- Terceiros, ou verdadeiras partes no processo
Proponho-me a determinar que posições
jurídicas de terceiros merecem tutela jurisdicional, ou seja, em que medida é
que terceiros, titulares de direitos subjectivos, podem aceder aos tribunais
administrativos. Pretendo, primeiramente, abordar o conceito de “terceiro”,
considerada das noções mais complexas em Direito Administrativo, debruçando-me,
depois, sobre o papel dos contra-interessados, que possuem interesses opostos
ao autor da acção e que representam um traço original do contencioso
administrativo.
Em primeiro
lugar, cabe determinar a natureza jurídica de terceiros, nomeadamente se estes
são detentores de um direito subjectivo próprio ou de um interesse legítimo.
Freitas do Amaral considera que, no caso de existir um direito subjectivo,
existe uma protecção directa e imediata, e o particular pode exigir da
Administração um comportamento que satisfaça esse seu interesse; por outro
lado, no interesse legítimo, essa protecção é de “segunda linha”, uma vez que o
interesse que está a ser protegido é um interesse público. Vasco Pereira da
Silva contesta que esta distinção não é correcta, argumentando que todas as
posições de vantagem dos privados em relação à Administração devem ser
consideradas como direitos subjectivos.[1]
Neste seguimento, Paes Marques sustenta que em todos os casos estamos perante
direitos subjectivos, e o que pode variar é a intensidade e a forma com que o
ordenamento jurídico protege os interesses dos particulares. [2] No fundo, o que se pretende saber é se uma
norma protege um particular, atribuindo-lhe uma situação de vantagem, ou se o
objectivo é proteger o interesse público e, ocasionalmente, beneficiar um
“terceiro juridicamente indiferente”, utilizando uma expressão de Aroso de
Almeida.
Possuindo
interesses opostos ao autor da acção, e de acordo com os art.s 57º e 68º/2
Código de Processo dos Tribunais Administrativos, adiante CPTA, há uma
exigência de o recorrente chamar ao processo estes terceiros
contra-interessados. A ausência da identificação e citação dos contra
interessados é causa de ilegitimidade passiva, que obsta ao conhecimento da
causa (art.89º/1 alínea f CPTA)). Apesar de terem obrigatoriamente que intervir
no processo, os contra-interessados não têm de adoptar uma posição, sendo esta
uma faculdade que lhes é conferida no caso de desejarem intervir.
Para encontrarmos a justificação da
obrigatoriedade da intervenção processual dos contra-interessados, temos de
atender a razões de natureza mista, tendo em conta a função subjectivista e a
função objectivista.
A função
subjectivista mostra-nos que o primeiro fundamento da intervenção processual
dos contra-interessados passa pelos princípios constitucionais de acesso à
justiça (art.268º/4 Constituição da República Portuguesa, doravante CRP) e de
respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos administrados
(art.266º/1 CRP), no sentido de que a prossecução do interesse público não pode
descurar os interesses legítimos dos administrados. Ainda a acrescentar, os
princípios processuais do contraditório e da igualdade das partes.
A função objectivista da intervenção
dos contra-interessados, em parte, não é mais do que uma decorrência da função
subjectivista: o contra-interessado que não foi chamado ao processo, quando o
deveria ter sido, não pode ser prejudicado pela respectiva decisão, uma vez que
não teve a possibilidade de participar no mesmo. Paulo Otero afirma que, se não
existisse um litisconsórcio necessário passivo relativo à intervenção dos
contra-interessados, existiria sempre um litisconsórcio por natureza. [3]
A nossa lei
prevê uma excessiva oneração do autor, pois obriga-o a demandar todos os
titulares de direitos subjectivos contrapostos ao seu, sendo que, por vezes,
não é fácil determinar todos os titulares de posições subjectivas legítimas.
Paes Marques defende que, à partida, esta oneração não é “inoportuna e
irracional [4], desde que posteriormente se
possam corrigir os elementos que, num primeiro momento, possam ter estado em
falta (art.88º e 89º CPTA). É este, também, o entendimento de Paulo Otero, que
adianta que a “violação do direito processual do contra-interessado por
incumprimento do ónus imposto ao recorrente nunca possa aproveitar a este
último”. [5]
Paes Marques
considera ainda que a demanda de todos os contra-interessados pode levantar
graves problemas em relação aos efeitos das sentenças, pois em alguns casos o
número de contra-interessados pode ser tão elevado, que se torna inviável a sua
identificação, o que se pode revelar na ineficácia das sentenças
jurisdicionais. [6]
Segundo
Paulo Otero, o contra-interessado mostra-se sempre como um terceiro
relativamente ao recorrente e à autoridade recorrida. [7]
Paes Marques, contudo, acredita que é
preciso ir mais longe do que a simples intervenção processual de terceiros,
pois a correspectividade entre os interesses subjectivos do autor e do
contra-interessado justifica uma posição de paridade entre eles. [8] Neste sentido, Vieira de Andrade defende que no
novo CPTA os contra-interessados são concebidos como partes, e portanto devem
formar um litisconsórcio necessário passivo com a entidade demandad a(art.10º/1
CPTA). Paes Marques acrescenta que a lei portuguesa atribui um protagonismo à
figura de contra-interessado que vai muito além do que acontece em outros
ordenamentos juríridicos, com excepção, talvez, do contencioso administrativo
italiano. [9]
Arrisco-me a
concluir desta breve exposição sobre o papel dos contra-interessados no
contencioso administrativo, que não estamos perante terceiros, titulares de
direitos subjectivos ou interesses legítimos que careçam de tutela, mas sim
perante verdadeiras partes do processo, que formam um litisconsórcio necessário
passivo, nos termos do art.10º/1 CPTA, e que compõem um “esquema ternário
imperfeito” [10] – para além da
Administração, há dois particulares que se defrontam, e “imperfeito” porque o
interessado persegue a mesma pretensão da autoridade recorrida. [11] Do próprio art.10º/8 CPTA se depreende esta
diferenciação, visto que a lei trata de forma distinta os contra-interessados e
os restantes terceiros. [12]
Inês Tamissa de Barros,
aluna 20813
[1] Vasco Pereira da Silva, Em Busca do Acto Administrativo
Perdido, pag.286.
[2] Francisco Paes Marques, A efectividade da tutela de terceiros
no Contencioso Administrativo, pag.73.
[3] Paulo Otero, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Rogério
Soares – Os contra interessados em contencioso administrativo, pag.1087.
[4] Francisco Paes Marques, A efectividade da tutela de
terceiros… cit, pag.101.
[5] Paulo Otero, Estudos em Homenagem… cit, pag 1084.
[6] Francisco Paes Marques, A efectividade da tutela de
terceiros…cit, pag.102.
[7] Paulo Otero, Estudos em Homenagem…cit,pag 1074.
[8] Francisco Paes Marques, A efectividade da tutela de
terceiros…cit, pag.91.
[9] Francisco Paes Marques, A efectividade da tutela de
terceiros…cit, nota de rodapé 231, pag.113.
[10] Francisco Paes Marques, A efectividade da tutela de
terceiros…cit, pag.108.
[11] Francisco Paes Marques, A efectividade da tutela de
terceiros…cit, nota de rodapé 221, pag.108.
[12] Neste sentido, Rui Chancerelle de Machete, A legitimidade dos
contra-interessados nas acções administrativas comuns e especiais, pag.623.
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