Ação administrativa especial de condenação à
prática de acto administrativo devido
(*)
(*)
Sumário:
1. Ação
especial de condenação à prática de ato administrativo devido – notas
introdutórias e antecedentes históricos;
2. Aspetos
de regime.
1.
Ação
especial de condenação à prática de ato administrativo devido – notas
introdutórias e antecedentes históricos:
A
consagração de uma ação destinada a condenar a Administração Pública (doravante
A.P) à prática de ato administrativo devido constitui uma das principais mudanças
no modelo do Contencioso Administrativo, pois com ela assistiu-se à passagem da
mera anulação para a plena jurisdição dos tribunais administrativos. Esta
realidade é bem expressa nas palavras de Rui
Machete: “a introdução da acção
administrativa especial de condenação à prática de acto devido (…) é uma das
inovações de maior alcance do novo Código (entenda-se CPTA aprovado pela Lei
n.º 15/2002, de 22 de Fevereiro). Com a AAEC abandona-se definitivamente a
exclusividade do modelo cassatório de anulação dos actos e reconhece-se que o
objecto do processo (…) é a própria pretensão do interessado”[1].
A
fim de se conseguir apreender a suma importância deste “novo” meio processual,
importa, necessariamente, proceder a uma retrospeção da história do Contencioso
Administrativo.
Neste
sentido, num tempo em que vigorava um Direito Administrativo “Autoritário”,
onde cada atuação da A.P se traduzia na vontade de um Estado “todo-poderoso”, o
princípio da separação de poderes era constantemente invocado para sustentar a
conceção de que ao tribunal apenas era possível anular os atos praticados pelas
autoridades administrativas, excluindo-se a possibilidade de lhes dar ordens de
qualquer espécie e, por conseguinte, condena-la a adotar certa conduta.
Todavia,
tal como sustenta Vasco Pereira da Silva,
a invocação do supra mencionado princípio assentava na errónea conceção de que
condenar à prática de um ato administrativo equivaleria a praticá-lo em
substituição dos órgãos competentes. Bem se entende que assim não é, pois que “uma coisa é condenar a Administração à
prática de actos administrativos devidos, decorrentes da preterição de poderes
legais vinculados (…) o que corresponde à tarefa de julgar, outra coisa,
completamente diferente, é o tribunal prática actos em vez da Administração ou
invadir o domínio das escolhas remetidas por lei para a responsabilidade da
Administração no domínio da discricionariedade administrativa, o que
corresponde ao âmbito da tarefa de administrar e em que, por isso, já pode
fazer sentido invocar o princípio da separação de poderes”[2].
Nos sistemas de
inspiração francesa – de entre os quais o sistema português – o processo
administrativo centrava-se no recurso direto de anulação, só se admitindo a
condenação da A.P no âmbito do contencioso de anulação, mediante a ficção do
acto tácito de indeferimento, que se traduzia, em última análise, num meio
pouco eficaz de tutelar os direito dos administrados.
Como
alternativa ao sistema francês, surgiu na Alemanha do após II Guerra (rectus na
Alemanha Ocidental) – sob a influência da doutrina de Walter Jellinek e inspirada no prerrogative remedy mandamus
consagrado no Direito anglo-americano – a ação de condenação ao cumprimento de
um dever (vornahmeklage ou verpflichtungsllage), como meio proteger mais
eficazmente os direitos e interesses juridicamente protegidos dos particulares[3].
Entre
nós, o processo de transformação do Contencioso Administrativo dá-se por força
da CRP de 1976 e das suas sucessivas revisões. Assim, na sequência da revisão
constitucional de 1982 e da reforma de 1984-85, é consagrado, a par dos meios
de anulação já existentes e numa relação de complementaridade, um novo meio
processual: a ação para o reconhecimento de direitos e interesses legalmente
protegidos (cfr. artigo 69º LEPTA). A relação de complementaridade (e não
subsidiariedade) que se estabeleceu entre os meios processuais permitiu que,
perante omissões ilegais das entidades administrativas, os particulares
pudessem optar entre recorrer à ação de reconhecimento de direitos ou ao
recurso de anulação do ato de indeferimento tácito, possibilitando, por
conseguinte, a condenação da A.P à prática de atos administrativos devidos.[4]
Porém,
é a revisão constitucional de 1997 que vem sagrar a condenação da A.P à prática
de atos administrativos devido como elemento necessário para se conseguir
atingir a plenitude da tutela jurisdicional efetiva dos administrados (artigo
268.º, n.º 4 CRP).
