segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Providências cautelares, i) critérios de decisão; ii) categorização


O Código de Processo nos Tribunais Administrativos (a partir de agora CPTA), regulou os seus meios processuais, e na sua enunciação autonomizou os processos cautelares, (previsto no artigo 112.º e seguintes, bem como a sua previsão no artigo 36º/1/e) dos processos urgentes.[i]
Nas palavras de Isabel Fonseca o CPTA acolhe  uma categoria processual para realizar a protecção jurisdicional das pretensões-jurídicas-substantivas-de-urgência.[ii] Como a autora aponta as providências cautelares têm tramitação urgente, mas não se confundem.
Anteriormente as providências cautelares estavam reduzidas à aplicação nos casos de suspensão da eficácia do acto e tinham carácter apenas conservatório, tendo sido matéria sujeita a várias alterações.
A Constituição portuguesa, desde a revisão constitucional de 1997, passou a referir expressamente a protecção cautelar adequada como uma dimensão do princípio da tutela judicial efectiva dos direitos dos administrados.[iii]
A providência cautelar tem como objectivo assegurar a utilidade do processo principal. Tendo por isso como principais características: a instrumentalidade - as providências não têm um papel autónomo em relação ao processo principal, dependem de um processo principal, anterior ou não à sua proposição, só tendo legitimidade quem puder intentar o processo principal (arts. 112º, 113º e 114º CPTA), a provisoriedade - a providência vigora até à conclusão do processo principal, podendo ser modificada, substituída ou revogada na pendência da acção (art. 124º nº1 do CPTA) ,e a sumariedade recorre-se a este instituto para tutelar em tempo útil as situações que possam comprometer a acção principal, com base num juízo sumário sobre os factos a considerar (art. 114º/3/g) do CPTA)

ii) Critérios de decisão

Os critérios de decisão encontram-se estipulados no artigo 120º do CPTA:
1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, as providências cautelares são adoptadas:
a) Quando seja evidente a procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal, designadamente por estar em causa a impugnação de acto manifestamente ilegal, de acto de aplicação de norma já anteriormente anulada ou de acto idêntico a outro já anteriormente anulado ou declarado nulo ou inexistente;
b) Quando, estando em causa a adopção de uma providência conservatória, haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular nesse processo ou a existência de circunstâncias que obstem ao seu conhecimento de mérito;
c) Quando, estando em causa a adopção de uma providência antecipatória, haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente pretende ver reconhecidos no processo principal e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente.
2 - Nas situações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior, a adopção da providência ou das providências será recusada quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados, em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adopção de outras providências.
3 - As providências cautelares a adoptar devem limitar-se ao necessário para evitar a lesão dos interesses defendidos pelo requerente, podendo o tribunal, ouvidas as partes, adoptar outra ou outras providências, em cumulação ou em substituição daquela ou daquelas que tenham sido concretamente requeridas, quando tal se revele adequado a evitar a lesão desses interesses e seja menos gravoso para os demais interesses, públicos ou privados, em presença.
4 - Se os potenciais prejuízos para os interesses, públicos ou privados, em conflito com os do requerente forem integralmente reparáveis mediante indemnização pecuniária, o tribunal pode, para efeitos do disposto no número anterior, impor ao requerente a prestação de garantia por uma das formas previstas na lei tributária.
5 - Na falta de contestação da autoridade requerida ou da alegação de que a adopção das providências cautelares pedidas prejudica o interesse público, o tribunal julga verificada a inexistência de tal lesão, salvo quando esta seja manifesta ou ostensiva.
6 - Quando no processo principal esteja apenas em causa o pagamento da quantia certa, sem natureza sancionatória, as providências cautelares são adoptadas, independentemente da verificação dos requisitos previstos no n.º 1, se tiver sido prestada garantia por uma das formas previstas na lei tributária.

