sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Providências Cautelares – Princípios, Categorização e Critérios de Decisão


O procedimento cautelar pode ser instaurado por duas formas: como preliminar a uma acção ou, na pendência desta como seu incidente. Tem como principal objectivo evitar ou afastar o perigo que constitua uma situação irreversível ou, que constitua danos gravosos, o que poderá resultar da demora a que o processo principal está, inevitavelmente, sujeito. Pretende-se, portanto, retirar o máximo possível de utilidade da decisão definitiva, ou melhor, o designado efeito útil da decisão. Através de um juízo rápido e sumário, o juiz procura apenas a plausibilidade da existência do direito de quem requere a providência cautelar e emite, deste modo, uma decisão que reveste carácter provisório, que produzirá efeitos, à partida, até ao momento em que seja proferida a decisão definitiva. O procedimento cautelar surge sempre na dependência de uma acção principal, por isso se diz que não possui autonomia.
Seguindo o pensamento da Dra. Fernanda Maçãs, podem ser enunciados três pricípios juridico-constitucionais a ter em conta aquando da emissão das providências cautelares, que vinculam os juízos na aplicação concreta das mesmas. A saber:

1.       Tutela judicial efectiva

Previsto na Constituição da Republica Portuguesa no número 4º do artigo 268º reza assim: “É garantido aos administrados tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos incluindo, nomeadamente, o reconhecimento desses direitos ou interesses, a impugnação de quaisquer actos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma, a determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos e a adopção de medidas cautelares adequadas” e, deste modo, “(...) impõe que a cada meio processual corresponda uma medida cautelar adequada. Por outras palavras, o principio da tutela judicial efectiva, tal como se encontra constitucionalmente consagrado, aponta para o principio da plenitude dos meios de acesso à jurisdição administrativa e implica a consagração de um numerus apertus de medidas cautelares.” “(...) O principio do favorecimento do processo (principio pro actione) enquanto projecção do direito à tutela judicial efectiva, além de apontar para uma interpretação e aplicação das normas processuais no sentido de favorecer o acesso ao tribunal, impede igualmente o legislador de criar obstáculos nesse acesso. Neste sentido, entre outras medidas, deve ser garantido aos interessados a possibilidade de solicitarem medidas cautelares em qualquer estádio do processo, sempre que o objecto litigioso corra o risco de perder a sua utilidade, durante a pendência do recurso ou da acção.”

2.       Separação de poderes

“(...) Em relação ao principio da separação de poderes, a doutrina, hoje, converge no sentido de que, no entendimento actual do principio, como um principio de equilibrio que nao exclui outros poderes, antes promove a colaboração e interpenetração de poderes, não decorre uma proibição absoluta de o juiz condenar, intimar ou impor comportamentos à Administração. O que lhe está tão só vedado é substituir-se a ela ou violar o núcleo essencial da sua autonomia. De um modo geral, a intervenção cautelar substitutiva ou condenatória do juiz administrativo depara-se com um limite fundamental: não pode ser expressãp da escolha discrionária dos interesses ou valorações técnicas que são reservados à Administração. Por conseguinte, um primeiro limite às medidas cautelares positivas reside no princípio da separação de poderes, no caso de recusa de actuações discrionárias.

3.       Prossecução equilibrada do interesse público e do respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos que incumbe à Administração

“(...) Alguns autores consideram que o critério central da tutela cautelar é o da aparência de bom direito, valendo a ponderação do interesse público como critério subsidiário, no caso de dúvida sobre a existência de fumus boni iuris. (...) Não podemos, por conseguinte, ignorar a relevância do fumus na apreciação das medidas cautelares. Contudo, quanto a nós, a aparência do bom direito não parece suficiente para, por si só, justidicar a outorga da tutela cautelar no contencioso administrativo, emobra possa constituir um critério a ter em conta e a ponderar nas circunstâncias concretas. (...) Não podemos deixar de observar que o juízo sobre o fumus é um juízo sumário e, por isso, sempre falível. E é precisamente esta situação de dúvida subjacente ao fumus que aponta a relativização do seu papel e acentua a necessidade de ponderação de interesses.”