Neste sentido, a doutrina discutiu se esta
determinação pela Lei Fundamental poderia ser entendida como a criação de um
novo meio processual de natureza condenatória, por força da aplicabilidade
direta dos direitos fundamentais (cfr. Artigo 18º, n.º1 da CRP)[5] ou
se, pelo contrário, estaríamos apenas perante a mera consagração de um direito
a obter uma condenação da A.P, que em nada tem que ver com a criação de um novo
meio processual de natureza condenatória, que só poderia ser conseguido com a
intervenção do legislador ordinário num processo de revisão do Contencioso
Administrativo[6].
É
neste contexto que se inicia o processo de reforma do Contencioso
Administrativo, que culmina na aprovação do CPTA e na, consequente, consagração
de um novo meio processual: a ação especial de condenação à prática de ato
administrativo devido (cfr. artigos 66º a 71º). E assim “a execução das sentenças anulatórias dos actos administrativos de
indeferimento, expressos ou ficcionados, até aqui o único meio processual à
disposição do particular para forçar o cumprimento do julgado, é substituída
por sentenças de condenação, seguidas, em caso de desobediência, por um
verdadeira processo executivo, acompanhado, quando necessário, por eficazes
providência de execução, por sanções pecuniárias compulsórias ou pela fixação
de indemnizações (cfr. artigos 167º e 168º n.os 1 e 3).”[7]
Em
jeito de conclusão da presente seção, cumpre somente notar que, durante o
período da reforma, os autores discutiram qual a melhor forma de dar
cumprimento ao imperativo constitucional. Neste sentido, uns pronunciaram-se pela
criação de uma ação declarativa acompanhada de medidas de natureza compulsória,
à semelhança da solução do sistema francês. Ao passo que outros defendiam a
consagração de uma ação de condenação, inspirada na ação alemã para cumprimento
de um dever. Prevalecendo, como é possível apreender do presente escrito, a
segunda opção, inspirando-se o legislador português na VwGO de 1960,
nomeadamente nos seus §§ 42º e 113º.
2.
Aspetos
de regime:
I. Feita esta breve expedição pela
história do processo administrativo, cumpre agora analisar este “novo” mecanismo processual, mediante um
escrutínio ao seu regime jurídico. Com efeito, iremos proceder a uma análise
pontual, começando pelo artigo 66º (objeto) e terminado no 71º (poderes de
pronúncia do tribunal).
II. Sob a epigrafe “objeto”, o artigo 66º vem: estabelecer
duas “modalidades” de ação de
condenação à prática de ato administrativo devido (n.º 1); determinar que o
objeto processual é a pretensão material do particular (n.º2); e admitir a
possibilidade de serem impostas sanções pecuniárias compulsórias, a fim de
prevenir o incumprimento das imposições resultantes da sentença condenatória
(nº3).
O
regime jurídico da ação de condenação à prática de ato devido permite a
propositura da mesma sempre que esteja em causa uma pura e simples omissão ou a
emissão anterior de um ato de conteúdo negativo ilegal, i.e. um ato de indeferimento. Assim, existem duas modalidades de
ação consoante esteja em causa um ou outra situação, que, por sua vez, induzem
à dedução de dois pedidos principais distintos: o de condenação na emissão de
um ato administrativo omitido e o de condenação à emissão de um ato
administrativo de conteúdo favorável, em substituição do ato de indeferimento.