1.  Periculum in mora
Este pressuposto (perigo na demora) visa assegurar a utilidade da sentença. Para que se preencha é necessário haver um perigo – receio de facto consumado ou de difícil reparação de dano - que possa frustrar uma pronúncia da administração. O artigo 120º/1/b) e c) assim o prevê.
Como dispõe o Professor Vieira de Andrade[iv], o juiz tem de fazer um juízo de prognose, “colocando-se na situação futura de uma hipotética sentença de provimento, para concluir se há, ou não, razoes para recear que tal sentença venha a ser inútil (…)”.
Para averiguar o perigo, é necessário uma avaliação objectiva: atende-se às consequências do perigo para a acção e não aos direitos, liberdades e garantias em causa. Isto assim se justifica pela ratio das providências cautelares, que como acima já foi dito visa garantir a utilidade da sentença e não uma produção de decisão efectiva.
Para Isabel Fonseca, o juízo de prognose “terá de ser um juízo próximo da certeza” na linha das providências cautelares do direito civil. No mesmo seguimento de Viera de Andrade, parecesse excessiva esta intensidade de prognose, até mesmo porque o artigo 120º/1/b) e c) requerem apenas um fundado receio. A indispensabilidade de uma quase certeza pode por em causa o próprio fim das providências cautelares, sendo incompatível com a espera até achar essa certeza.

2.  Fumus boni iuris (aparência de direito)
“O juiz tem agora o poder e o dever de, ainda que em termos sumários, avaliar a probabilidade de procedência da acção principal, isto é, em regra, de avaliar a existência do direito invocado pelo particular ou da ilegalidade que ele diz existir, ainda que esteja em causa um «verdadeiro» acto administrativo.”[v]
A aparência de direito dá assim ao juiz a possibilidade de adoptar providências cautelares quando há uma viabilidade de a acção principal proceder. A opção do legislador é clara quando estabelece que é indício da procedência da acção principal designadamente por estar em causa a impugnação de acto manifestamente ilegal, de acto de aplicação de norma já anteriormente anulada ou de acto idêntico a outro já anteriormente anulado ou declarado nulo ou inexistente (artigo 102º/1/a). Nesta situação o juiz pode decretar uma providencia cautelar sem o pressusposto de perigo.

3. Proporcionalidade
O Juiz tem de atender à proporcionalidade para conceder ou não a providência cautelar. Este juízo de proporcionalidade deve aferir-se no caso concreto. Note-se que “o juiz deve recusar a concessão da providência cautelar, quando o prejuízo resultante para o requerido se mostre superior ao prejuízo que se pretende evitar com a providência.”[vi] Mais uma vez o juiz tem de recorrer a um juízo de prognose, para saber quais as consequências de decretar a providência e as consequências se recusar a mesma, tendo em conta os dados concretos do caso.
À luz do artigo 120º/2 CPTA retira-se precisamente esta ideia de dever de recusa no caso de a providência trazer mais malefícios do que a sua recusa. No entanto estabelece que não deve ser recusada a concessão de uma outra providência (em susbstituição) quando esta seja , ainda que adequada, menos gravosa do que a requerida. Outra solução prevista é a adopção de contra-providências – nomeadamente artigo 102º/4 CPTA.
Conclui-se por isso, que para uma providência cautelar possa ser concedida deverão estar preenchidos cumulativamente os requisitos da aparência do bom direito, da existência de perigo na demora e ponderação de interesses. O não preenchimento de um deles implica o indeferimento da providência cautelar.
Estes requisitos são porem alvo de discussão tanto na sua dimensão como intensidade, como se pode notar no seguinte excerto de uma notícia: O presidente do STA questiona também a centralidade dada à prova de que determinada decisão administrativa poderá lesar direitos particulares (o "fumus boni iuris" ou aparência do bom direito). A importância dada a este critério para aceitação da providência está a fazer com que o processo seja acompanhado de muitos documentos de prova. Este é o único aspecto que Vasco Pereira da Silva, professor universitário, considera criticável na lei. Mas mesmo esse "é ultrapassável". Basta que o juiz aprecie aquilo que entende ser necessário "e deite o resto para o lixo". Para Pereira da Silva, a guerra que ultimamente tem sido feita às providências cautelares "é absurda".[vii]

