sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Decretamento provisório de providências cautelares


“ Se a demora está associada à existência de uma situação perigosa, o que ocorre é que no período necessário para que a tutela jurisdicional seja prestada, há um risco de que o provável direito seja frustrado na sua actuação prática” Betina Rizzato Lara in «Liminares no processo civil»
               
·         Âmbito de aplicação do artigo 131º CPTA

Segundo o artigo 131º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos, caso se esteja perante um caso que envolva tutela de direitos, liberdades e garantias, ou perante um caso em que se entenda existir especial urgência e, que não haja outro modo pelo qual possam ser protegidos/exercidos em tempo útil, pode o interessado pedir o decretamento provisório da providência (cfr. nº1 e nº3), logo após a apresentação do seu requerimento.
O decretamento provisório da providência cautelar é concedido no início do processo cautelar, antes mesma da decisão deste. Pretende-se acautelar situações de especial urgência, sendo que importa depois averiguar se a providência decretada deverá continuar a produzir efeitos durante a pendência do processo principal.
Surge como um pedido autónomo, independente tanto do processo cautelar como do processo principal em que este se integra. Assim e, de acordo com o seguimento que faz o Professor Mário Aroso de Almeida, não é necessário que o decretamento provisório seja requerido logo no “próprio requerimento mediante o qual se desencadeia o processo cautelar, a que se refere o artigo 114º”, mas pode também ser requerido na pendência deste processo, ou seja, “deve poder ser, portanto, objecto de um incidente, já na pendência do processo cautelar”
O Professor Mário Aroso de Almeida também afirma ser possível que, apesar de o interessado apenas requerer uma providência cautelar, nos termos do artigo 114º, sem que autonomamente deduza o seu decretamento provisório, o tribunal tome a iniciativa de o fazer, caso entenda que constitui uma situação grave e, que só desta forma a tutela jurisdicional efectiva do requerente estará assegurada. (No mesmo sentido Professor Vieira de Andrade)
Não se configura um processo cautelar especial nem mesmo uma providência cautelar especial, mas sim, um incidente do processo cautelar. No decretamento provisório da providência cautelar é pressuposto-base que estejam em causa direitos, liberdades e garantias ou situações de especial urgência, sendo que este último constitui um conceito indeterminado que importa densificar posteriormente.

·         Fases do processo

                Pode-se delimitar duas fases que se encontram desenvolvidas no nº3 e no nº6 do artigo 131º.
                Realizado o decretamento provisório da providência cautelar nos termos do nº3, acrescenta o nº6 “é dado às partes o prazo de cinco dias para se pronunciarem sobre a possibilidade do levantamento, manutenção ou alteração da providência, sendo, em seguida, o processo concluso, por cinco dias, ao juiz ou relator, para proferir decisão confirmando ou alterando o decidido”.
                No entanto, de acordo com o nº3, o prazo para o decretamento é de apenas quarenta e oito horas, sem que haja lugar à verificação do princípio do contraditório, uma vez que esse decretamento levado a cabo pelo juiz é feito apenas com base nos “elementos a que tenha acesso imediato e sem quaisquer outras formalidades ou diligências”, o que será justificado pela urgência e celeridade que se impõe, tendo em conta os interesses em jogo. Parece haver na segunda fase do processo, no nº6, o respeito pelo princípio do contraditório, no sentido de ser dada hipótese ao juiz de rever o que decidiu “”em 1ªa instância”. O Professor Mário Aroso de Almeida não concorda, pois entende que não existe “em qualquer uma das duas fases, lugar a produção de prova (…), com o seguinte argumento,  “na medida em que o decretamento provisório se destina a vigorar apenas durante a pendência do processo cautelar e, portanto, de que, paralelamente, correrá os seus termos o processo cautelar propriamente dito, que é a sede adequada à produção de prova necessária à determinação dos termos em que a situação ficará definida durante a pendência do processo principal (…).” Em sentido contrário, os tribunais têm admitido a produção a produção de prova na fase do nº6 do artigo 131º, o que constitui, para o Professor, “uma duplicação em relação ao processo cautelar, que, entretanto, corre termos em paralelo”.



·         Critérios de decisão

    a)      O critério da primeira fase (artigo 131º nº3)
Tem que se estar perante uma possibilidade de lesão iminente e irreversível do direito, liberdade ou garantia invocado ou outra situação de especial urgência”, no sentido de ser uma lesão que está próxima e, que, “pode ocorrer a qualquer momento, sendo de verificação em curtíssimo período de tempo ou de forma imediata” (Acórdão TCAS de Fevereiro de 2013, Processo nº 09625/13) e que não se poderá reverter. Relativamente à expressão “situação de especial urgência”, conceito indeterminado, importa densifica-lo, uma vez que, o próprio artigo não o especifica. O Professor Aroso de Almeida afirma que essa densificação deverá passar por uma interpretação global do artigo 131º nº3, isto é, o legislador parece reconhecer que uma a “situação de especial urgência” esta implícita uma possibilidade de lesão iminente e irreversível de um direito, liberdade ou garantia e, “pretende estender o mesmo regime de protecção a outras situações do mesmo tipo, que lhe sejam comparáveis, ou seja, a outras situações em que exista a possibilidade de consumação de uma lesão iminente e irreversível”

“Não se mostra suficiente, que exista a mera possibilidade da entidade requerida adotar uma qualquer conduta, lesiva dos direitos e interesses legítimos das requerentes, sendo necessário que se mostre caracterizada de facto uma situação que revele o caráter iminente dessa lesão.” (Acórdão TCAS de Fevereiro de 2013, Processo nº 09625/13)