As providências cautelares caracterizam-se pela sua:

1.       Instrumentalidade
O processo cautelar é acessório de um processo principal, de modo a que assegure o efeito útil da senteça que nele será proferida (artigo 112º/1 do CPTA). De com o Professor Mário Aroso de Almeida “se o processo cautelar for intentado em momento anterior ao da instauração do processo principal, ele é intentado como preliminar (artigo 113º/1) e, por isso, as providências cautelares que vierem a ser adoptadas caducam se o requerente não fizer uso, no prazo de três meses, do meio principal adequado (...). Pelo mesmo motivo, as providências também caducam se o processo principal estiver parado durante mais de três meses por negligência do interessado ou se nele vier a ser proferida decisão transitada em julgado desfavorável às suas pretensões (artigo 123º/1)”. De acordo com a ratio desta característica se deve referir que a providência cautelar não contêm um fim em si mesmas, isto é, apenas assistem um processo principal.

2.       Provisoriedade
O tribunal tem o poder de “revogar, alterar ou substituir, na pendência do processo principal, a sua decisão de adoptar ou recusar a adopção de providências cautelares se tiver ocorrido uma alteração relevante das circunstâncias inicialmente existentes (artigo 124º/1), designadamente por ter sido proferida, no processo principal, decisão de improcedência de que tenha sido interposto recurso com efeito suspensivo (artigo 124º/3)”. Desta característica se consegue retirar o carácter precário da providência cautelar.

3.       Sumariedade
“(...) o tribunal deve proceder a meras apreciações perfunctórias (apreciações rápidas e provisórias), baseadas num juízo sumário sobre os factos a apreciar, evitando antecipar juízos definitivos, que, em princípio só devem ter lugar no processo principal”.
Quanto mais for demorado o processo de indagação de questões que, no processo cautelar, não devem ser objecto de avalição profunda, menos os tribunais serão capazes de proporcionar em tempo útil a tutela cautelar que se impõe.


Categorização das Providências Cautelares

Por forma a dar cumprimento ao princípio da tutela da jurisdição efectiva perante a Administração Pública em matéria cautelar, o CPTA, no artigo 112º/2 vem estabelecer uma cláusula aberta, abrindo via a todo o tipo de providências adequadas a garantir a utilidade da sentença a proferir no processo principal. Assim também refere o Professor Diogo Freitas do Amaral, “O CPTA, nesta matéria, estabelce, no artigo 112º, que os tribunais administrativos passam a poder adoptar toda e qualquer providência cautelar, antecipatória ou conservatória, que se mostre adequada a assegurar a utilidade da sentença a proferir num processo principal – com o que se limita, de resto, a dar cumprimento ao que, neste preciso sentido, determina o artigo 268º/4 da CRP”
Esta cláusula geral de que se fala é reforçada no n.º 2 da mesma disposição legal, sendo que as providências ali especificadas apenas são indicadas a título exemplificativo, justificado pela expressão “designadamente”. A saber:
a)      Suspensão da eficácia de um acto administrativo ou de uma norma;
b)      Admissão provisória em concursos e exames;
c)       Atribuição provisória da disponibilidade de um bem;
d)      Autorização provisória ao interessado para iniciar ou prosseguir uma actividade ou adoptar uma conduta;
e)      Regulação provisória de uma situação juridíca, designadamente através da imposição à Administração do pagamento de uma quantia por conta de prestações alegadamente devidas ou a título de reparação provisória;
f)       Intimação para a adopção ou abstenção de uma conduta por parte da Administração ou de um particular, designadamente um concessionário, por alegada violação ou fundado receio de violação de normas de direito administrativo.

