sábado, 30 de novembro de 2013

A execução de sentenças na Psicanalise dos Tribunais Administrativos


A execução de sentenças na Psicanalise dos Tribunais Administrativos

 

A obtenção, pela via judicial, das providências materiais necessárias à concretização no plano dos factos, daquilo que foi juridicamente determinado pelo tribunal no Processo Declarativo, dá-se através do Processo Executivo.

O cumprimento de sentenças dos tribunais administrativos está consagrado no Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), nos artigos 157º a 179º. Esta solução atual, que a referida previsão normativa nos dá, trilhou um longo e moroso percurso, com regimes que em nada ajudavam os particulares a concretizar as suas pretensões.

Ate à década de 1970, em caso de impossibilidade de execução de uma sentença de um tribunal administrativo pela Administração Pública, conjeturava-se a sua impossibilidade. Como se já não bastasse, o Governo podia escolher a forma de execução que fosse menos penosa para o erário público.

O Decreto-Lei nº 256-A/77, que esteve em vigor até 2004, foi na sua época um impulso significativo no que dizia respeito ao cumprimento efetivo das sentenças de tribunais administrativos. Apesar disto, a execução de sentenças continuou a ser deveras limitada, devido a fatores vários, entre eles: a ausência de um verdadeiro processo executivo; a relativa inefetividade do processo em caso de inexecução ilícita[1]; o contexto do sistema de justiça administrativa no que respeita aos meios de acesso aos tribunais; a obrigatoriedade enfraquecida típica das sentenças anulatórias.

Assim, verificamos que os meios de execução de sentenças, apesar de estarem consagrados, eram impraticáveis. Nas palavras do Professor Freitas do Amaral: “Não é possível, nem ao particular, nem ao tribunal, em hipótese limite, usar da força pública contra a Administração. Não é possível ao tribunal administrativo requisitar a P.S.P. para a mandar executar uma sentença contra o Ministro da Administração Interna, que é o superior hierárquico daquela polícia”[2]

Orientando-se pelo princípio da tutela jurisdicional efetiva dos direitos dos particulares, trazido pela reforma de 2004, alterou-se significativamente o regime da execução das sentenças.

Este princípio, ínsito na parte relativa aos direitos fundamentais dos cidadãos está confirmado, em termos genéricos, no artigo 20.º e no artigo 268.º n.º 4 da Constituição da República Portuguesa (CRP), onde é mais esmiuçado a propósito dos direitos e garantias dos administrados.

No CPTA, o artigo 2º alberga este principio e dá-lhe uma dimensão mais ampla e subjetiva, em sede de processo administrativo, visto que no seu n.º 1 insere o “direito de obter, em prazo razoável, uma decisão que aprecie, com força de caso julgado, cada pretensão regularmente deduzida em juízo, bem como a possibilidade de a fazer executar e de obter as providencias cautelares, antecipatórias ou conservatórias, destinadas a assegurar o efeito útil da decisão”. E, no seu n.º 2, reafirma que “a todo o direito ou interesse legalmente protegido corresponde a tutela adequada junto dos tribunais administrativos”, indicando depois as diversas formas de tutela considerada.

Quanto ao conceito de execução podemos atender a uma doutrina que norteia este conceito: A doutrina processualista.

Esta doutrina observa que a palavra execução pode ser empregue com um de dois sentidos diferentes: o sentido de execução voluntária e o sentido de execução forçada.

Atendendo ao primeiro sentido, a execução será a atividade pela qual o sujeito, contra quem a sentença foi proferida, cumpre voluntariamente, ele próprio, a decisão tomada na sentença. Já no que toca ao segundo sentido, a execução será a atividade pela qual o Estado, através do seu poder, impõe de forma coerciva o disposto na sentença, mesmo sem ou contra a vontade do sujeito por ela desfavorecido. Nas duas hipóteses, trata-se de exteriorizar a realização efetiva da decisão tomada na sentença.

Pela escassíssima importância da execução forçada em direito administrativo compreende-se o enorme relevo que assume o acatamento voluntário das sentenças dos tribunais administrativos, pela administração.

No que diz respeito às sentenças e à sua execução à luz do atual CPTA, cabe-nos dizer que as referidas sentenças de tribunais administrativos, que consubstanciam uma condenação, podem ser executadas. Todavia, no seio do processo administrativo, a doutrina e a lei perfilham um conceito amplo de execução, que inclui as diversas modalidades de cumprimento espontâneo ou voluntário da sentença. Neste ponto o Professor Diogo Freitas do Amaral acentua as “limitações de uma execução forçada no processo administrativo, no caso de serem as autoridades exequendas que detêm o poder de coagir".[3]

O tribunal competente, para a execução de uma sentença, é o tribunal de círculo, onde a causa foi julgada, mesmo que esta sentença a executar tenha sido proferida por um tribunal hierarquicamente superior. Isto porque o preceituado no artigo 161.º n.º 4 do CPTA, é alvo de uma interpretação de tipo sistemática e influenciada pelo artigo 90.º e seguintes, do mesmo diploma.