Está aqui inerente um dos requisitos do artigo 120º alíneas b) e c) para a concessão de providências cautelares, o periculum in mora. No entanto, já não apenas se pretende evitar a demora, e os danos que daí decorrem, que está inerente ao processo principal, mas sim à própria “morosidade do processo cautelar”. Poder-se-á, deste modo, falar num periculum in mora qualificado, na medida em que se quer impedir “o perigo da constituição de uma situação irreversível se nada for feito de imediato, antes ainda do momento em que virá a ser decidido o próprio processo cautelar

Certa orientação jurisprudencial entende o critério “outra situação de especial urgência”, como sendo situações em que estejam presentes direitos de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, o que não se afigura correcto, pois estes direitos de natureza análoga beneficiam do mesmo regime de protecção dos direitos, liberdades e garantias. Deve-se, por isso, entender que abrange um conjunto de situações irreversíveis para quaisquer direitos ou interesses (desde que haja uma especial urgência na sua protecção) de que o requerente queira ver protegido substancialmente no processo principal e, não só de direitos, liberdades e garantias constitucionalmente consagrados.

Acórdão nº 06780/10 de Tribunal Central Administrativo Sul, 12 de Maio de 2011
I-O SII é uma pessoa colectiva de direito público, instituída em Portugal pelo Dec.Lei nº222/99, de 22 de Junho, em transposição da Directiva 97/9/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de Março, cujo objectivo principal reside na protecção dos investidores e na manutenção da confiança no sistema financeiro.
 II-O âmbito de cobertura do SII está definido no artigo 3º nº1 do respectivo Decreto-Lei do SII: reembolso dos investidores dos fundos que lhes sejam devidos ou que lhes pertençam, e que sejam detidos administrados ou geridos por sua conta.
 III-Em princípio, não é de deferir o pedido de decretamento provisório de uma providência cautelar, destinada a obter a suspensão imediata do accionamento do SII, numa situação em que está em causa o pagamento de indemnizações aos investidores.
IV-Numa situação deste tipo, não se verifica, em regra, qualquer lesão iminente ou outra situação de especial urgência, susceptível de afectar a esfera jurídica dos requerentes.
 V-Em virtude da natureza de pessoa colectiva do SII, este dispõe de meios de financiamento susceptíveis de recuperar quaisquer importâncias indevidamente transferidas para os investidores.
VI-A decisão final tomada no âmbito do incidente de decretamento provisório de uma providência cautelar admite recurso, nos termos gerais

     b)      O critério da segunda fase (artigo 131º nº 6)
No nº 6 do artigo 131º é dado às partes o prazo de cinco dias para se pronunciarem, constituindo aqui um contraditório prima facie e, se desta análise se vier a concluir que do decretamento provisório da providência cautelar possa resultar uma situação de “evidência desfavorável ao requerente”, deve-se então, por a possibilidade do levantamento da mesma.


·         Confronto entre o regime do artigo 109º nº1 e o regime do artigo 131º nº1

                É de notar que, não estamos perante situações em que apenas é necessária uma solução urgente, mas sim em que a própria “célere emissão de uma decisão sobre o mérito da causa não é indispensável para proteger o direito, liberdade ou garantia, na medida em que é, para o efeito, suficiente o decretamento de uma mera providência cautelar, desde que se assegure que a providência é decretada com a maior urgência, imediatamente após o momento em que seja solicitada
              Por outro lado, o processo declarativo urgente de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias “corresponde à situação de proibição da realização de uma manifestação em data muito próxima, que não pode ser alterada: a questão tem de ser decidida de imediato e não se compadece com uma definição cautelar” e “intervém (…) para suprir as insuficiências da tutela cautelar”.

Acórdão nº 03470/08 de Tribunal Central Administrativo Sul, 27 de Março de 2008
I. Face ao preceituado no artigo 109º nº 1 do CPTA, o pedido de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias só se justifica quando não se mostre possível, nas circunstâncias do caso, o decretamento provisório de uma providência cautelar, segundo o disposto no artigo 131º do mesmo diploma.
II. Mostra-se, portanto, inadequado o emprego deste meio processual urgentíssimo, quando se pretende obter a breve condenação da Administração a modificar a situação prisional do requerente para um regime que lhe seja mais favorável.

Acórdão nº 10024/13 de Tribunal Central Administrativo Sul, 11 de Julho de 2013
I. O processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias é um processo principal a que só é legitimo recorrer, de acordo com o princípio da tipicidade dos meios processuais, ínsito no artº 2º, nº 2 do CPC, e de acordo com os pressupostos materiais previstos no nº 1 do artº 109º do CPTA, quando esteja em causa a lesão ou a ameaça de lesão, de um direito, liberdade ou garantia ou de um direito fundamental análogo, cuja protecção se revele indispensável à célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adopção de uma conduta positiva ou negativa, por não ser possível ou suficiente o decretamento provisório de uma providência cautelar, inclusive segundo o disposto no artº 131º do CPTA.
 II. Estando em causa a tutela do direito à tomada de posse no cargo para que o requerente foi eleito, assim viabilizando o seu respectivo exercício de funções, a qual se encontra agendada para certa data próxima, mostra-se meio processual próprio e adequado, a presente intimação, prevista e regulada nos artºs 109º e seguintes do CPTA.


·         Bibliografia
ALMEIDA, Mário Aroso de, Manual de Processo Administrativo, Almedina, 2013
ANDRADE, José Carlos Vieira de, A Justiça Administrativa (Lições), Almedina, 2012
Pesquisa jurisprudencial


Ana Sofia Barbosa Vieira 20651 Subturma 1

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