Intimação para a prestação de
informações, consulta de documentos e passagem de certidões enquanto direito
reforçado
Instrumento jurídico introduzido
no contencioso administrativo português pela Reforma de 1984/1985, sendo que na
altura estava limitado à consulta de documentação e à passagem de certidões e
sendo tratado como meio processual acessório (art. 82.º e ss da LPTA já
revogada). Porém, por força da jurisprudência e da doutrina, evoluiu para um
meio processual autónomo. Assim, hoje o CPTA nos art. 107.º e ss. transforma
este meio processual num processo próprio, autónomo e urgente, que visa a
tutela do direito à informação em todas as suas modalidades.
O direito à informação é um
direito fundamental de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias
(art. 17.º e 18.º CRP), pelo que goza de aplicabilidade directa e tem valor
reforçado. Trata-se de um corolário do Estado de direito democrático, tendo
sido introduzido no ordenamento jurídico português por via constitucional,
sendo que à informação administrativa
procedimental respeita o n.º 1 do art. 268.º CRP concretizada nos art. 61.º
e ss. CPA e à informação administrativa
não procedimental o n.º 2 do art. 268.º plasmada na Lei 46/2007 de 24 de
Agosto (doravante designada LADA). Na decorrência do seu valor constitucional e
da defesa da tutela jurisdicional efectiva (art. 20.º, n.º 5 e o art. 268.º,
n.º 4 CRP) esta intimação é tratada como processo urgente nos termos do art.
104.º e ss. CPTA, em razão da significativa urgência na obtenção de uma
pronúncia de mérito da causa por forma mais célere do que a que resulta da
tramitação normal, podendo então aplicar-se o art. 36.º e o art. 147.º também
do CPTA.
Seguindo a dicotomia apresentada
pela doutrina, debrucemo-nos primeiramente sobre o direito à informação
procedimental, isto é, o direito à informação administrativa dos directamente
interessados no procedimento, definindo-se como um direito uti singulis. Direito este que integra o “direito a ser informado
sobre o andamento do procedimento, o direito de conhecer as resoluções definitivas
que sobre ele forem tomadas, o direito de consultar o processo e o direito de
obter certidões ou reproduções autenticadas dos documentos que o integram.” (in
Machete, Pedro - A audiência dos interessados no procedimento administrativo,
pag. 398). É exercitável em qualquer fase do procedimento, mas depende sempre
da iniciativa do titular, ou seja, tem que ser requerido à Administração, a
qual deve fornecer no prazo máximo de 10 dias a informação clara, congruente,
suficiente, exacta e tempestiva. Se a Administração não cumprir este dever, há
quem considere que se trata de um acto administrativo como os Profs. Pedro
Machete, Figueiredo Dias, Carlos Cadilha, Vasco Pereira da Silva. Já o Prof.
Mário Aroso de Almeida parece defender que se trata de uma “situação de
efectivo incumprimento do dever de decidir”. No que diz respeito às
consequências da não prestação de informação, mais uma vez a doutrina divide-se
sendo que para os Profs. Sérvulo Correia, Freitas do Amaral e Jorge Miranda se
trata de um vício de forma do acto definitivo por, por preterição de
formalidade legal, que culmina numa nulidade do acto. Já para o Prof. Vasco
Pereira da Silva implicará um vício no procedimento, “facto que se poderá
reflectir na validade do procedimento de decisão dele resultante” ( in Silva,
Vasco Pereira – Em busca do acto administrativo perdido, pag. 436).
Por sua vez, o direito à
informação não procedimental confere o acesso aos arquivos e registos
administrativos por parte de toda e qualquer pessoa, singular ou colectiva,
independentemente da sua participação num dado procedimento ou da invocação de
qualquer interesse na informação (art. 65.º CPA, art. 3.º/2 e 7.º LADA). O
regime respeitante a esta modalidade vem consagrado nos art. 11.º e ss. LADA,
sendo que só após a recusa da Administração é que o interessado pode recorrer
junto dos tribunais administrativos, aplicando as regras do processo de
intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de
certidões (art. 17.º).
No que concerne ao regime
jurídico aplicável enquanto processo urgente regem os art. 104.º e ss. CPTA.
Objecto – conduta, quer da Administração quer de outras entidades
que exerçam poderes de autoridade, através da qual foi deficientemente cumprido
ou recusado ao interessado o exercício do seu direito de informação. Esta
recusa pode consubstanciar um acto de recusa expressa ou uma conduta omissiva
relativamente a um acto requerido (art. 104.º). Também poderá ser uma
notificação ou publicação insuficiente (art. 104.º/2 e 60.º/2).
