segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

A intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias

A intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias

   Nesta exposição vamos tratar do tema da intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias. Esta figura é caracterizada como um dos meios processuais principais urgentes que o CPTA prevê no artigo 36, no caso, na alínea d). Contudo, chama-se a atenção do leitor que a alínea e), relativa às providências cautelares, já não trata de um meio processual principal urgente, mas somente de um meio urgente, sendo as providências reguladas num título em separado em relação aos meios principais urgentes, que correspondes às restantes alíneas. A existência de meios principais processuais urgentes justifica-se pela necessidade de uma rápida, prioritária, e definitiva solução quanto ao litígio que é posto em causa. Tratando-se de questões que por um lado não se compadecem com a morosidade do processos de tramitação normal das acções comuns ou especiais, sendo que por outro lado as providências não se mostram adequadas nem suficientes para satisfazer as pretensões do requerente, que pretende uma regulação não provisória, mas sim definitiva dos interesses em questão, pretendendo este, contudo, que essa regulação seja célere devido aos direitos em causa. Citamos aqui o ilustre Prof. Viera de Andrade de forma a ilustrar melhor esta situação, “ a lei configura, logo em abstracto, como processos urgentes determinados processos principais, isto é, processos que visam a pronúncia de sentenças de mérito, onde a cognição seja tendencialmente plena, mas com uma tramitação acelerada ou simplificada, tendo em consideração a natureza dos direitos ou dos bens jurídicos protegidos “1.

   Os meios processuais urgentes principais encontram-se no Titulo II do CPTA, sendo que aí procede-se a uma divisão pertencendo o capítulo I às impugnações urgentes (Contencioso pré-eleitoral arts. 97.º e ss., e contencioso pré-contratual arts. 100.º e ss.) e o capítulo II relativo às intimações (a intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões do artigo 104,º e ss. e a intimação do artigo 109.º e ss., que é aquela em análise neste texto). As Intimações são processos urgentes de condenação, que pretendem impor judicialmente, normalmente à administração, determinados comportamentos, sendo que na intimação para protecção de direitos liberdades e garantias também se poderá visar a imposição de acto administrativo.

 EM ESPECIAL: A intimação para protecção dos direitos, liberdades e garantias

  
A intimação do artigo 109.º CPTA surge no contencioso administrativo por imperativo constitucional consagrado no art. 20º5 da CRP, que exige a existência de meio célere e prioritário para assegurar a defesa das liberdades e garantias pessoais. Antes de mais comecemos por nos pronunciar sobre a questão relativa à extensão deste último artigo, isto é, quais são os direitos fundamentais que podem ser alvo de tutela pelas normas em causa? A doutrina tem divergido nesta questão. O Prof. Vieira de Andrade parece assumir nas suas lições uma posição restritiva, só permitindo a analogia quando se trate de direitos fundamentais essencialmente referidos e próximos à dignidade da pessoa humana dizendo autor que: “esta protecção justifica-se pela especial ligação destes direitos à dignidade da pessoa humana e na sua oportunidade, pela consciência do perigo acrescido da respectiva lesão, que nas sociedades actuais decorre sobretudo de o seu exercício depreender de modo cada vez mais intenso de actuações administrativas não apenas negativas, mas também positivas”.1 Posição divergente parece assumir Carla Gomes Amado, que inclui não só os direitos, liberdades e garantias pessoais ou aqueles especialmente ligados à dignidade da pessoa humana, mas também os direitos liberdades e garantias de natureza análoga, em face da extensão do artigo 17 da CRP, contudo exclui a possibilidade de extensão a direitos provenientes da lei e do Direito Internacional. Tendemos neste caso a concordar com a opinião da autora, em face da cláusula de extensão do artigo 17.º, e pelo facto de o 109.º do CPTA não se referir somente a direitos, liberdades e garantias pessoais.2/3 O acórdão do tribunal central administrativo do Norte, processo nº 00356/12.2BECBR de 14-12-2012, é um dos acórdãos que manifesta a aplicação desta posição, referindo inclusivamente a cláusula de extensão do artigo 17.º da CRP quando está em causa o acesso ao ensino superior de uma aluna.