ii) Categorização
O artigo 112º/2 manda atender às providências cautelares do direito processual civil e aplicá-las com as devidas adptações. Nas alienas a) a f) designa, numa enumeração exemplificativa as providências cautelares do processo administrativo. Esta não taxatividade, leva a concluir, assim como na esteira de João Tiago A. da Silveira, que há que reconhecer providências cautelares inominadas, cabendo ao juiz decretar medidas que vão ao encontro da necessidade dos requerentes. É indispensável que assim seja, a pois a “protecção jurisdicional não poderá ser lacunosa, uma vez que isso acarretaria, com fundamento em razões puramente formais, a situação insustentável de o particular não poder fazer valer a sua pretensão com garantias de retirar da decisão um efeito útil.”[viii]
A providência sendo conservatória ou antecipatória faz diferença no preenchimento do requisito do fumus boni iuris. O decretamento da providência na opinião de Tiago Meireles de Amorim, será “mais facilmente concedida” se for qualificada como conservatória, também pelo sua histórica existência.

1. Conservatórias
A providência é conservatória quando o Interessado pretenda manter ou conservar um “ direito”, ou seja, aqui o que se almeja é manter o statu quo, procurando que ele se não altere.[ix] As providências conservatórios visam manter ou preservar a situação de facto existente.
Nas providências conservatórias, para além dos critérios de decisão acima referidos, a providência será concedida quando não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão a formular ou a existência de circunstâncias que obstem ao seu conhecimento, artigo 120º/1/b) CPTA. Logo terá de ser um juízo negativo, uma não-improbabilidade da procedência da acção, na terminologia do Prof. Vieira de Andrade.
São menos intrusivas que as antecipatórias, na medida que pertendem manter a situação de facto como ela se encontra, não havendo nenhuma inovação.

2. Antecipatórias
A providência é antecipatória quando o interessado vise alterar o statu quo, mediante a antecipação de uma situação que não existia anteriormente.[x] As providências cautelares antecipatórias têm por isso como finalidade antecipar, a título provisório, a constituição de uma situação jurídica nova, diferente da existente à partida, a situação que se pretende obter, a título definitivo, com a sentença a proferir no processo principal.
Nas providências antecipatórias será preciso que seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha ser julgada procedente.
O critério é mais exigente quando esteja em causa a adopção de uma providência antecipatória do que um providência conservatórias, tal como indicia Tiago Meireles de Amorim nos seus Apontamentos.
Deste modo, sempre que se verifique os danos a suportar sejam superiores casos a providência seja concedida do que daqueles que resultaria caso não fosse concedida, a providência deverá ser recusada com base na ponderação de interesses.

3. Regimes particulares
O legislador nos artigos 128º e seguintes do CPTA estabeleceu providências cautelares com especialidade de regimes: os artigos 128º e 129º do CPTA dispõem sobre a proibição de executar o acto administrativo e a suspensão da eficácia do acto já executado; o artigo 130º do CPTA admite a suspensão da eficácia de regulamentos, considerados em sentido amplo. Podendo ser feito um pedido de suspensão de norma circunscrito ao caso concreto ou com alcance geral; o artigo 132º do CPTA permite a adopção de providências cautelares quando estejam em causa contratos ou os procedimentos que os antecedem; o artigo 133.º do CPTA prevê a entrega provisória de quantias pecuniárias, de forma a evitar carências que resultariam da falta de pagamento das mesmas e discute-se se o artigo art. 134º do CPTA que visa a produção antecipada de prova, é providência cautelar ou não.

Expressas as características e critérios de decisão, importa por último diferenciar as providências dos processos urgentes.
As providências cautelares estão previstas num título autónomo do CPTA mas integra a tramitação de processo urgente, segundo o disposto do artigo 36º/1/e.
Pode assim considerar-se que há os processos urgentes stricto sensu e as providências cautelares. A inserção das providências cautelares no artigo 36º/1 do CPTA, tem como razão a aplicação do número 2 do mesmo artigo a ambos. Têm em comum seu caracter literalmente urgente, a necessidade de celeridade de uma decisão judicial
A grande diferença fundamental é que enquanto nos processos urgentes há uma decisão definitiva, as providências cautelares produzem apenas uma resposta provisória, dependendo de decisão posterior da acçao principal.