Antes
da aprovação do CPTA, ambas as situações eram tratadas com indeferimento, no
sentido de que além do indeferimento expresso, traduzido na emissão de um ato
de indeferimento, era consagrada a figura do indeferimento tácito, visto que do
silêncio da A.P presumia-se o indeferimento em relação à pretensão do
particular (cfr. 109º, n.1º CPA). Com efeito, como a entrada em vigor deste
código, nomeadamente, por força do preceito que agora se analisa, tornou-se
desnecessária a figura do recurso de anulação do indeferimento tácito, tendo em
conta que já não cabe, obrigatoriamente, deduzir qualquer pedido judicial de
anulação de tais atos de indeferimento[8],
pois agora permite-se que o interessado solicite desde logo a condenação da
A.P, obtendo diretamente a satisfação da sua pretensão[9].
Posto isto, importa proceder à definição de ato
devido. Neste sentido, constitui um ato administrativo devido aquele ato que
deveria ter sido emitido, e não o foi por força de uma omissão, recusa ou
indeferimento ilegal, deste modo, será necessário comprovar a existência de uma
vinculação quanto à oportunidade da prática do ato, em termos que permitam
afirmar que a A.P levou a cabo uma conduta contrária a um dever de agir,
legalmente imposto.
Por seu turno, a vinculação legal exigível, neste
domínio, refere-se apenas à emissão do ato, à sua oportunidade, assim, não se
exige que este tenha um conteúdo estritamente vinculado, podendo albergar o
exercício de poderes de discricionariedade administrativa na fixação do seu
efetivo conteúdo (cfr. artigo 71º, n.º2). Em suma: a condenação da A.P pode
abranger tanto atos vinculados, como atos discricionários.
Quanto ao objeto processual desta ação especial,
este é, como determina o nº2 do artigo 66º, a pretensão material do autor, e
não o ato de indeferimento (quando o haja). Desta feita, ele não nunca é
delimitado pelos fundamentos em que se possa ter baseado o eventual ato de
indeferimento.
No mesmo sentido dispõe o artigo 71º, nº1, quando
determina que o tribunal não se pode limitar a devolver a questão para o órgão
competente, devendo pronunciar-se sempre sobre a pretensão material do autor.
Esta pronúncia terá de conter um juízo material sobre o litigio em termos que
permitam apurar o direito do autor e o dever do órgão competente, de modo a que
se torne possível determinar o conteúdo do ato devido ou, quando tal esteja
fora dos poderes de pronúncia do tribunal, especificar os parâmetros a que está
sujeito.
Para Aroso de
Almeida, ambos os preceitos fazem apelo à ideia de que “o titular não discute em juízo o ato de
conteúdo negativo, mas vai fazer valer a sua pretensão subjetiva, em todas as
dimensões em que ela se desdobra”[10]
Desta feita, como nos diz Vasco Pereira da Silva, o CPTA, além de adotar uma conceção
ampla de objeto processual[11]
(abarcando o pedido mediato, o imediato e a causa de pedir) valoriza o pedido
mediato (o direito subjetivo que se pretende tutelar) sobre o pedido imediato (o
efeito desejado pelo autor). Decorrendo desta consagração duas consequências:
(i)
O objeto processual é o direito do
particular a uma determinada conduta da A.P e, por conseguinte, o processo não
é configurado como um processo impugnatório[12],
sendo irrelevante a existência ou não de um ato administrativo anterior. Mas
mesmo que este exista, não possui qualquer autonomia processual, sendo
automaticamente eliminado com a pronúncia condenatória.
(ii)
O objeto corresponde à pretensão do
autor, que será o direito subjetivo do particular se a ação for intentada para
defesa de interesses próprios. “Assim, a condenação
à prática de ato devido (pedido imediato) decorre do direito subjetivo do autor
(pedido mediato), que foi lesado pela omissão ou actuação ilegal da
Administração (causa de pedir)”[13].
Por
seu turno, o número 3 prevê a possibilidade de o tribunal administrativo impor,
logo na sentença condenatória, uma sanção pecuniária compulsória, na eventualidade
de atraso na execução da imposição judicial, tal como dispõe o artigo 169º.
Neste
domínio, estamos perante uma clara antecipação de momentos executivos no seio
do processo declarativo, consequência das preocupações do legislador ordinário
relativamente à efetividade das ações de condenação à prática de atos devidos.
Como
bem assinala, Vasco Pereira da Silva,
tal referência era desnecessária, no sentido que apenas vem reiterar a regra
geral do artigo 3º, n.º 3[14].
