O procedimento cautelar pode ser instaurado por duas formas: como
preliminar a uma acção ou, na pendência desta como seu incidente. Tem como
principal objectivo evitar ou afastar o perigo que constitua uma situação
irreversível ou, que constitua danos gravosos, o que poderá resultar da demora
a que o processo principal está, inevitavelmente, sujeito. Pretende-se,
portanto, retirar o máximo possível de utilidade da decisão definitiva, ou
melhor, o designado efeito útil da decisão. Através de um juízo rápido e
sumário, o juiz procura apenas a plausibilidade da existência do direito de
quem requere a providência cautelar e emite, deste modo, uma decisão que
reveste carácter provisório, que produzirá efeitos, à partida, até ao momento
em que seja proferida a decisão definitiva. O procedimento cautelar surge
sempre na dependência de uma acção principal, por isso se diz que não possui
autonomia.
Seguindo o pensamento da Dra. Fernanda Maçãs, podem ser enunciados três pricípios juridico-constitucionais a ter em conta aquando da emissão das
providências cautelares, que vinculam os juízos na aplicação concreta das
mesmas. A saber:
1. Tutela judicial efectiva
Previsto na Constituição da Republica Portuguesa no número 4º do artigo
268º reza assim: “É garantido aos administrados tutela jurisdicional efectiva
dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos incluindo, nomeadamente,
o reconhecimento desses direitos ou interesses, a impugnação de quaisquer actos
administrativos que os lesem, independentemente da sua forma, a determinação da
prática de actos administrativos legalmente devidos e a adopção de medidas
cautelares adequadas” e, deste modo, “(...)
impõe que a cada meio processual corresponda uma medida cautelar adequada. Por
outras palavras, o principio da tutela judicial efectiva, tal como se encontra
constitucionalmente consagrado, aponta para o principio da plenitude dos meios
de acesso à jurisdição administrativa e implica a consagração de um numerus
apertus de medidas cautelares.” “(...) O principio do favorecimento do processo
(principio pro actione) enquanto projecção do direito à tutela judicial
efectiva, além de apontar para uma interpretação e aplicação das normas
processuais no sentido de favorecer o acesso ao tribunal, impede igualmente o
legislador de criar obstáculos nesse acesso. Neste sentido, entre outras
medidas, deve ser garantido aos interessados a possibilidade de solicitarem
medidas cautelares em qualquer estádio do processo, sempre que o objecto
litigioso corra o risco de perder a sua utilidade, durante a pendência do
recurso ou da acção.”
2. Separação de poderes
“(...) Em relação ao principio da
separação de poderes, a doutrina, hoje, converge no sentido de que, no
entendimento actual do principio, como um principio de equilibrio que nao
exclui outros poderes, antes promove a colaboração e interpenetração de
poderes, não decorre uma proibição absoluta de o juiz condenar, intimar ou
impor comportamentos à Administração. O que lhe está tão só vedado é
substituir-se a ela ou violar o núcleo essencial da sua autonomia. De um modo
geral, a intervenção cautelar substitutiva ou condenatória do juiz
administrativo depara-se com um limite fundamental: não pode ser expressãp da
escolha discrionária dos interesses ou valorações técnicas que são reservados à
Administração. Por conseguinte, um primeiro limite às medidas cautelares
positivas reside no princípio da separação de poderes, no caso de recusa de
actuações discrionárias.”
3. Prossecução equilibrada do interesse
público e do respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos
cidadãos que incumbe à Administração
“(...) Alguns autores consideram
que o critério central da tutela cautelar é o da aparência de bom direito,
valendo a ponderação do interesse público como critério subsidiário, no caso de
dúvida sobre a existência de fumus boni iuris. (...) Não podemos, por
conseguinte, ignorar a relevância do fumus na apreciação das medidas
cautelares. Contudo, quanto a nós, a aparência do bom direito não parece
suficiente para, por si só, justidicar a outorga da tutela cautelar no
contencioso administrativo, emobra possa constituir um critério a ter em conta
e a ponderar nas circunstâncias concretas. (...) Não podemos deixar de observar
que o juízo sobre o fumus é um juízo sumário e, por isso, sempre falível. E é
precisamente esta situação de dúvida subjacente ao fumus que aponta a
relativização do seu papel e acentua a necessidade de ponderação de
interesses.”