Os Pressupostos do artigo 109.º do CPTA
  
1- Urgência da decisão para evitar a lesão ou a não possibilidade de utilização de um direito (a urgência deverá ser concreta)
2-Impôr conduta positiva ou negativa à administração ( mas no fim pode tornar-se numa sentença substitutiva e a intimação ser dirigida a particulares.)
3- Não ser possível ou suficiente o decretamento provisório de uma providência cautelar, nos termos do 131.º

Vamos debruçar-nos sobre o 3º ponto, que tem suscitado mais problemas e coloca uma interpretação mais complexa. Esta solução adoptada pelo legislador é invariavelmente alvo de discussão entre doutrina. Há primeira vista parece estar aqui estabelecida uma subsidiariedade entre o 131.º e o 109.º, só se aplicando o último quando não se possa aplicar o primeiro.  É o que nos diz o Prof. Mário Aroso de Almeida “ A nosso ver, a situação prevista na parte final do n.º1 do artigo 109.º é um pressuposto processual negativo, de cujo não preenchimento depende a admissibilidade do processo de intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias”.
4 Contudo, como bem observa Vieira de Andrade, a condição de não ser possível ou suficiente o decretamento provisório de uma providência cautelar vem apresentar-se como uma “condição pleonástica, pois que se é indispensável uma decisão de mérito urgente para evitar a lesão do direito então isso exclui a admissibilidade de um processo cautelar”.1
   Carla Amado Gomes defende que a subsidiariedade é muito mais ampla do que a norma dá à primeira vista a entender, diz a autora que “ por maioria de razão se deve entender que a intimação de protecção de direitos, liberdades e garantias em geral só será admissível se o direito que em concreto se encontra ameaçado não puder ser tutelado com mais eficácia (leia-se adequação e plenitude) por outra qualquer providência especificamente orientada para a sua defesa”. Aqui se incluem qualquer providência de protecção sumária de protecção específica de protecção de direitos, liberdades e garantias que resulte de leis especiais. Em suma, para a autora, a subsidiariedade consistiria em: sempre que a provisoriedade do juízo cautelar não fosse suficiente ou possível para assegurar tutela dos direitos, mas não se trata de rapidez (porque prazo pode ser o mesmo, nomeadamente 48 horas), trata-se sim de um princípio de interferência mínimo.
2 Prefere-se a possibilidade de reverter o juízo cautelar no processo principal, do que proferir um juízo definitivo em processo principal urgente que só posteriormente pode ser alvo de recurso. Recorrendo-se só à intimação quando não seja possível assegurar a tutela dos direitos por meio da providência, porque é, nomeadamente exigível uma tutela definitiva do direito.
  Ainda sobre a problemática da subsidiariedade do 109.º poderemos encontrar uma posição muito peculiar, a de Tiago Antunes, o autor após fazer uma interpretação em que primeiramente exclui a subsidiariedade em relação às outras providências, mantendo-a só perante o 131.º, e reduzindo o próprio alcance do artigo. O autor diz-nos que o critério do 109 é a urgência. Ora, se assim fosse o 109.º , diz-nos o referido autor ,“não tem como objectivo tutelar os casos em que atendendo à irreversibilidade da solução mais adequada está excluída a aplicação da tutela cautelar; tem por objectivo, isso sim, conferir uma tutela extraordinariamente célere a situações que, de outra forma, não conseguiriam tal protecção urgente”
5. O autor parece crer, e se assim é concordamos que não era esta a intenção de o legislador, mas que (para variar…) este (o legislador) errou. O autor para dar sentido útil ao preceito acaba por fazer uma interpretação correctiva e coloca-se na posição que criticava, mas reconhecendo as falhas da mesma e somente de forma a dar alcance útil à norma, que ter-se-á de interpretar face a referência feita ao 131.º, mas estendendo-a a toda a tutela cautelar, por forma a dar alcance útil ao preceito.
   Assim, em suma, só se recorreria à tutela sumária quando seja inevitável, ou seja, o direito venha a ficar irremediavelmente prejudicado ou sem possibilidade de ser exercido se não for obtida decisão definitiva de mérito naquele momento, só assim a decisão sumária preferirá à cautelar.
   Tem de ser respeitada a face positiva da intimação, ou seja a sua indispensabilidade e incontestável necessidade para assegurar exercício do direito, mas também a face negativa, na medida em que não poderia ter lançado a mão a outro meio para tutelar o exercício do direito.
   
Outros pressupostos processuais
   Competência Hierárquica- Uma vez que a priori não aplicam as excepções da 2º parte do artigo, aplica-se o 44/1 1ª parte.
   Competência Territorial- Seria determinada segundo o artigo 20/5.º CPTA
    Pressupostos gerais (ex.: personalidade Judiciária)

Legitimidade
   Activa- Quem alegue e prove sumariamente o início ou ameaça de lesão de um direito, liberdade ou garantia através de uma acção ou omissão de entidades que prossigam funções materialmente administrativas. Pode haver coligação. É admissível acção popular desde que no respeito pela disponibilidade legítima dos interesses dos titulares dos direitos.
  Passiva-
Ministério público ou pessoa colectiva, mas por razões de celeridade inerentes ao processo deverão ser indicadas as autoridades competentes para serem citadas e intimadas, ou os concessionários e particulares, quando for o caso.
Em casos mais complexos pode existir identificação de terceiros a serem citados, que são aqueles a quem a decisão possa vir a causar dano e tenham posições similares às do requerente. Estas citações são feitas de acordo com a tramitação do 78 e ss. , mas em metade do tempo art.110.º 3 CPTA.