III. Posto isto, o artigo subsequente, o
67º vem regular a matéria dos pressupostos
processuais específicos.
Decorre
do artigo 67º, n.º1 que o interessado deverá apresentar um requerimento ao
órgão administrativo competente para a emissão do ato pretendido, visando
constituir na sua esfera um dever de decidir.
Cabe, contudo, acrescentar duas
notas. A primeira está relacionada com a existência de situações em que este
requisito se torna dispensável[15].
Ao passo que a segunda prende-se com a questão de se saber quando é que a
apresentação do requerimento constitui o órgão no dever de decidir. A resposta
a esta questão consta do artigo 9º, n.º 2 do CPA, que dispõe “não existe o dever de decisão quando, há
menos de 2 anos contados da data da apresentação do requerimento, o órgão
competente tenha praticado um acto administrativo sobre o mesmo pedido
formulado pelo mesmo particular com os mesmos fundamentos”. Estando
preenchida a previsão deste preceito, o órgão administrativo é exonerado do
correspondente dever, podendo recusar-se a apreciar o requerimento apresentado.
Todavia,
não basta a mera apresentação formal de um requerimento para que seja possível
“lançar mão” deste meio processual,
tendo em consideração que o preceito determina que a condenação à prática de
ato devido apenas pode ser pedida em três tipos de situações, a que corresponde
cada uma das suas alíneas.
Com
efeito, nos termos da alínea a), a primeira situação verifica-se se após a
apresentação do requerimento e decorrido o prazo legal para se pronunciar, a
entidade administrativa requerida se tenha mantido omissa. Assim, exige-se,
além da apresentação do requerimento, o decurso do prazo legal para decidir
(sendo o prazo geral de 90 dias [cfr. 109º, n.º2 do CPA]) e a omissão da
entidade requerida. Assim, a previsão deste preceito tem por objeto situações
de incumprimento da A.P do seu dever de decidir.
Já
a alínea b) traspõe o segundo tipo de situação, que terá lugar sempre que A.P
emita um ato de indeferimento relativo à pretensão deduzida no requerimento
apesentado pelo particular. Cumpre salientar que é de admitir a aplicação do
regime do indeferimento (expresso) à emissão de um ato de conteúdo positivo que
apenas satisfaça parcialmente a pretensão do requerente. Com efeito,
reconhece-se ao interessado a faculdade de deduzir um pedido de condenação à prática
de ato devido, que irá substituir o primeiro.
Em
relação alínea c), ela vem consagrar o terceiro tipo de situação: a recusa
liminar de apreciação do requerimento. Esta situação compreende, por sua vez,
duas sub-hipóteses, atendendo ao facto de a recusa de apreciação poder
basear-se tanto em juízos de ordem formal, como na formulação de juízos
valorativos quanto à oportunidade de praticar o ato. Posto isto, é possível
apreender que o pedido de condenação à prática de ato devido pode ser deduzido
independentemente da existência de um momento de pronúncia da A.P sobre o
mérito da pretensão do requerente.
De
forma a evitar possíveis confusões no seio da organização administrativa,
passiveis de lesar os interesses do requerente, consagram os números 2º e 3º
medidas que visam dar primazia à efetividade da tutela dos administrados face a
questões formais. Assim, nos termos do nº2, a omissão do delegante ou subdelegante,
a quem é dirigido o requerimento, é sempre imputada ao delgado ou subdelegado. Ao
passo que o nº 3 determina que sempre que é apresentado um requerimento perante
um órgão incompetente, não tendo este dado cumprimento à obrigação de remessa
oficiosa que lhe cabe por força do artigo 34º CPA ou devolvido ao requerente, esta
omissão será imputada ao órgão competente.
IV. Atendendo agora ao pressuposto
processual da legitimidade, o artigo
68º estabelece regras específicas de legitimidade, que se justificam em razão
da natureza do pedido em causa[16].