As providências cautelares
caracterizam-se pela sua:
1. Instrumentalidade
O processo cautelar é acessório de um processo principal, de modo a que
assegure o efeito útil da senteça que nele será proferida (artigo 112º/1 do
CPTA). De com o Professor Mário Aroso de Almeida “se o processo cautelar for intentado em momento anterior ao da instauração
do processo principal, ele é intentado como preliminar (artigo 113º/1) e, por
isso, as providências cautelares que vierem a ser adoptadas caducam se o
requerente não fizer uso, no prazo de três meses, do meio principal adequado
(...). Pelo mesmo motivo, as providências também caducam se o processo
principal estiver parado durante mais de três meses por negligência do
interessado ou se nele vier a ser proferida decisão transitada em julgado
desfavorável às suas pretensões (artigo 123º/1)”. De acordo com a ratio
desta característica se deve referir que a providência cautelar não contêm um
fim em si mesmas, isto é, apenas assistem um processo principal.
2. Provisoriedade
O tribunal tem o poder de “revogar,
alterar ou substituir, na pendência do processo principal, a sua decisão de adoptar ou recusar a
adopção de providências cautelares se tiver ocorrido uma alteração relevante
das circunstâncias inicialmente existentes (artigo 124º/1), designadamente por
ter sido proferida, no processo principal, decisão de improcedência de que
tenha sido interposto recurso com efeito suspensivo (artigo 124º/3)”. Desta
característica se consegue retirar o carácter precário da providência cautelar.
3. Sumariedade
“(...) o tribunal deve proceder a
meras apreciações perfunctórias (apreciações rápidas e provisórias), baseadas
num juízo sumário sobre os factos a apreciar, evitando antecipar juízos
definitivos, que, em princípio só devem ter lugar no processo principal”.
Quanto mais for demorado o processo de indagação de questões que, no
processo cautelar, não devem ser objecto de avalição profunda, menos os
tribunais serão capazes de proporcionar em tempo útil a tutela cautelar que se
impõe.
Categorização das Providências
Cautelares
Por forma a dar cumprimento ao princípio da tutela da jurisdição efectiva
perante a Administração Pública em matéria cautelar, o CPTA, no artigo 112º/2
vem estabelecer uma cláusula aberta, abrindo via a todo o tipo de providências
adequadas a garantir a utilidade da sentença a proferir no processo principal. Assim
também refere o Professor Diogo Freitas do Amaral, “O CPTA, nesta matéria, estabelce, no artigo 112º, que os tribunais
administrativos passam a poder adoptar toda e qualquer providência cautelar,
antecipatória ou conservatória, que se mostre adequada a assegurar a utilidade
da sentença a proferir num processo principal – com o que se limita, de resto,
a dar cumprimento ao que, neste preciso sentido, determina o artigo 268º/4 da
CRP”
Esta cláusula geral de que se fala é reforçada no n.º 2 da mesma
disposição legal, sendo que as providências ali especificadas apenas são indicadas
a título exemplificativo, justificado pela expressão “designadamente”. A saber:
a) Suspensão da eficácia de um acto
administrativo ou de uma norma;
b) Admissão provisória em concursos e exames;
c) Atribuição provisória da disponibilidade de
um bem;
d) Autorização provisória ao interessado para
iniciar ou prosseguir uma actividade ou adoptar uma conduta;
e) Regulação provisória de uma situação
juridíca, designadamente através da imposição à Administração do pagamento de
uma quantia por conta de prestações alegadamente devidas ou a título de
reparação provisória;
f) Intimação para a adopção ou abstenção de uma
conduta por parte da Administração ou de um particular, designadamente um concessionário,
por alegada violação ou fundado receio de violação de normas de direito
administrativo.
O artigo 120º/1 distingue duas categorias de providências cautelares: providências cautelares conservatórias e
providências cautelares antecipatórias. Citando o Professor Aroso de
Almeida, “ (...) a contraposição que o
artigo 120º/1 estabelece entre providências conservatórias e providências
antecipatórias deve ser interpretada num sentido funcional (...)”,
distinguindo as situações em que se solicita uma tutela de situações juridícas finais, estáticas ou opsitivas – “aquelas em que a
satisfação do interesse do titular não depende de prestações de outrem, pelo
que ele apenas pretende que os demais se abstenham da adopção de condutas que
ponham em causa a situação em que está investido – para as quais será
eficiente a adopção de providências conservatórias, das em que se solicita a
tutela de situações juridícas
instumentais, dinâmicas ou pretensivas – “aquelas em que pelo contrário, a
satisfação do interesse do particular depende da prestação de outrem, pelo que
ele pretende obter a prestação necessária à satisfação do seu interesse” – para
as quais será correcto o requerimento de providências antecipatórias.