O artigo 120º/1 distingue duas categorias de providências cautelares: providências cautelares conservatórias e providências cautelares antecipatórias. Citando o Professor Aroso de Almeida, “ (...) a contraposição que o artigo 120º/1 estabelece entre providências conservatórias e providências antecipatórias deve ser interpretada num sentido funcional (...)”, distinguindo as situações em que se solicita uma tutela de situações juridícas finais, estáticas ou opsitivas – “aquelas em que a satisfação do interesse do titular não depende de prestações de outrem, pelo que ele apenas pretende que os demais se abstenham da adopção de condutas que ponham em causa a situação em que está investido – para as quais será eficiente a adopção de providências conservatórias, das em que se solicita a tutela de situações juridícas instumentais, dinâmicas ou pretensivas – “aquelas em que pelo contrário, a satisfação do interesse do particular depende da prestação de outrem, pelo que ele pretende obter a prestação necessária à satisfação do seu interesse” – para as quais será correcto o requerimento de providências antecipatórias.
No primeiro grupo de hipóteses de situações o que se visa assegurar será, manter ou conservar um direito em perigo, pelo que a providência cautelar a adoptar seria a conservatória – prevista no artigo 112º/2 a) a suspensão da eficácia do acto administratrativo (especificamente nos artigos 128º e 129º). No segundo grupo de hipóteses de situações, o interessado que requere a providência tem por objectivo a obtenção de “uma prestação, a adopção de medidas, que podem envolver ou não a prática de actos administrativos. Neste tipo de situações, em que, no processo declarativo, o interessado aspira à obtenção de um efeito favorável, a tutela cautelar concretiza-se na intimação cautelar à adopção das medidas necessárias para minorar as consequências do retardamento dadecisão sobre o mérito da causa” (artigo 112º/2 alíneas b) a e))

Critérios de decisão na atribuição das Providências Cautelares

1.       Critério do periculum in mora

Este critério significa, em traços básicos, o risco que poderá advir de uma decisão tardia, pelo que se pretende uma procedência ou suspensão urgente, de forma a evitar um dano grave e de difícil reparação.
Segundo o artigo 120º/1 alínea b) e c), este critério encontra-se preenchido quando “haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízod de difícil reparação para os interesses do requerente”, como melhor explica o Professor Aroso de Almeida, “o prejuízo do requerente deve ser considerado irreparável semore que os factos concretos por ele alegados permitam perspectivar a criação de uma situação de impossibilidade de reintegração da sua esfera jurídica”

2.       Critério da aparência do bom direito

Expressão latina que significa sinal de bom direito ou aparência de bom direito. Este critério está verificado quanda exista a possibilidade de que o direito invocado tem existência no caso concreto, ou seja, baseia-se numa aprecição sumária e de carácter provisória sobre as probalidades de êxito do processo principal. Numa formulação negativa, seguindo o pensamento da Dra. Fernanda Maçãs, “basta que o recurso principal não apareça à primeira vista desprovido de fundamento e, numa formulação positiva, é preciso acreditar na probabilidade de êxito do recurso principal, isto é, tem de se verificar uma aparência de que o recorrente ostenta, de facto, o direito que considera lesado pela actuação administrativa”, sendo que a vertente adoptada é a do fumus positivo .

3.       Critério da ponderação de interesses

Para além do critério do periculum in mora e do critério do fumus boni iuris, releva igualmente o critério da ponderação dos interesses envolvidos, como estabelece o número 2º do artigo 120º, pelo que o decretamento das providências cautelares poderá ser recusado “quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adopção de outras providências”.
Deste modo, pode-se referir que o númeor 2º do artigo 120º constitui, como entende o Professor Aroso de Almeida, uma  claúsula de salvaguarda, na medida em que, apesar dos outros critérios previsto nas alíneas b) e c), se venha a considerar que os danos que o decretamento da providência cautelar viria provocar fossem de tal modo desproporcionais em relação àqueles que o interessado requerente quisesse evitar, pelo que há fundamento para recusar a atribuição da providência nestes termos.

Concluindo, o decretamento das medidas cautelares terá de ser decidido casuisticamente, atendendo às circunstâncias concretas, aos interesses em jogo, que estão presentes em cada caso, e, também à natureza e valor dos bens jurídicos em causa, de modo a encontrar uma solução justa que pondere os interesses da situação concreta.

Bibliografia consultada:
·         Artigo da Dra. Fernanda Maçãs – “As Medidas Cautelares” – Debate Universitário in Reforma do Contencioso Administrativo Volume I 2003
·         Grandes linhas da Reforma do Contencioso Administrativo – Diogo Freitas do Amaral e Aroso de Almeida, 3ª Edição revista e actualizada
·         Manual de Processo Administrativo - Mário Aroso de Almeida
·         Código de Processo nos Trinbunais Administrativos
·         Código de Processo Civil

Ana Sofia Barbosa Vieira

20651 Subturma 1

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