Assim, dispõe o seu n.º1 que tem legitimidade ativa:
(i) O
titular de um direito ou interesse legalmente protegido, dirigido à emissão do
ato (alínea a)). Ao contrário das
ações de impugnação de atos administrativos, nesta sede o CTPA não se bastou
com a mera alegação de titularidade de um interesse direto e pessoal. Com
efeito, só tem legitimidade ativa os titulares de direitos ou interesses
legalmente protegidos à emissão de um ato que foi ilegalmente omitido ou
recusado.
(ii) As
pessoas coletivas, relativamente aos direitos e interesses que representem
(alínea b)). Cabe apenas notar que o
legislador estabeleceu um regime semelhante ao do artigo 55º, n.º1, al. c), a propósito das ações de impugnação
de atos administrativos.
(iii) O
Ministério Público (doravante M.P), enquanto titular da ação pública, quando o
dever de praticar o ato recusado ou omitido resulte diretamente da lei e esteja
em causa uma ofensa de direito fundamentais, de interesses públicos relevantes
ou dos valores e bens referidos no artigo 9º, n.º2 (alínea c)).
Neste
domínio, ao contrário do estabelecido para as ações de impugnação de atos
administrativos, o M.P não pode intervir sem quaisquer limitações, baseando-se
no comando genérico de defesa da legalidade democrática e promoção do interesse
público (cfr. artigo 51º ETAF)[17].
(iv) As
demais pessoas e entidades mencionadas no artigo 9º, n.º2, i.e, os autores populares. (alínea d)).
Deste
modo, temos (outra vez) uma similitude como regime estabelecido para a
impugnação de atos administrativos, pois, também neste âmbito, o CTPA alarga a
legitimidade de propositura da ação aos autores populares (cfr. artigo 55º,
n.º1, al.f)). Sendo que ambas as
previsões específicas nada tendem a acrescentar à previsão geral do artigo 9º.
Todavia,
importar precisar que a remissão para o número 2 do artigo 9º não abrange o
M.P, na medida em que a sua legitimidade para interpor a ação resulta – com um
âmbito mais alargado – da alínea c)[18].
Já
o nº 2 vem estabelecer o modo de constituir a legitimidade passiva. Neste
sentido, determina que a par entidade responsável pela omissão ou recusa ilegal,
devem ser obrigatoriamente demandados os contra-interessados a quem a emissão
do ato devido possa diretamente prejudicar ou que tenham interesse legitimo em
que o mesmo não seja emitido, desde que possam ser devidamente identificados, a
partir da relação material ou dos documentos constantes no processo
administrativo. Assim, a lei vem exigir a constituição de um litisconsórcio
passivo necessário.
É
de notar que, por força do artigo 10º, n.º2, a parte demanda é a pessoa
coletiva ou o ministério a que pertence o órgão competente pela emissão do ato
devido. Assim, é possível que a entidade demandada não seja a responsável pela
situação omissão.
V. Relativamente aos prazos de impugnação judicial, eles
variam consoante a modalidade de condenação que se pretende.
Assim,
o prazo será de 3 meses quando exista um ato de indeferimento ilegal do pedido,
proferido pelo órgão competente para a prática do ato administrativo recusado,
contados a partir da sua notificação, aplicando-se o disposto nos artigo 59º e
60º (cfr. artigo 69º, n.os 2 e 3).
Por
seu turno, quando se esteja perante uma pura e simples omissão ilegal, ou nos
termos do CPTA, “em situações de inércia
da Administração”, o prazo para interpor a ação é de um ano, contado desde
o termo do prazo legal estabelecido para a emissão do ato (prazo geral de 90
dias, por força do artigo 109º, n.º2 do CPA) (cfr. artigo 69º, n.º1).
Como
nos diz Vieira de Andrade, é
estabelecido neste âmbito um prazo similar ao da impugnação de ato
administrativo (cfr. artigo 58º, n.º2, al. b)),
tendo em conta que o ato de indeferimento é ato administrativo que, se não for
impugnado, adquire força de “caso decidido”. Considera o autor que, se a ratio
desta solução se prende com a estabilidade do ato administrativo, ela não teria
de valer quando o ato de indeferimento fosse nulo[19]
ou no âmbito de uma ação pública[20].