Tramitação e a sentença

   Estamos perante um processo de vários andamentos, caracterizados pela celeridade e, segundo Carla Amado Gomes
2, pela ausência de contraditório (não na vertente defensiva, aí não se verifica ausência de direito de resposta, na opinião da autora). A mesma autora refere estarmos perante quatro andamentos, nomeadamente:
  Urgência ordinária -» 7 dias para responder ao pedido e, uma vez concluídas as devidas diligências, o juiz tem 5 dias para decidir 110/2.
  Urgência Moderada-» Ponderação moderada e mais profunda dos interesses em questão, o que faz com que se adoptem processos mais complexos, 110/3.º e 87.º e ss.
  Urgência especial-» Contido no 111/2.º encurta prazo concedido ao requerido para apresentar a sua defesa de 7 para 4 dias.
  Urgência extraordinária-» no nº2 do art.º 111.º está prevista a realização de audiência oral, no prazo de 48 horas, após a qual o juiz decide o pedido.
  Outros autores referem diferentes classificações para “os andamentos”, contudo demos preferência metodológica a esta. Porém veja-se a de Mário Aroso de Almeida, que no seu “ Manual do Processo Administrativo” classifica os modelos segundo: andamento normal, mais lento que o normal, mais rápido que o normal e ultra rápido.
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   É importante referir, que na nossa opinião, o contraditório, ainda que na vertente de defesa do requerido está sempre assegurado, pois apesar dos prazos encurtados, parece-nos respeitado sempre o imperativo constitucional do 20/4, pois o requerido cabe-lhe sempre defesa, só que com prazos encurtados.

    Quanto à sentença, importa só tratar de uma especificidade. Se a pretensão contida na intimação é dirigida á prática de acto administrativo estritamente vinculado, então é excepcionalmente admissível que seja proferida sentença substitutiva, nomeadamente quando seja sobre a execução de acto já praticado 109/3. Como bem observa o Prof. Viera de Andrade
1“ Nestas situações, já não estamos perante simples intimações, mas perante intervenções judiciais que, formalmente, consubstanciam o exercício da função administrativa, embora limitado a casos em que a administração não pode arrogar-se a espaços próprios de valoração e de decisão”.
   Quando não seja substitutiva, a sentença determinará o prazo, comportamento a ter e, quando for o caso, o órgão responsável pelo cumprimento, nomeadamente quando se trate da prática de acto administrativo.

Execução das Sentenças

Serão aplicáveis às sentenças resultantes de um processo de intimação, as regras gerais de execução de sentenças condenatórias.
   Contudo, não se admite o invocar da causa de legítima inexecução, ou seja não se admite a invocação da não possibilidade ou de grave lesão para o interesse publico que decorreria do cumprimento da sentença.

Recursos Jurisdicionais

   Quando um pedido de intimação não proceda este será sempre recorrível, independentemente do valor da causa (artigo 142.º, nº3, a)), não havendo qualquer limitação derivada das alçadas da jurisdição administrativa, tal surge devido a relevância dos direitos em questão, pois lembre-se o leitor, que estamos a lidar com direitos fundamentais, ainda que possam ser de natureza análoga.


Delimitação do art.º 109 e 121.º
 Comecemos por dizer, de forma rápida, que o artigo 121.º, mediante o preenchimento dos seus pressupostos permite a antecipação do juízo sobre a causa principal.
  A questão da delimitação será: o que fazer quando haja um concurso positivo entre ambos os artigos?
 Para Mário Aroso de Almeida
4, o artigo 121.º tem uma posição residual face ao 109, só se aplicando quando este não se aplique.
 Para Tiago Antunes, caso para o requerente seja óbvio que “ de forma nítida e inquestionável a única solução que satisfaz as suas pretensões imediatas é irreversível e, como tal, definitiva, ele deverá socorrer-se desde logo da intimação”. Contudo, se à ab initio existirem providências cautelares totalmente ou parcialmente aptas a satisfazer os interesses do requerente este haverá que optar por elas se não for claro que é indispensável a composição definitiva da acção e da decisão de mérito.
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  Esta última posição parece-nos, salvo melhor opinião, mais bem formulada e suportada e por isso concordamos com a mesma, no que diz respeito ao concurso positivo destes artigos.

