No
cumprimento do estabelecido no artigo 268º nº 4 da Constituição da República
Portuguesa, doravante CRP, introduzido pela revisão constitucional de 1997, surgiu
a necessidade de criação de um pedido em sede administrativa, de forma a
proteger a tutela jurisdicional efetiva dos cidadãos aí enunciada.
Nos
termos do artigo 66º do Código de Procedimento dos Tribunais Administrativos,
(CPTA), o pedido servirá para a obtenção de condenação da entidade
administrativa competente, à prática de um ato administrativo devido, isto é,
um ato que deveria ter sido emitido e não aconteceu.
O
particular ao dirigir-se ao tribunal pretende que o órgão jurisdicional
reconheça a existência de um direito ou interesse legalmente protegido,
obrigando a administração à prática do ato devido.
A
opção do legislador foi a de compreender a condenação da administração à
pratica do ato devido, na ação administrativa especial, apesar da discricionariedade
permitida pelos ditames constitucionais.
Importa
saber em que circunstância pode o instituto figurar.
De
acordo com a previsão do artigo 67º CPTA esta figura terá aplicação em três
situações distintas
i. Tendo sido
apresentado requerimento que constitua o órgão competente no dever de decidir,
não tenha sido proferida decisão dentro do prazo legalmente estabelecido;
ii. Tenha sido
recusada a prática do ato devido;
iii. Tenha sido
recusada a apreciação de requerimento dirigido à prática de ato.
A
situação prevista no primeiro ponto aqui apresentado prende-se necessariamente
com uma questão de uma omissão praticada pela administração.
Corresponde
à situação que até aqui seria considerada de um indeferimento tácito.
Atualmente
a figura do indeferimento tácito encontra-se revogada e por tal não terá
aplicação na questão em apreço.
Todavia
discute-se nos nossos dias se não estaria aqui em causa um afloramento de um
deferimento tácito, figura que ainda se encontra em vigor.
Deste
já, perfilhando o entendimento de Mário Aroso de Almeida, a figura do
deferimento tácito não teria aqui aplicação, visto que esta é, por conseguinte,
uma situação que postula apenas nos casos expressamente previstos por lei, onde
esta reconhece que a pretensão apresentada pelo requerente está de acordo com
os ditames do nosso ordenamento jurídico, atribuindo à passividade do órgão o
significado de aceder o pedido.
Em
situações de deferimento tácito, como ensina Mário Aroso de Almeida, “não há
lugar para a propositura de uma ação de condenação à prática de ato omitido,
pelo simples motivo de que a produção desse ato já resultou da lei”.[1]
Fora
destes casos, tratar-se-á de uma omissão pura e simples, um mero facto
constitutivo do interesse de agir para a obtenção de uma condenação da administração.
No
segundo ponto apresentado, refere-se a recusa expressa da prática do ato
devido.
Desta
forma pretendeu-se que a reação contra atos de indeferimento não fosse
meramente um processo de anulação ou declaração de nulidade, mas sim um
processo de condenação.
A
pronuncia por parte do tribunal de condenação da administração, resulta por si
só, na eliminação do ato de indeferimento, artigo 66º nº2 CPTA.
A
terceira situação enunciada prende-se com a recusa da própria apreciação do
requerimento dirigido à prática do ato.
Esta
situação compreende no entendimento da doutrina duas sub-hipóteses.
A
primeira verifica-se visto que a recusa de apreciação pode ocorrer devido a
motivos formais, e a segunda devido a motivos que requerem a formulação de
juízos valorativos quanto à decisão.
O
artigo 69º CPTA rege os prazos na matéria em questão.
O
prazo é de um ano, em caso de omissão, contado desde o termo do prazo legal
estabelecido para a emissão do ato.
Em
caso de indeferimento o prazo fixado é de três meses, estabelece-se aqui um
prazo igual a fixado para a impugnação de atos pelos interessados.
Todavia
no entendimento de Vieira de Almeida se “a razão de ser para esse prazo for o
respeito pela estabilidade do ato administrativo, em rigor, não deveria valer
quando o ato fosse nulo.”[2]
Nos
casos de recusa de apreciação que não são expressamente referidos na lei, deve
valer aqui o prazo geral de um ano, visto que não se formou um ato
administrativo, não houve uma decisão de fundo.
