domingo, 1 de dezembro de 2013

Poderes do Juiz na Ação de Condenação da Administração à Prática do Ato Administrativo Devido

No cumprimento do estabelecido no artigo 268º nº 4 da Constituição da República Portuguesa, doravante CRP, introduzido pela revisão constitucional de 1997, surgiu a necessidade de criação de um pedido em sede administrativa, de forma a proteger a tutela jurisdicional efetiva dos cidadãos aí enunciada.
Nos termos do artigo 66º do Código de Procedimento dos Tribunais Administrativos, (CPTA), o pedido servirá para a obtenção de condenação da entidade administrativa competente, à prática de um ato administrativo devido, isto é, um ato que deveria ter sido emitido e não aconteceu.
O particular ao dirigir-se ao tribunal pretende que o órgão jurisdicional reconheça a existência de um direito ou interesse legalmente protegido, obrigando a administração à prática do ato devido.
A opção do legislador foi a de compreender a condenação da administração à pratica do ato devido, na ação administrativa especial, apesar da discricionariedade permitida pelos ditames constitucionais.
Importa saber em que circunstância pode o instituto figurar.
De acordo com a previsão do artigo 67º CPTA esta figura terá aplicação em três situações distintas
i.         Tendo sido apresentado requerimento que constitua o órgão competente no dever de decidir, não tenha sido proferida decisão dentro do prazo legalmente estabelecido;
ii.          Tenha sido recusada a prática do ato devido;
iii.         Tenha sido recusada a apreciação de requerimento dirigido à prática de ato.
A situação prevista no primeiro ponto aqui apresentado prende-se necessariamente com uma questão de uma omissão praticada pela administração.
Corresponde à situação que até aqui seria considerada de um indeferimento tácito.
Atualmente a figura do indeferimento tácito encontra-se revogada e por tal não terá aplicação na questão em apreço.
Todavia discute-se nos nossos dias se não estaria aqui em causa um afloramento de um deferimento tácito, figura que ainda se encontra em vigor.
Deste já, perfilhando o entendimento de Mário Aroso de Almeida, a figura do deferimento tácito não teria aqui aplicação, visto que esta é, por conseguinte, uma situação que postula apenas nos casos expressamente previstos por lei, onde esta reconhece que a pretensão apresentada pelo requerente está de acordo com os ditames do nosso ordenamento jurídico, atribuindo à passividade do órgão o significado de aceder o pedido.
Em situações de deferimento tácito, como ensina Mário Aroso de Almeida, “não há lugar para a propositura de uma ação de condenação à prática de ato omitido, pelo simples motivo de que a produção desse ato já resultou da lei”.[1]
Fora destes casos, tratar-se-á de uma omissão pura e simples, um mero facto constitutivo do interesse de agir para a obtenção de uma condenação da administração.
No segundo ponto apresentado, refere-se a recusa expressa da prática do ato devido.
Desta forma pretendeu-se que a reação contra atos de indeferimento não fosse meramente um processo de anulação ou declaração de nulidade, mas sim um processo de condenação.
A pronuncia por parte do tribunal de condenação da administração, resulta por si só, na eliminação do ato de indeferimento, artigo 66º nº2 CPTA.
A terceira situação enunciada prende-se com a recusa da própria apreciação do requerimento dirigido à prática do ato.
Esta situação compreende no entendimento da doutrina duas sub-hipóteses.
A primeira verifica-se visto que a recusa de apreciação pode ocorrer devido a motivos formais, e a segunda devido a motivos que requerem a formulação de juízos valorativos quanto à decisão.
O artigo 69º CPTA rege os prazos na matéria em questão.
O prazo é de um ano, em caso de omissão, contado desde o termo do prazo legal estabelecido para a emissão do ato.
Em caso de indeferimento o prazo fixado é de três meses, estabelece-se aqui um prazo igual a fixado para a impugnação de atos pelos interessados.
Todavia no entendimento de Vieira de Almeida se “a razão de ser para esse prazo for o respeito pela estabilidade do ato administrativo, em rigor, não deveria valer quando o ato fosse nulo.”[2]