Analisando os regimes, os dois processos urgentes dividem-se em intimações e em impugnações. O artigo 100º/1 do CPTA seleciona 3 contratos que podem ser impugnado sem mais nenhum pressuposto e no arito 109º CPTA, exige epnas que a emissão de decisão célere seja indispensável para o exercício em tempo útil do direito, liberdade ou garantia.
O legislador tendo em conta os bens jurídicos a tutelar, quer pelas suas características quer pela sua importância atribui regimes diferentes, uns mais fáceis de satisfazer do que outros. Nos processos urgentes são tutelados pelo poder jurisdicional de forma mais célere e definitiva e nos processos cautelares tal como o próprio nome indica, são procedimentos que têm como objectivo primário, acautelar uma futura decisão de mérito no âmbito de um processo principal. Não podendo deste modo, ser utilizadas para obter resultados definitivos/decisões de mérito.


Bibliografia:
- Fonseca, Isabel. Os Processo Cautelares na Justiça Administrativa - Uma Parte da Categoria da Tutela Jurisdicional de Urgência in Temas e Problemas de Processo Administrativo, 2.ª Edição Revista e actualizada, Intervenções dos Cursos de Pós-graduação sobre o Processo Administrativo
- Andrade, José Carlos Vieira de. A justiça Administrativa 2011, Almedina.
- Silva, Vasco Pereira, O contencioso administrativo no divã da psicanálise - Ensaios sobre as acções no novo processo administrativo; Almedina; 2ºed, 2009
- Amorim, Tiago Meireles de - Apontamentos sobre as condições de procedência das providências cautelares no novo processo administrativo.
- Azevedo, Tiago Joao Lopes Gonçalves de. Procedimento cautelar- Comentário ao cordão do Tribnal da Relação de Évora de 22-03-2007, Fevereiro de 2009 in http://www.verbojuridico.com/doutrina/2009/tiagoazevedo_procedimentocautelar.pdf





[i] Silva, Vasco Pereira, O contencioso administrativo no divã da psicanálise - Ensaios sobre as acções no novo processo administrativo; Almedina; 2ºed, 2009. P.243
[ii] Fonseca, Isabel. Os Processo Cautelares na Justiça Administrativa - Uma Parte da Categoria da
Tutela Jurisdicional de Urgência in Temas e Problemas de Processo Administrativo, 2.ª Edição Revista e Actualizada, Intervenções dos Cursos de Pós-graduação sobre o Processo Administrativo (http://www.icjp.pt/sites/default/files/media/ebook_processoadministrativoii_isbn_actualizado_jan2012.pdf)
[iii] Andrade, José Carlos Vieira de. A justiça Administrativa 2011, Almedina. P. 300
[iv] Andrade, José Carlos Vieira de. A justiça Administrativa 2011, Almedina. P. 305
[v] Andrade, José Carlos Vieira de. A justiça Administrativa 2011, Almedina. P. 306 e 307
[vi] Andrade, José Carlos Vieira de. A justiça Administrativa 2011, Almedina. P. 310
[vii] Vasconcelos, Clara. Decisões políticas sob controlo Publicado em 2007-07-16 in JN, http://www.jn.pt/PaginaInicial/Interior.aspx?content_id=700507&page=-1
[viii] Silveira, João Tiago V. A. Da. O principio da tutela jurisdicional efectiva e as tendências cautelares não especificadas no contencioso administrativo in http://www.mlgts.pt/xms/files/Publicacoes/Artigos/2012/O_principio_da_Tutela_Jurisdicional_Efectiva.pdf P.19
[ix] Acórdãos STA Processo: 01011/04 de 24-11-2004, Relator:SANTOS BOTELHO
[x] Acórdãos STA Processo: 01011/04 de 24-11-2004, Relator:SANTOS BOTELHO

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