A
execução de sentenças na Psicanalise dos Tribunais Administrativos
A obtenção, pela via
judicial, das providências materiais necessárias à concretização no plano dos
factos, daquilo que foi juridicamente determinado pelo tribunal no Processo Declarativo,
dá-se através do Processo Executivo.
O cumprimento de
sentenças dos tribunais administrativos está consagrado no Código de Processo
nos Tribunais Administrativos (CPTA), nos artigos 157º a 179º. Esta solução
atual, que a referida previsão normativa nos dá, trilhou um longo e moroso percurso,
com regimes que em nada ajudavam os particulares a concretizar as suas
pretensões.
Ate à década de 1970,
em caso de impossibilidade de execução de uma sentença de um tribunal
administrativo pela Administração Pública, conjeturava-se a sua
impossibilidade. Como se já não bastasse, o Governo podia escolher a forma de
execução que fosse menos penosa para o erário público.
O Decreto-Lei nº 256-A/77,
que esteve em vigor até 2004, foi na sua época um impulso significativo no que dizia
respeito ao cumprimento efetivo das sentenças de tribunais administrativos.
Apesar disto, a execução de sentenças continuou a ser deveras limitada, devido
a fatores vários, entre eles: a ausência de um verdadeiro processo executivo; a
relativa inefetividade do processo em caso de inexecução ilícita[1];
o contexto do sistema de justiça administrativa no que respeita aos meios de
acesso aos tribunais; a obrigatoriedade enfraquecida típica das sentenças
anulatórias.
Assim, verificamos que
os meios de execução de sentenças, apesar de estarem consagrados, eram
impraticáveis. Nas palavras do Professor Freitas do Amaral: “Não é possível,
nem ao particular, nem ao tribunal, em hipótese limite, usar da força pública
contra a Administração. Não é possível ao tribunal administrativo requisitar a
P.S.P. para a mandar executar uma sentença contra o Ministro da Administração
Interna, que é o superior hierárquico daquela polícia”[2]
Orientando-se pelo
princípio da tutela jurisdicional efetiva dos direitos dos particulares,
trazido pela reforma de 2004, alterou-se significativamente o regime da
execução das sentenças.
Este princípio, ínsito
na parte relativa aos direitos fundamentais dos cidadãos está confirmado, em
termos genéricos, no artigo 20.º e no artigo 268.º n.º 4 da Constituição da
República Portuguesa (CRP), onde é mais esmiuçado a propósito dos direitos e
garantias dos administrados.
No CPTA, o artigo 2º
alberga este principio e dá-lhe uma dimensão mais ampla e subjetiva, em sede de
processo administrativo, visto que no seu n.º 1 insere o “direito de obter, em
prazo razoável, uma decisão que aprecie, com força de caso julgado, cada
pretensão regularmente deduzida em juízo, bem como a possibilidade de a fazer
executar e de obter as providencias cautelares, antecipatórias ou
conservatórias, destinadas a assegurar o efeito útil da decisão”. E, no seu n.º
2, reafirma que “a todo o direito ou interesse legalmente protegido corresponde
a tutela adequada junto dos tribunais administrativos”, indicando depois as
diversas formas de tutela considerada.
Quanto ao
conceito de execução podemos atender a uma doutrina que norteia este conceito:
A doutrina processualista.
Esta
doutrina observa que a palavra execução pode ser empregue com um de dois
sentidos diferentes: o sentido de execução voluntária e o sentido de execução
forçada.
Atendendo
ao primeiro sentido, a execução será a atividade pela qual o sujeito, contra
quem a sentença foi proferida, cumpre voluntariamente, ele próprio, a decisão
tomada na sentença. Já no que toca ao segundo sentido, a execução será a
atividade pela qual o Estado, através do seu poder, impõe de forma coerciva o
disposto na sentença, mesmo sem ou contra a vontade do sujeito por ela
desfavorecido. Nas duas hipóteses, trata-se de exteriorizar a realização efetiva
da decisão tomada na sentença.
Pela escassíssima
importância da execução forçada em direito administrativo compreende-se o
enorme relevo que assume o acatamento voluntário das sentenças dos tribunais
administrativos, pela administração.
No que diz respeito
às sentenças e à sua execução à luz do atual CPTA, cabe-nos dizer que as
referidas sentenças de tribunais administrativos, que consubstanciam uma
condenação, podem ser executadas. Todavia, no seio do processo administrativo,
a doutrina e a lei perfilham um conceito amplo de execução, que inclui as
diversas modalidades de cumprimento espontâneo ou voluntário da sentença. Neste
ponto o Professor Diogo Freitas do Amaral acentua as “limitações de uma
execução forçada no processo administrativo, no caso de serem as autoridades exequendas
que detêm o poder de coagir".[3]
O tribunal
competente, para a execução de uma sentença, é o tribunal de círculo, onde a causa
foi julgada, mesmo que esta sentença a executar tenha sido proferida por um
tribunal hierarquicamente superior. Isto porque o preceituado no artigo 161.º
n.º 4 do CPTA, é alvo de uma interpretação de tipo sistemática e influenciada
pelo artigo 90.º e seguintes, do mesmo diploma.