Em
relação aos casos de recusa de apreciação do pedido pela Administração
(partindo do entendimento e de que não é aceitável que a ação possa ser
proposta a todo o tempo), as conceções doutrinárias não são consensuais.
Enquanto Vieira de Andrade,
partindo do princípio que existe uma lacuna, entende que deveria valer o prazo
de um ano, tendo em linha de conta que se não houve um ato indeferimento, logo,
não se chegou a formar um ato administrativo passível de ser impugnado[21]. Ao
passo que Aroso de Almeida defende
a aplicação do prazo de três meses, pois considera que o artigo 69º, n.º2,
apesar de fazer referência expressa apenas aos casos de indeferimento expresso,
também deve valer para as hipóteses de recusa de apreciação[22].
VI. Quando, na pendência do processo,
seja emitido um ato de indeferimento ou seja praticado um ato administrativo
que não satisfaça integralmente a pretensão material do autor, o artigo 70º
permite que haja lugar a uma alteração
da instância, no sentido em que admite ou uma ampliação da causa de pedir
(oferecendo novos meios de prova ou apresentando novos fundamentos),
mantendo-se intacto o pedido principal (cfr. n.º 1), ou uma cumulação de
pedidos, acrescentando-se o pedido de anulação ou declaração de nulidade do ato
de indeferimento sobrevindo (cfr. n.º3).
Esta
solução legal expressa, claramente, a passagem do Contencioso Administrativo do
juiz sobre o ato de indeferimento para o juízo sobre a relação material. Isto
porque, com ela pretende-se que o objeto processual corresponda à concreta
relação jurídica, tal como se configura no momento da prolação da sentença, a
fim de se afastar qualquer desfasamento entre a relação jurídica processual e a
relação material, ou nas palavras de Vasco Pereira da Silva: “entre aquilo que está em juiz e a relação
material”[23]
Contudo,
é de notar que o preceito venha permitir a dedução cumulativa de um pedido de
anulação ou declaração de nulidade do ato de indeferimento, tendo em linha de
conta que, em regra, não tende a ser necessária a impugnação do referido ato
administrativo (ver infra). Assim, a simples condenação à prática do ato devido
não se afigura já suficiente para satisfazer os interesses do autor, visto que
tende a eliminar um ato indeferimento que lhe é parcialmente favorável.
VII. Cabe, por último, analisar quais os
limites estabelecidos pelo artigo 71º aos poderes
de pronúncia do juiz.
Primeiramente,
importa assinalar que a pronúncia será sempre condenatória em relação à
pretensão material do autor, não podendo o tribunal limitar-se a devolver a
questão para o órgão administrativo competente para a emissão do ato devido
(cfr. artigo 71º, n.º1). Por outro lado, deve entender-se que o juiz, ao
proferir a sentença, não tem de anular ou declarar nulo ou inexistente o ato de
indeferimento (quando o haja), bastado, para o efeito de o extinguir da ordem
jurídica, a condenação à prática do ato correlativamente recusado.
Posto
isto, é de salientar que é neste domínio que se suscitam os problemas mais
complexos de fronteira entre a função administrativa e a função jurisdicional
e, por conseguinte, com o princípio da separação de poderes.
Com
efeito, só é possível assegurar o respeito pelo princípio da separação de
poderes se o tribunal não se intrometer na esfera própria da A.P, nomeadamente,
no exercício de poderes discricionários, estando, nesta hipótese, vedada a
possibilidade de determinar o conteúdo do ato (cfr. artigo 71º, n.º 2, 1ª
parte). Por outro lado, cumpre a este órgão jurisdicional “dizer e aplicar” o
Direito, i.e. julgar apenas o
cumprimento pela A.P das normas e princípios jurídicos que a vinculam (cfr.
artigo 3º, n.º1)[24]
e, portanto, cabe-lhe salientar todas “as vinculações a observar pela
Administração na emissão do acto devido” (cfr. artigo 71º, n.º 2 in fine).
Como
nos diz Aroso de Almeida, os
processos de condenação à prática de ato devido são processos de geometria
variável, no sentido em que não conduzem à prolação de pronúncias de idêntico
alcance. Assim, o autor elaborou um quadro tipológico, que importa aludir[25].