No primeiro grupo de hipóteses de situações o que se visa assegurar será,
manter ou conservar um direito em perigo, pelo que a providência cautelar a
adoptar seria a conservatória – prevista
no artigo 112º/2 a) a suspensão da eficácia do acto administratrativo
(especificamente nos artigos 128º e 129º). No segundo grupo de hipóteses de
situações, o interessado que requere a providência tem por objectivo a obtenção
de “uma prestação, a adopção de medidas,
que podem envolver ou não a prática de actos administrativos. Neste tipo de
situações, em que, no processo declarativo, o interessado aspira à obtenção de
um efeito favorável, a tutela cautelar concretiza-se na intimação cautelar à
adopção das medidas necessárias para minorar as consequências do retardamento
dadecisão sobre o mérito da causa” (artigo 112º/2 alíneas b) a e))
Critérios de decisão na atribuição
das Providências Cautelares
1. Critério do periculum in mora
Este critério significa, em traços básicos, o risco que poderá advir de
uma decisão tardia, pelo que se pretende uma procedência ou suspensão urgente,
de forma a evitar um dano grave e de difícil reparação.
Segundo o artigo 120º/1 alínea b) e c), este critério encontra-se
preenchido quando “haja fundado receio da
constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízod de
difícil reparação para os interesses do requerente”, como melhor explica o
Professor Aroso de Almeida, “o prejuízo
do requerente deve ser considerado irreparável semore que os factos concretos
por ele alegados permitam perspectivar a criação de uma situação de
impossibilidade de reintegração da sua esfera jurídica”
2. Critério da aparência do bom direito
Expressão latina que significa sinal de bom direito ou aparência de bom
direito. Este critério está verificado quanda exista a possibilidade de que o
direito invocado tem existência no caso concreto, ou seja, baseia-se numa
aprecição sumária e de carácter provisória sobre as probalidades de êxito do
processo principal. Numa formulação negativa, seguindo o pensamento da Dra.
Fernanda Maçãs, “basta que o recurso
principal não apareça à primeira vista desprovido de fundamento e, numa
formulação positiva, é preciso acreditar na probabilidade de êxito do recurso
principal, isto é, tem de se verificar uma aparência de que o recorrente
ostenta, de facto, o direito que considera lesado pela actuação administrativa”,
sendo que a vertente adoptada é a do fumus positivo .
3. Critério da ponderação de interesses
Para além do critério do periculum in mora e do critério do fumus boni
iuris, releva igualmente o critério da ponderação dos interesses envolvidos,
como estabelece o número 2º do artigo 120º, pelo que o decretamento das
providências cautelares poderá ser recusado “quando,
devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos
que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem
resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adopção
de outras providências”.
Deste modo, pode-se referir que o númeor 2º do artigo 120º constitui,
como entende o Professor Aroso de Almeida, uma claúsula de salvaguarda, na
medida em que, apesar dos outros critérios previsto nas alíneas b) e c), se
venha a considerar que os danos que o decretamento da providência cautelar
viria provocar fossem de tal modo desproporcionais em relação àqueles que o
interessado requerente quisesse evitar, pelo que há fundamento para recusar a
atribuição da providência nestes termos.
Concluindo, o decretamento das medidas cautelares terá de ser decidido
casuisticamente, atendendo às circunstâncias concretas, aos interesses em jogo,
que estão presentes em cada caso, e, também à
natureza e valor dos bens jurídicos em causa, de modo a encontrar uma solução
justa que pondere os interesses da situação concreta.
Bibliografia consultada:
·
Artigo da Dra. Fernanda Maçãs – “As Medidas Cautelares” – Debate
Universitário in Reforma do Contencioso Administrativo Volume I 2003
·
Grandes linhas da Reforma do Contencioso
Administrativo – Diogo Freitas do Amaral e Aroso de Almeida, 3ª Edição revista
e actualizada
·
Manual de Processo Administrativo - Mário Aroso
de Almeida
·
Código de Processo nos Trinbunais
Administrativos
·
Código de Processo Civil
Ana Sofia
Barbosa Vieira
20651 Subturma 1
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