Questão
crucial na exposição do instituto do pedido de condenação à prática do ato
devido é a da delimitação dos poderes de pronúncia do juiz, regido no artigo 71º
CPTA.[3]
Cabe
ao tribunal o direito e o dever de salvaguardar a ordem jurídica.
Deve
esclarecer-se à partida que a exclusão da possibilidade de existência de
discricionariedade de ação postula a base deste pedido.
Isto
é, ou nos encontramos perante uma situação que a administração se encontra
vinculada na sua atividade, ou a discricionariedade existente trata-se de uma
discricionariedade de escolha e nunca de ação.
Para
que haja condenação, a recusa ou omissão têm necessariamente de ser ilegais,
isto é, existe vinculação quanto à oportunidade de prática do ato.
No
quadro dos seus poderes de pronúncia o juiz terá que lidar com duas situações
distintas: uma primeira onde a atividade da administração está vinculada, e uma
segunda, onde a atuação daquela é transitada pelo poder de discricionariedade
de escolha.
Quanto
à atuação administrativa vinculada, esta pode erguer-se nos casos em que a lei
determina o conteúdo do ato a praticar, ou nos casos em que apesar da
existência de norma que não exige a vinculação, face ao caso concreto, é certo
que apenas uma poderá ser a opção, a chamada redução da discricionariedade a
zero.
Nestes
casos o tribunal terá que indicar o ato devido a ser praticado pela
administração.
Nos
demais casos, isto é onde encontre uma certa discricionariedade de escolha pela
administração, deve o tribunal explicitar as vinculações a observar pela
administração na emissão do ato devido sem precisar o sentido da decisão a
tomar.
Torna-se
claro que o espaço de intervenção do juiz deva ser menor face à situação
explicitada anteriormente.
Todavia
em ambos os casos o juiz está obrigado a proceder a uma apreciação material do
caso. (Artigo 71º nº 1 CPTA).
No
ação de condenação da administração à prática de ato devido, pode ainda o
particular fazer-se valer de alguns instrumentos de forma a ver as suas
pretensões atendidas.
Nomeadamente,
nos termos do artigo 66º nº 3 CPTA, prevê-se a possibilidade, de logo em fase
declarativa, o juiz impor sanção pecuniária compulsória com finalidade
preventiva contra o incumprimento administrativo da sentença.
Por
fim, quanto à possibilidade de condenação judicial da administração na prática
de um ato administrativo, como não poderia deixar de acontecer, discute-se na
doutrina qual o papel do princípio da separação de poderes nesta matéria.
Cabe-nos
referir que a ideia de interferência deve ser ultrapassada na medida em que de
acordo com a evolução dos tempos cada vez mais a entre ajuda entre poderes,
concretiza as necessidades ditadas pela sociedade.
Como
ensina Sérvulo Correia, “o ponto de interseção entre separação de poderes e
justiça administrativa não reside, consequentemente, na forma jurídica, mas
antes no conteúdo material da injunção. O que há a determinar é o plano a
partir do qual a injunção deixa de revelar a função jurisdicional”.
Bibliografia
Pereira
da Silva, Vasco, O Contencioso
Administrativo do Divã da Psicanálise
Portocarrero,
Maria Francisca, Reflexões sobre os
poderes de pronúncia do Tribunal num raro meio contencioso – Ação para a
determinação da prática de ato administrativo legalmente devido- Na sua
configuração no art.º 71º do CPTA
Calçada
Pires, Rita, O Pedido de Condenação à
Prática de Ato Administrativo Legalmente Devido
Rosa
Lã Pais Proença, André, As Duas Faces da
Condenação à Prática de Ato Devido
Aroso
de Almeida, Mário, O Novo Regime do
Processo nos Tribunais Administrativos
Vieira
de Andrade, José Carlos, A Justiça
Administrativa
Rebelo
de Sousa, Marcelo, Reforma do Contencioso
Administrativo, páginas 169 a 182, Ação Para a Determinação da Prática do Ato
Administrativo Legalmente Devido
Laura Sofia Mendes Tique
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