Nos casos de recusa de apreciação que não são expressamente referidos na lei, deve valer aqui o prazo geral de um ano, visto que não se formou um ato administrativo, não houve uma decisão de fundo.
Questão crucial na exposição do instituto do pedido de condenação à prática do ato devido é a da delimitação dos poderes de pronúncia do juiz, regido no artigo 71º CPTA.[3]
Cabe ao tribunal o direito e o dever de salvaguardar a ordem jurídica.
Deve esclarecer-se à partida que a exclusão da possibilidade de existência de discricionariedade de ação postula a base deste pedido.
Isto é, ou nos encontramos perante uma situação que a administração se encontra vinculada na sua atividade, ou a discricionariedade existente trata-se de uma discricionariedade de escolha e nunca de ação.
Para que haja condenação, a recusa ou omissão têm necessariamente de ser ilegais, isto é, existe vinculação quanto à oportunidade de prática do ato.
No quadro dos seus poderes de pronúncia o juiz terá que lidar com duas situações distintas: uma primeira onde a atividade da administração está vinculada, e uma segunda, onde a atuação daquela é transitada pelo poder de discricionariedade de escolha.
Quanto à atuação administrativa vinculada, esta pode erguer-se nos casos em que a lei determina o conteúdo do ato a praticar, ou nos casos em que apesar da existência de norma que não exige a vinculação, face ao caso concreto, é certo que apenas uma poderá ser a opção, a chamada redução da discricionariedade a zero.
Nestes casos o tribunal terá que indicar o ato devido a ser praticado pela administração.
Nos demais casos, isto é onde encontre uma certa discricionariedade de escolha pela administração, deve o tribunal explicitar as vinculações a observar pela administração na emissão do ato devido sem precisar o sentido da decisão a tomar.
Torna-se claro que o espaço de intervenção do juiz deva ser menor face à situação explicitada anteriormente.
Todavia em ambos os casos o juiz está obrigado a proceder a uma apreciação material do caso. (Artigo 71º nº 1 CPTA).
No ação de condenação da administração à prática de ato devido, pode ainda o particular fazer-se valer de alguns instrumentos de forma a ver as suas pretensões atendidas.
Nomeadamente, nos termos do artigo 66º nº 3 CPTA, prevê-se a possibilidade, de logo em fase declarativa, o juiz impor sanção pecuniária compulsória com finalidade preventiva contra o incumprimento administrativo da sentença.
Por fim, quanto à possibilidade de condenação judicial da administração na prática de um ato administrativo, como não poderia deixar de acontecer, discute-se na doutrina qual o papel do princípio da separação de poderes nesta matéria.
Cabe-nos referir que a ideia de interferência deve ser ultrapassada na medida em que de acordo com a evolução dos tempos cada vez mais a entre ajuda entre poderes, concretiza as necessidades ditadas pela sociedade.
Como ensina Sérvulo Correia, “o ponto de interseção entre separação de poderes e justiça administrativa não reside, consequentemente, na forma jurídica, mas antes no conteúdo material da injunção. O que há a determinar é o plano a partir do qual a injunção deixa de revelar a função jurisdicional”.




Bibliografia


Pereira da Silva, Vasco, O Contencioso Administrativo do Divã da Psicanálise

Portocarrero, Maria Francisca, Reflexões sobre os poderes de pronúncia do Tribunal num raro meio contencioso – Ação para a determinação da prática de ato administrativo legalmente devido- Na sua configuração no art.º 71º do CPTA

Calçada Pires, Rita, O Pedido de Condenação à Prática de Ato Administrativo Legalmente Devido

Rosa Lã Pais Proença, André, As Duas Faces da Condenação à Prática de Ato Devido

Aroso de Almeida, Mário, O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos

Vieira de Andrade, José Carlos, A Justiça Administrativa

Rebelo de Sousa, Marcelo, Reforma do Contencioso Administrativo, páginas 169 a 182, Ação Para a Determinação da Prática do Ato Administrativo Legalmente Devido




Laura Sofia Mendes Tique




[1] O Novo regime do Processo dos Tribunais Administrativos
[2] A Justiça Administrativa
[3] Veja-se a propósito o Acórdão do STA de 30 de Março de 2012

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