sábado, 30 de novembro de 2013

Normas regulamentares: em especial a sua impugnação no ‘antes’ e no ‘depois’ da reforma do Contencioso Administrativo



Afigura-se, desde logo, importante definir o conceito de regulamento administrativo para efeitos processuais de modo a entender-se o tema em causa. Refere MARCELO REBELO DE SOUSA que, segundo orientação do artigo 120º do Código do Procedimento Administrativo[1], o regulamento administrativo surge como um acto positivo, imaterial e unilateral emitido por um órgão administrativo ao abrigo de normas de Direito Público visando a produção de efeitos jurídicos em situações gerais e abstractas, trata-se de um acto normativo. VASCO PEREIRA DA SILVA considera como regulamento administrativo as disposições unilaterais que sejam gerais ou abstractas, distinguindo-o do acto administrativo. Enquanto forma da actividade administrativa, os regulamentos administrativos são submetidos ao princípio da legalidade dirigindo à questão dos regulamentos serem susceptíveis de impugnação contenciosa em determinadas situações permitindo aos tribunais declarar a sua ilegalidade com força obrigatória geral, nos termos dos artigo 268º, nº 5 da Constituição da República Portuguesa[2] e artigo 72º e seguintes do Código de Processo dos Tribunais Administrativos[3]. Acrescenta este último professor, que a impugnação de normas administrativas abarca todas as situações jurídicas que se apresentem como gerais e abstractas (ou que se apresentem com apenas uma dessas características) quando emanadas de autoridades publicas ou de particulares colaboradores com estas no exercício da função administrativa. Exclui-se, por esta razão, a impugnação, nestes termos, dos actos administrativos ainda que contidos em diploma regulamentar.

Encontra-se, precisamente nestes artigos 72º e seguintes, as disposições relativas á impugnação de normas e declaração de ilegalidade por omissão, podendo ler-se o seguinte: A impugnação de normas no contencioso administrativo tem por objecto a declaração da ilegalidade de normas emanadas ao abrigo de disposições de direito administrativo, por vícios próprios ou derivados da invalidade de actos praticados no âmbito do respectivo procedimento de aprovação.[4]

Se, anteriormente à reforma do Contencioso Administrativo de 1985, a reacção contenciosa contra regulamentos administrativos se fazia (apenas) por três meios distintos - refira-se a via incidental, o meio processual genérico e o meio processual especial - esta era marcada pela ideia de dualidade de meios processuais associada a uma esquizofrenia de diferentes requisitos apresentado para cada um meios enunciados indiciando, ainda, um âmbito de aplicação parcialmente sobreposto. No primeiro meio o regulamento era apreciado indirectamente como incidente da questão principal pelo que o resultado seria sempre a anulação do acto administrativo em si, acompanhada da não aplicação do regulamento ao caso concreto; o segundo meio reportava-se à declaração de ilegalidade de normas administrativas, utilizável contra qualquer norma regulamentar desde que se se tratasse de uma norma exequível por si mesma ou de já ter dito julgada ilegal em três casos concretos; o terceiro meio referia-se à impugnação de normas sendo que o seu âmbito de aplicação era limitado, uma vez que respeitava apenas aos regulamentos provenientes da administração local. 

Por meio da reforma, VASCO PEREIRA DA SILVA enuncia duas principais orientações a reter sobre o actual regime da impugnação das normas regulamentares. A primeira orientação prende-se com o a uniformização do regime jurídico do contencioso regulamentar, acabando-se com a referida dualidade de meios processuais, surgindo uma subespécie da acção administrativa especial em razão do pedido de impugnação de normas jurídicas. A segunda orientação vai no sentido do estabelecimento de um regime uniforme padronizando o antigo meio processual genérico com devidas alterações e restrições face aos requisitos de apreciação das normas regulamentares, onde agora se inclui igualmente a legitimidade, distinguindo o legislador três regras: 1) a regra geral é a de que a declaração de ilegalidade depende da existência de três casos concretos nos termos previstos pelo artigo 73º, nº1[5] CPTA; 2) em relação à acção pública, o Ministério Público pode pedir a referida ilegalidade nos termos do artigo 73º, nº3[6], denotando-se uma maior intervenção podendo impugnar normas jurídicas de eficácia imediata, assim como aquelas que dependam de acto administrativo ou jurisdicional de execução; 3) respeitando à acção para defesa de direitos e à acção popular, a declaração de ilegalidade também existe quando esteja em causa uma norma jurídica imediatamente exequível produzindo, contudo, efeitos apenas no caso concreto à luz do artigo 73º, nº2[7]. VASCO PEREIRA DA SILVA critica a formulação da disposição do artigo podendo esta criar confusão quanto à desaplicação da norma com a declaração de ilegalidade. 

Refira-se, em consequência, nas palavras de VIEIRA DE ANDRADE que existem duas modalidades de impugnação de normas uma vez que parece admissível a formulação de dois tipos de pedidos: 1) pedido de declaração de ilegalidade com força obrigatória geral e 2) pedido de declaração de ilegalidade no caso concreto, criticando-se esta nova modalidade tanto a nível lógico como constitucional.


Bibliografia:
SILVA, Vasco Pereira, O contencioso administrativo no divã da psicanálise - Ensaios sobre as acções no novo processo administrativo; Almedina; 2ºed, 2009, p. 411- 430.
REBELO DE SOUSA, Marcelo e SALGADO MATOS, André, Direito Administrativo Geral – Actividade administrativa, Tomo III, 2ª Ed., D. Quixote, 2009
ANDRADE, José Carlos Vieira, A justiça Administrativa, Almedina, 11º ed, 2011, p. 219


[1] Doravante, CPA.
[2] Seguidamente, CRP.
[3] De ora em diante, CPTA.
[4] Artigo 72º, nº1 do CPTA.
[5] Artigo 73º, nº 1: A declaração de ilegalidade com força obrigatória geral pode ser pedida por quem seja prejudicado pela aplicação da norma ou possa previsivelmente vir a sê-lo em momento próximo, desde que a aplicação da norma tenha sido recusada por qualquer tribunal, em três casos concretos, com fundamento na sua ilegalidade.
[6]  Artigo 73º, nº 3: O Ministério Público, oficiosamente ou a requerimento de qualquer das entidades referidas no n.º 2 do artigo 9.º, com a faculdade de estas se constituírem como assistentes, pode pedir a declaração de ilegalidade com força obrigatória geral, sem necessidade da verificação da recusa de aplicação em três casos concretos a que se refere o n.º 1
[7]  Artigo 73º, nº 2: Sem prejuízo do disposto no número anterior, quando os efeitos de uma norma se produzam imediatamente, sem dependência de um acto administrativo ou jurisdicional de aplicação, o lesado ou qualquer das
entidades referidas no n.º 2 do artigo 9.º pode obter a desaplicação da norma pedindo a declaração da sua legalidade com efeitos circunscritos ao caso concreto.


 Cátia Isabel de Matos
nº 19553

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