Deste
modo, se da instrução do processo resultarem elementos suficientes para
considerar que a A.P está estritamente vinculada na emissão do ato devido (i.e. quando a lei constitui um dever
estrito de praticar um ato com um conteúdo determinado), pode o tribunal
condena-la à prática do ato, determinando o seu conteúdo.
No
mesmo sentido, também nas hipóteses de redução da discricionariedade a zero é
permitido ao tribunal determinar o conteúdo do ato a emitir. Isto acontece nas
situações em que a lei, em abstrato, confere à A.P poderes de conformação do
conteúdo do ato, mas no caso concreto, é de reconhecer que apenas existe uma
solução legalmente possível e, neste sentido, ela estará vinculada emitir o ato
com conteúdo correspondente.
Fora
destes casos, ao tribunal está vedada a possibilidade de emitir uma sentença de
condenação que determine o contudo do ato a emitir. Porém, atendendo à
circunstância de sua pronúncia ter natureza condenatória, o órgão jurisdicional
deve explicitar os parâmetros legais a que a A.P está adstrita no procedimento
de emissão do ato devido, o que tende a traduzir-se na identificação e
afirmação das ilegalidades em que incorreu a A.P no momento anterior à
propositura da ação (cfr. artigo 71º, n.º 2 in
fine). Nas palavras de Vieira de
Andrade, estamos perante uma condenação genérica, que não coloca em
causa a autonomia da decisão do órgão administrativo.[26]
Todavia,
pode acontecer que as circunstâncias do caso concreto conduzam a uma limitação
da pronúncia apenas à condenação da A.P a reapreciar a pretensão do interessado,
isto é, sem especificações de maior, i.e.
explicitando somente algumas vinculações a observar. A emissão desta espécie de
pronúncia pode ocorrer em dois tipos de situações. A saber: (i) situações em
que A.P não fornece elementos suficientes que permitam ao tribunal densificar
quais os parâmetros a observar; (ii) situações em que a A.P tenha invocado
infundadamente a existência de questões prévias para se recursar a apreciar a
pretensão do particular, pois que o tribunal só pode limitar-se a verificar que
estas não existem e, com base nesta avaliação, condenar a A.P a pronunciar-se
sobre o mérito. Como não da parte da A.P não houve qualquer valoração sobre o
mérito, o tribunal não pode, evidentemente, pronunciar-se sobre os termos em
que se processou o exercício dos poderes de valoração, a fim de estabelecer
parâmetro para a emissão do ato.
Nota adicional: todas
as disposições citadas sem a devida referência legislativa correspondem a
preceitos do Código de Processo dos Tribunais Administrativos, aprovado pela
Lei nº 15/2002, de 22 de Fevereiro.
Abreviaturas:
· CPA – Código de Procedimento
Administrativo, aprovado pelo Decreto-lei n.º 442/91, de 15 de Novembro.
· CPTA – Código de Processo dos Tribunais
Administrativos aprovado pela Lei nº 15/2002, de 22 de Fevereiro.
· CRP – Constituição da República
Portuguesa de 1976.
· ETAF – Estatuto dos Tribunais
Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei no 13/2002, de 19 de Fevereiro.
· LEPTA – Lei de Processo dos Tribunais
Administrativos e Fiscais, aprovada pelo Decreto-lei n.º 267/85 de 16 de Julho.
Referências
bibliográficas
·
ALMEIDA, Mário Aroso de, Manual de
Processo Administrativo, Reimpressão, Coimbra, Almedina, 2013;
·
ANDRADE, José Carlos Vieira de, A
Justiça Administrativa (Lições), 12ª edição, Coimbra, Almedina, 2012;
·
MACHETE, Rui Chancerelle de, A
condenação à prática de acto devido – algumas questões in Cadernos de Justiça
Administrativa, n.º 50, Março/Abril de 2005, pp. 3 e ss.
·
RATO, António Esteves Fermiano,
Contencioso administrativo: novo regime explicado e anotado,
Coimbra, Almedina, 2004.
·
SILVA, Vasco Pereira da, O Contencioso
Administrativo no Divã da Psicanálise, 2ª edição atualizada, Coimbra, Almedina,
2009.
