1844/06 referidos por ESPERANÇA MEALHA, idem, pp. 187-190
[11] PACHECO DE AMORIM, em “O debate universitário”, p. 382, refere como exemplos de actos de conteúdo vinculado, “os de verificação necessária, como as autorizações recognitivas ou declarativas, como é o caso da maioria dos licenciamentos industriais e comerciais, e de uma boa parte dos licenciamentos urbanísticos, e ainda os actos ditos de verificação constitutiva, tais como as inscrições em ordens profissionais e em escolas públicas, as inscrições em listas eleitorais […], as subvenções, em matéria de segurança social”.
[12] Tal circunstância decorrerá do facto de, e em face de um caso concreto, se concluir pela existência de apenas uma opção a tomar pela Administração, não obstante a lei lhe ter conferido, ab initio, poderes discricionários relativamente ao conteúdo favorável do acto devido, e se a escolha já tiver sido realizada.
[13]  Esta situação surge no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 29/11/2007, Proc. N.º 2977/07, referido por ESPERANÇA MEALHA, idem, pp. 190-191
[14] A sentença do Tribunal Administrativo Federal Alemão de 13 de Abril de 1961 vem demonstrar o elevado nível de exigência da jurisprudência alemã quanto a este dever do tribunal, afirmando-se que, “condenar a Administração a que resolva sobre o requerimento de um particular é apenas um imperfeito sucedâneo de uma decisão sobre o fundo e, de acordo com os princípios do Estado de Direito, só é aceitável quando não se dêem as condições para esta última: quando o assunto não reúna as condições necessárias para que se dite uma sentença ou não se possa levar a essa situação”, in HUERGO LORA, «Las pretensiones de condenea en el Contencioso Administrativo», p. 291, onde também se refere a possibilidade de anulação de decisões de tribunais de primeira instância que não tenham procedido à apreciação do fundo da causa, antes se limitando a devolver o assunto à Administração, para que esta realizasse as diligências de prova requeridas para o proferimento de uma decisão sobre o fundo da causa.
[15] E é neste sentido que se pronuncia COLAÇO ANTUNES, em “A Acção de Condenação e o Direito ao Acto”, p. 220, referindo que “em presença de actos vinculados, sempre que se preveja a obrigatoriedade de um procedimento administrativo como pressuposto de legitimidade do acto, o processo e o seu juiz não poderão substituir o procedimento administrativo e, consequentemente, não poderá ser pronunciado um Vornahmeurteil”.
[16] ANDRÉ PAIS PROENÇA, “As duas faces da condenação à prática de acto devido”, p. 75
[17] RITA CALÇADA PIRES, idem, p. 108
[18]  MARCOS GÓMEZ PUENTE, « La inactividad de la administración», p. 149
[19]  ANTÓNIO CADILHA, “Os poderes de pronúncia jurisdicionais na acção de condenação à prática de acto devido e os limites funcionais da justiça administrativa”, p. 186
[20] ANTÓNIO CADILHA, idem, p. 188
[21] Ibidem
[22] COLAÇO ANTUNES, idem, p. 228
[23] MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, em ”Manual de Processo Administrativo”, p. 101, sintetiza esta mesma ideia, referindo que “se trata de traduzir para positivo as vinculações que, pela negativa, eram deduzidas das tradicionais sentenças de anulação de actos negativos”.
[24] Esta distinção entre zona sindicável e não sindicável deve ser sempre considerada aquando da explicitação das vinculações que a Administração deverá respeitar na emissão do acto devido.
[25] ANTÓNIO CADILHA, idem, p. 222
[26]  O que, obviamente, não impede o tribunal de impor, de forma mais intensa, a devida execução pela Administração de uma sentença meramente indicativa, atendendo aos artigos 44.º, 49.º e 169.º do CPTA, ou que, a decisão que venha a ser proferida pela Administração volte a ser novamente contestada judicialmente – tudo isto tendo subjacente a inevitável ponderação que o juiz administrativo terá de fazer entre os interesses envolvidos de modo a concluir pela maior adequação da emissão de uma sentença meramente indicativa, de tal modo que seja impossível ou, pelo menos, de grande inconveniência, uma pronúncia condenatória nos termos dos artigos 66.º e 77.º/1 do CPTA.
[27] ANTÓNIO CADILHA, idem, p. 221