Quanto ao pressuposto processual da legitimidade, este não está consagrado no CPTA. Existe apenas uma referência muito genérica ao conceito de "interessado", que aponta para a legitimidade passiva dos contra interessados, no seio da execução da sentença anulatória (conforme artigo 177.º n.º1 do CPTA). Daqui pode concluir-se que a legitimidade pertence, sem qualquer dúvida, às partes que ganham a causa. Todavia, alguma doutrina estende a legitimidade a qualquer pessoa, desde que tenha um interesse direto nessa execução e a sentença produza efeitos erga omnes.

Quanto ao preciso momento em que a sentença passa a ter força executiva, o artigo 160.º n.º1 do CPTA dispõe, de forma idêntica ao processo civil [4], que as sentenças adquirem força executiva depois do respetivo trânsito em julgado. Com isto, chegamos à conclusão que a regra geral, quanto aos recursos, é o seu efeito suspensivo da sentença. Porém, a conferir efeito meramente devolutivo ao recurso, o artigo 143.º do CPTA dispõe que a sentença irá adquirir força executiva própria desde a sua pronúncia.

O CPTA enuncia três formas de ação executiva, a saber: a execução para a prestação de factos ou de coisas; a execução para pagamento de quantia certa; e a execução de sentenças de anulação de atos administrativos. Quanto a primeira forma, prevista nos artigos 162.º a 169.º do CPTA, cabe-nos dizer que existem algumas especialidades, caso se trate de factos fungíveis ou infungíveis. Aos primeiros, quando não haja execução voluntária, a execução sub-rogatória pode ser conferida ao titular do órgão hierarquicamente superior ou com poderes de superintendência. Para além disso, a lei permite a sua execução por substituição do ato através de sentença do próprio tribunal. No que diz respeito aos factos infungíveis, o juiz pode e deve detalhar a sentença condenatória quanto aos atos e operações a adotar, identificando o órgão responsável e estabelecendo um prazo limite razoável para a realização da prestação, que se não for cumprida pode dar origem a uma sanção pecuniária compulsória.

Já no âmbito do pagamento de quantia certa, prevista nos artigos 173.º a 179.º do CPTA, a própria lei não obriga à cumulação dos pedidos de anulação de atos positivos com os de condenação a prática do ato devido ou ao restabelecimento da situação hipotética.

No que à doutrina diz respeito, entende-se que existem algumas lacunas na lei. Assim, às três formas supra mencionadas juntam-se a execução de sentenças de imposição de uma obrigação que tenha por objeto um facto negativo e a execução de sentença de declaração de ilegalidades por omissão de normas.

Em jeito de conclusão, a execução de sentenças administrativas possuía uma dimensão quase alegórica, devido a impossibilidade dos tribunais condicionarem a atuação da administração e por se considerar que o cumprimento das sentenças era "uma graça da administração dado que ela era detentora do monopólio da força pública".[5]

Contudo, as normas vigentes no CPTA criaram um novo contexto de plena jurisdição declarativa, após a reformulação do artigo 205.º n.º 2 e n.º 3 da CRP, materializando-se na obrigatoriedade que as sentenças administrativas impõem às entidades públicas, mas também por ter sido instituído um verdadeiro processo administrativo executivo, vertido no contexto da plena jurisdição executiva, de acordo com o disposto no artigo 3.º n.º 3 do CPTA, sendo assegurado o cumprimento efetivo das sentenças, pela administração pública.

A aproximação entre o processo executivo administrativo e o processo executivo civil é evidente e é por isso que o Professor Vasco Pereira da Silva afirma que as regras do nosso ordenamento jurídico configuram um "processo especial de execução".[6]

 
Bibliografia:

 -Almeida, Mário Aroso de – Manual de Processo Administrativo, Almedina, 2012.

- Almeida, Mário Aroso de – O novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2004.

- Amaral, Diogo Freitas – Curso de Direito Administrativo, Almedina, 2011.

- Amaral, Diogo Freitas – A execução das sentenças dos Tribunais Administrativos, Almedina, 1997.

- Andrade, Carlos Vieira de – A justiça Administrativa, Almedina, 2009.
 
- Carvalho, Nuno Jaime de Sá Nunes de - A execução das sentenças dos tribunais Administrativos, 1996

- Machete, Rui – A Execução de Sentenças Administrativas, em Cadernos de Justiça Administrativa, nº34, 2002.

- Silva, Vasco Pereira da – O contencioso Administrativo no Divã da Psicanalise, Almedina, 2009.

- Silva, Vasco Pereira da – Para um Contencioso Administrativo dos Particulares, Almedina, 1989.

- Sousa, Marcelo Rebelo de; Matos, André Salgado de – Direito Administrativo Geral, Tomo III, Dom Quixote, 2006.



Por: Francisco Castro Pires, Aluno nrº 20754
 


[1] Andrade, Carlos Vieira de, A justiça Administrativa, Almedina, (2009).
[2] Amaral, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo, Almedina, (2011).
[3] Idem.
[4]  Artigo 703.º n.º1 alínea a) do Código Processo Civil.
[5] Silva, Vaso Pereira da, O contencioso Administrativo no Divã da Psicanalise, Almedina, (2009).
[6] Idem.

 

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