Quanto ao
pressuposto processual da legitimidade, este não está consagrado no CPTA. Existe
apenas uma referência muito genérica ao conceito de "interessado",
que aponta para a legitimidade passiva dos contra interessados, no seio da
execução da sentença anulatória (conforme artigo 177.º n.º1 do CPTA). Daqui
pode concluir-se que a legitimidade pertence, sem qualquer dúvida, às partes
que ganham a causa. Todavia, alguma doutrina estende a legitimidade a qualquer
pessoa, desde que tenha um interesse direto nessa execução e a sentença produza
efeitos erga omnes.
Quanto ao preciso momento em que a sentença passa a ter força executiva, o artigo 160.º
n.º1 do CPTA dispõe, de forma idêntica ao processo civil [4], que as sentenças adquirem
força executiva depois do respetivo trânsito em julgado. Com isto, chegamos à
conclusão que a regra geral, quanto aos recursos, é o seu efeito suspensivo da
sentença. Porém, a conferir efeito meramente devolutivo ao recurso, o artigo
143.º do CPTA dispõe que a sentença irá adquirir força executiva própria desde
a sua pronúncia.
O CPTA
enuncia três formas de ação executiva, a saber: a execução para a prestação de
factos ou de coisas; a execução para pagamento de quantia certa; e a execução
de sentenças de anulação de atos administrativos. Quanto a primeira forma,
prevista nos artigos 162.º a 169.º do CPTA, cabe-nos dizer que existem algumas
especialidades, caso se trate de factos fungíveis ou infungíveis. Aos
primeiros, quando não haja execução voluntária, a execução sub-rogatória pode
ser conferida ao titular do órgão hierarquicamente superior ou com poderes de
superintendência. Para além disso, a lei permite a sua execução por
substituição do ato através de sentença do próprio tribunal. No que diz respeito aos
factos infungíveis, o juiz pode e deve detalhar a sentença condenatória quanto
aos atos e operações a adotar, identificando o órgão responsável e
estabelecendo um prazo limite razoável para a realização da prestação, que se
não for cumprida pode dar origem a uma sanção pecuniária compulsória.
Já no
âmbito do pagamento de quantia certa, prevista nos artigos 173.º a 179.º do
CPTA, a própria lei não obriga à cumulação dos pedidos de anulação de atos
positivos com os de condenação a prática do ato devido ou ao restabelecimento
da situação hipotética.
No que à
doutrina diz respeito, entende-se que existem algumas lacunas na lei. Assim, às
três formas supra mencionadas juntam-se a execução de sentenças de imposição de
uma obrigação que tenha por objeto um facto negativo e a execução de sentença
de declaração de ilegalidades por omissão de normas.
Em jeito de
conclusão, a execução de sentenças administrativas possuía uma dimensão quase
alegórica, devido a impossibilidade dos tribunais condicionarem a atuação da
administração e por se considerar que o cumprimento das sentenças era "uma
graça da administração dado que ela era detentora do monopólio da força
pública".[5]
Contudo, as
normas vigentes no CPTA criaram um novo contexto de plena jurisdição
declarativa, após a reformulação do artigo 205.º n.º 2 e n.º 3 da CRP, materializando-se
na obrigatoriedade que as sentenças administrativas impõem às entidades
públicas, mas também por ter sido instituído um verdadeiro processo
administrativo executivo, vertido no contexto da plena jurisdição executiva, de
acordo com o disposto no artigo 3.º n.º 3 do CPTA, sendo assegurado o cumprimento
efetivo das sentenças, pela administração pública.
A
aproximação entre o processo executivo administrativo e o processo executivo
civil é evidente e é por isso que o Professor Vasco Pereira da Silva afirma que
as regras do nosso ordenamento jurídico configuram um "processo especial
de execução".[6]
- Almeida,
Mário Aroso de – O novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos,
Almedina, 2004.
- Amaral,
Diogo Freitas – Curso de Direito Administrativo, Almedina, 2011.
- Amaral,
Diogo Freitas – A execução das sentenças dos Tribunais Administrativos,
Almedina, 1997.
- Andrade,
Carlos Vieira de – A justiça Administrativa, Almedina, 2009.
- Carvalho, Nuno Jaime de Sá Nunes de - A execução das sentenças dos tribunais Administrativos, 1996
- Machete,
Rui – A Execução de Sentenças Administrativas, em Cadernos de Justiça
Administrativa, nº34, 2002.
- Silva,
Vasco Pereira da – O contencioso Administrativo no Divã da Psicanalise,
Almedina, 2009.
- Silva,
Vasco Pereira da – Para um Contencioso Administrativo dos Particulares,
Almedina, 1989.
- Sousa,
Marcelo Rebelo de; Matos, André Salgado de – Direito Administrativo Geral, Tomo
III, Dom Quixote, 2006.
Por: Francisco Castro Pires, Aluno nrº 20754
[1]
Andrade, Carlos Vieira de, A justiça Administrativa, Almedina,
(2009).
[2]
Amaral, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo,
Almedina, (2011).
[3]
Idem.
[4] Artigo 703.º n.º1 alínea a) do Código
Processo Civil.
[5]
Silva, Vaso Pereira da, O contencioso Administrativo no Divã da
Psicanalise, Almedina, (2009).
[6]
Idem.
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