O que fazer quando é dado início ao processo do 109.º, mas apesar de tutela urgente, não seria necessário uma regulação definitiva?
       Miguel Prata Roque 6, Mário Aroso de Almeida 4, Carla Amado Gomes 2, pensam que a posição mais acertada será a convolação dos processos, visto que permite o respeito por três princípios importantes no direito administrativo, nomeadamente, o principio do aproveitamento dos actos, principio da promoção do acesso à justiça e o princípio da economia processual. Cabe depois ao Juiz remeter para a forma de processo mais adequada à natureza urgente que foi requerida na intimação.

   Tiago Antunes 5 tem posição divergente, visto que os requisitos da concessão das providências não se aplicam ao 109 e ss., teria de existir um aperfeiçoamento ou substituição do articulado, e por consequente novo direito ao contraditório pelo requerido, o que para o autor não variava muito do que aconteceria num novo processo.

Concordamos com o último autor pois: A convolação não permitiria ganhar tempo, nem poupar actos processuais, então mais vale remeter para novo processo de forma a ser regulado pelas suas regras específicas.
 A jurisprudência tem-se dividido entre convolação para a tutela cautelar adequada e a absolvição da instância
. Contudo, veja-se o Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte, processo nº00634/12.0BECBR, de 11-01-2013, que mostra o impedimento de convolação quando os requisitos são completamente diferente, citando o referido acórdão, por forma a tornar mais elucidativa a questão, “A configuração do presente processo como intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias, impede no entanto a convolação para o procedimento cautelar ou para qualquer dos processos principais referidos, cujos requisitos processuais e substantivos são completamente distintos.” Este acórdão vem reforçar a posição seguida nesta questão,
  

Reflexão Final

 Após a análise feita a esta figura da intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias verificamos que, apesar das divergências que a figura traz, ela está viva no nosso ordenamento jurídico, estando em discussão seja na doutrina ou na jurisprudência e tratando-se por isso de uma figura que poderá ser reformulada, por forma a lhe retirar uma melhorar utilidade e, principalmente, a limpar os equívocos e nebulosidades que o legislador nos deixou a nós interpretes com a formulação que deu ao artigo 109.º, em especial na parte que toca à sua subsidiariedade.
 Não obstante o que foi dito, será um meio útil, onde ter-se-á de fazer um juízo de prognose, por forma a sabermos se há imprescindibilidade da obtenção de uma regulação definitiva do meio urgente proposto. Caso assim seja e não se compadeça com a morosidade da tramitação dos processos normais ou com a provisoriedade dos processos cautelares, então a figura em causa, dentro do seu âmbito, ganha uma nova vida e uma nova importância, permitindo aos particulares assegurarem os seus direitos de uma forma definitiva e célere em relação aos seus direitos liberdades e garantias, direitos que não poderiam ser assegurados eficazmente através de outros meios processuais urgentes ou normais.

Referências bibliográficas:

1 Vieira de Andrade, José Carlos
- “A Justiça Administrativa (Lições) ”, Almedina, 2006

Amado Gomes, Carla
2 - “Pretexto, contexto e texto da intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias”, in Estudos em homenagem ao Professor Doutor Inocêncio Galvão Telles, Vol. V, Coimbra 2003
3 - “Intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias. Contra uma interpretação demasiado conforme a constituição do artigo 109 nº1 do código de procedimento dos tribunais administrativos”, Revista do Ministério Público nº 104 (2005)

4Aroso de Almeida, Mário
 - “Manual do Processo Administrativo”, Almedina, Março de 2013

5Antunes, Tiago
- O «Triângulo das bermudas» no Novo Contencioso Administrativo, in Estudos em homenagem ao Professor Doutor Marcello Caetano, Vol. II, Lisboa

6 Prata Roque, Miguel
- ” Reflexões sobre a reforma da tutela cautelar administrativa”, Coimbra, 2005

Celeste Fonseca, Isabel,
- “Dos novos processos urgentes no contencioso administrativo (função e estrutura) ”, Lisboa, 2004

David, Sofia,
- Das Intimações. Considerações sobre uma (nova) tutela de urgência no Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Coimbra, 2005

Jurisprudência:
Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo:
Processos:
 
01078/11, de 14-12-11
Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte:
Processos: 01157/05.0BEBRG, de 26-01-2006
00356/12.2BECBR, de 14-12-2012
00634/12.0BECBR, de 11-01-2013


Luís Miguel Fialho Severino
Aluno nº 19707

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