Carina Ardisson
nº 19520
[1] Rui Chancerelle
de Machete, A condenação à prática de acto devido – algumas questões in
Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 50, Março/Abril de 2005, pp. 3
[2]
Vasco
Pereira da Silva, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, 2ª
edição atualizada, Coimbra, Almedina, 2009, pp. 377-78
[3] Vasco Pereira da
Silva, , op cit, pp. 378-79
[5]
Posição
adotada por Sérvulo Correia, cfr. Sérvulo Correia, Les limites au pouvoir
d’injonction du juge administratif portugais in: Sérvulo Correia, Bernardo
Diniz de Ayala, Rui Medeiros, Estudos de Direito Processual Administrativo,
Lex, Lisboa, 2002, pp. 171-72.
[6]
Conceção
defendida por Vasco Pereira da Silva, cfr. O contencioso A. como “D.C.C” ou
“ainda por C” in «ventos de M. no C.A», pp. 92
[8]
Cfr. António Fermiano Rato, Contencioso administrativo: novo regime explicado e
anotado, Coimbra, Almedina, 2004, pp. 236-37
[9] Deve
entender-se que o artigo 66º CPTA derrogou parcialmente o artigo 109º, nº1 CPA,
na parte que reconhece ao interessado a faculdade de presumir o indeferimento,
a fim de recorrer ao meio processual de impugnação do ato de indeferimento.
[10] Mário Aroso de
Almeida, Manual de Processo Administrativo, Reimpressão, Coimbra, Almedina,
2013, pp. 90
[11] De notar que
esta ideia de conceção ampla do objeto processual é contraposta à ideia de que
o objeto do processo não se pode limitar à noção de pedido imediato, esquecendo
o pedido mediato e a causa de pedir. Pois que pedido e causa de pedir são verso
e reverso do mesma moeda. Cfr. Vasco Pereira da Silva, op cit, pp.383
[12] Para Mário Aroso
de Almeida quando exista um ato de indeferimento, o processo não deixa de ter
cariz impugnatório, tratando-se de uma impugnação de plena jurisdição. Para
mais desenvolvimentos: cfr. Mário Aroso de Almeida, op cit, pp.91-92
[14]
O autor,
pese embora saliente o recurso à técnica legislativa de repetição, considera
aceitável tal reiteração atentando à circunstância de as ações de condenação
tratarem de tutelar a posição subjetiva do autor. Cfr. Vasco Pereira da
Silva, op cit, pp.387-88.
[15] Tendo
em conta a extensão do presente trabalho, não é possível desenvolver a matéria
relativa às situações em que o requisito da apresentação prévia de requerimento
é dispensado. Assim, importa remeter para as lições de Mário Aroso de Almeida.
Cfr. Mário Aroso de Almeida, op cit, pp. 316-20.
[16]
Vasco
Pereira da Silva, pese embora considere justificável a inserção de regras
especificas sobre a legitimidade nas ações especiais de condenação à prática de
ato devido, critica o modo disperso de inserção sistemática, defendendo que
seria preferível tratar a matéria de forma unitária, reunido as regras gerais e
especiais num único preceito. Cfr. Vasco Pereira da Silva, op cit, pp. 402-03.
[17]
A
fim de aprofundar esta ideia, cfr. Mário Aroso de Almeida, op cit, pp. 246-47.
[19]
Neste
sentido também Aroso de Almeida, considerando a existência de analogia entre os
artigos 69º, n.º2 e 58º, n.º2, al. b), defendendo a aplicação analógica do
artigo 58º, n.1. Cfr. Mário Aroso de Almeida, op cit, pp.334
[20]
José Vieira
de Andrade, A Justiça Administrativa (Lições), 12ª edição, Coimbra, Almedina,
2012, pp. 210-11
[21] José Vieira de
Andrade, op cit, pp. 211
[23]
Vasco
Pereira da Silva, op cit, pp. 389
[24]
Excluindo-se, necessariamente, qualquer julgamento relativo à conveniência e
oportunidade da atuação da A.P (artigo 3º, n.º1, in fine)
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