Afigura-se, desde
logo, importante definir o conceito de regulamento administrativo para efeitos
processuais de modo a entender-se o tema em causa. Refere MARCELO REBELO DE
SOUSA que, segundo orientação do artigo 120º do Código do Procedimento Administrativo[1], o regulamento administrativo
surge como um acto positivo, imaterial e unilateral emitido por um órgão
administrativo ao abrigo de normas de Direito Público visando a produção de
efeitos jurídicos em situações gerais e abstractas, trata-se de um acto
normativo. VASCO PEREIRA DA SILVA considera como regulamento administrativo as
disposições unilaterais que sejam gerais ou abstractas, distinguindo-o do acto
administrativo. Enquanto forma da actividade administrativa, os regulamentos
administrativos são submetidos ao princípio da legalidade dirigindo à questão dos
regulamentos serem susceptíveis de impugnação contenciosa em determinadas
situações permitindo aos tribunais declarar a sua ilegalidade com força
obrigatória geral, nos termos dos artigo 268º, nº 5 da Constituição da República
Portuguesa[2] e artigo 72º e seguintes do Código
de Processo dos Tribunais Administrativos[3]. Acrescenta este último
professor, que a impugnação de normas administrativas abarca todas as situações
jurídicas que se apresentem como gerais e abstractas (ou que se apresentem com
apenas uma dessas características) quando emanadas de autoridades publicas ou
de particulares colaboradores com estas no exercício da função administrativa.
Exclui-se, por esta razão, a impugnação, nestes termos, dos actos
administrativos ainda que contidos em diploma regulamentar.
Encontra-se,
precisamente nestes artigos 72º e seguintes, as disposições relativas á
impugnação de normas e declaração de ilegalidade por omissão, podendo ler-se o
seguinte: A impugnação de normas no contencioso administrativo tem por objecto a
declaração da ilegalidade de normas emanadas ao abrigo de disposições de
direito administrativo, por vícios próprios ou derivados da invalidade de actos
praticados no âmbito do respectivo procedimento de aprovação.[4]
Se, anteriormente à
reforma do Contencioso Administrativo de 1985, a reacção contenciosa contra
regulamentos administrativos se fazia (apenas) por três meios distintos -
refira-se a via incidental, o meio processual genérico e o meio processual
especial - esta era marcada pela ideia de dualidade de meios processuais
associada a uma esquizofrenia de diferentes requisitos apresentado para cada um
meios enunciados indiciando, ainda, um âmbito de aplicação parcialmente
sobreposto. No primeiro meio o regulamento era apreciado indirectamente como
incidente da questão principal pelo que o resultado seria sempre a anulação do
acto administrativo em si, acompanhada da não aplicação do regulamento ao caso
concreto; o segundo meio reportava-se à declaração de ilegalidade de normas
administrativas, utilizável contra qualquer norma regulamentar desde que se se
tratasse de uma norma exequível por si mesma ou de já ter dito julgada ilegal
em três casos concretos; o terceiro meio referia-se à impugnação de normas
sendo que o seu âmbito de aplicação era limitado, uma vez que respeitava apenas
aos regulamentos provenientes da administração local.
Por meio da reforma, VASCO
PEREIRA DA SILVA enuncia duas principais orientações a reter sobre o actual
regime da impugnação das normas regulamentares. A primeira orientação prende-se
com o a uniformização do regime jurídico do contencioso regulamentar,
acabando-se com a referida dualidade de meios processuais, surgindo uma
subespécie da acção administrativa especial em razão do pedido de impugnação de
normas jurídicas. A segunda orientação vai no sentido do estabelecimento de um
regime uniforme padronizando o antigo meio processual genérico com devidas
alterações e restrições face aos requisitos de apreciação das normas
regulamentares, onde agora se inclui igualmente a legitimidade, distinguindo o
legislador três regras: 1) a regra
geral é a de que a declaração de ilegalidade depende da existência de três
casos concretos nos termos previstos pelo artigo 73º, nº1[5] CPTA; 2) em relação à acção pública, o Ministério Público pode pedir a
referida ilegalidade nos termos do artigo 73º, nº3[6], denotando-se uma maior
intervenção podendo impugnar normas jurídicas de eficácia imediata, assim como
aquelas que dependam de acto administrativo ou jurisdicional de execução; 3) respeitando à acção para defesa de
direitos e à acção popular, a declaração de ilegalidade também existe quando
esteja em causa uma norma jurídica imediatamente exequível produzindo, contudo,
efeitos apenas no caso concreto à luz do artigo 73º, nº2[7].
VASCO PEREIRA DA SILVA critica a formulação da disposição do artigo podendo
esta criar confusão quanto à desaplicação da norma com a declaração de
ilegalidade.
Refira-se, em
consequência, nas palavras de VIEIRA DE ANDRADE que existem duas modalidades de
impugnação de normas uma vez que parece admissível a formulação de dois tipos
de pedidos: 1) pedido de declaração
de ilegalidade com força obrigatória geral e 2) pedido de declaração de ilegalidade no caso concreto,
criticando-se esta nova modalidade tanto a nível lógico como constitucional.
Bibliografia:
SILVA,
Vasco Pereira, O contencioso administrativo
no divã da psicanálise - Ensaios sobre as acções no novo processo administrativo;
Almedina; 2ºed, 2009, p. 411- 430.
REBELO
DE SOUSA, Marcelo e SALGADO MATOS, André, Direito
Administrativo Geral – Actividade administrativa, Tomo III, 2ª Ed., D.
Quixote, 2009
ANDRADE,
José Carlos Vieira, A justiça Administrativa, Almedina, 11º ed, 2011, p. 219
[1] Doravante, CPA.
[2] Seguidamente, CRP.
[3] De ora em diante, CPTA.
[4] Artigo 72º, nº1 do CPTA.
[5]
Artigo 73º, nº 1: A declaração de ilegalidade com força
obrigatória geral pode ser pedida por quem seja prejudicado pela aplicação da
norma ou possa previsivelmente vir a sê-lo em momento próximo, desde que a
aplicação da norma tenha sido recusada por qualquer tribunal, em três casos
concretos, com fundamento na sua ilegalidade.
[6] Artigo 73º, nº 3: O Ministério Público, oficiosamente ou a
requerimento de qualquer das entidades referidas no n.º 2 do artigo 9.º, com a
faculdade de estas se constituírem como assistentes, pode pedir a declaração de
ilegalidade com força obrigatória geral, sem necessidade da verificação da
recusa de aplicação em três casos concretos a que se refere o n.º 1
[7] Artigo 73º, nº 2: Sem prejuízo do
disposto no número anterior, quando os efeitos de uma norma se produzam
imediatamente, sem dependência de um acto administrativo ou jurisdicional de
aplicação, o lesado ou qualquer das
entidades
referidas no n.º 2 do artigo 9.º pode obter a desaplicação da norma pedindo a
declaração da sua legalidade com efeitos circunscritos ao caso concreto.
Cátia Isabel de Matos
nº 19553
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