Pedido – o interessado com este meio processual pede ao juiz que
intime a Administração ou outras entidades a facultar a consulta de processos
onde se inserem determinados documentos, ou a passar certidão, reprodução ou
declaração autenticada de documentos, ou ainda, a prestar uma informação
directa.
Pressuposto específico – o interessado tem de ter requerido,
anteriormente, à Administração a consulta de documentos ou processos, a
passagem de certidões ou a prestação de determinadas informações. E é essencial
que haja uma insatisfação do pedido no prazo de dez dias, um indeferimento ou
uma satisfação parcial (art. 105.º). O Prof. José Manuel dos Santos Botelho
afirma tratar-se de uma fase pré-judicial (in Dos Santos Botelho, José Manuel –
contencioso administrativo, pag. 537). Para o caso do direito à informação não
procedimental há um prazo de 15 dias após o recebimento do relatório do CADA
nos termos do art. 16.º e 17.º LADA.
Competência do tribunal – tribunais administrativos de círculo
(TAC), devendo ser o da área da sede da autoridade requerida (art. 20.º, n.º 4
CPTA; art. 51.º, nº3 e art. 54.º ETAF). A autoridade requerida tem sido
indicada pela doutrina como o órgão autor da conduta omissiva e não a sede da
pessoa colectiva ou Ministério. Isto porque está em causa um processo urgente
que não compreende dilações relativamente a prazos para citações ou outros e
ainda por razões de óbvia celeridade, eficácia e eficiência aliadas ao
princípio da tutela jurisdicional efectiva.
Legitimidade activa – pode ser intentado por quem alegue ser parte
na relação material controvertida (interessado) ou pelo Ministério Público em
representação do Estado ou de outras entidades (art. 104.º). É ainda de
salientar o art. 9.º, n.º 2 em que qualquer pessoa, associação ou fundação defensora
dos interesses em causa, pode propor acção “independentemente de ter interesse
pessoal na demanda”. Pertencendo portanto a quem tenha solicitado, sem êxito
total, a obtenção de uma informação.
Legitimidade passiva – entidade pública a quem o pedido haja sido
dirigido, ou seja, a intimação deve ser apresentada contra a pessoa colectiva
ou o Ministério onde o órgão a quem se imputa a conduta omissiva está inserido
(art. 10.º e 104.º). Contudo, o Prof. Vieira de Andrade entende que não se pode
ignorar a referência feita à “autoridade” (e não à entidade) requerida no art.
107.º pois “a não se considerar a existência aqui de um regime especial de
legitimidade, o requerente deverá, sempre que possível, identificar o órgão
responsável, para que o tribunal possa directamente citá-lo e dirigir-lhe
intimação, sem dependência da organização interna da pessoa colectiva ou do
ministério” (in Viera de Andrade, José Carlos – Justiça Administrativa
(Lições), pag. 273).
Prazo/Oportunidade – nos termos do art. 105.º a intimação só pode
ser requerida no prazo de vinte dias após a verificação de qualquer situação referida
numa das suas alíneas. Relativamente ao efeito interruptivo do prazo de
impugnação rege o art. 106.º que remete expressamente para o art. 60.º, n.º 2.
Aqui o legislador leva-nos a concluir que apenas nos casos em que a intimação
vise situações de notificação ou publicação insuficiente, é que se poderá
interromper prazos de impugnação. Mas a doutrina considera que nada explica uma
restrição e que não se deve distinguir as situações de notificação ou
publicação insuficiente das restantes. Assim, o art. 106.º deve aplicar-se
sempre que esta intimação funcione como um instrumento preparatório e
instrumental relativamente a outros meios administrativos ou contenciosos,
salvo se o tribunal competente julgar que o “pedido constitui expediente
manifestamente dilatório ou foi injustificado, por ser claramente desnecessário
para permitir o uso dos meios administrativos ou contenciosos”.
Marcha do processo -
tramitação de acordo com o processo urgente nos termos do art. 36.º, n.º 1,
alínea c), art, 107.º e 108.º. Significando que o processo corre em férias,
dispensa vistos prévios e os actos da secretaria são praticados no próprio dia,
com precedência sobre quaisquer outros (art. 36.º, n.º 2).
Apresentado o requerimento, o juiz ordena a citação da autoridade
requerida para responder no prazo de 10 dias, respeitando-se assim o princípio
do contraditório (art. 107.º, n.º 1). Após a resposta ou decorrido o respectivo
prazo e concluídas as diligências necessárias, o juiz profere decisão (art.
107.º, n.º 2). Nesta decisão condenatória o juiz determina o prazo em que a
intimação deve ser cumprida, o qual não pode ultrapassar os 10 dias (art.
108.º, n.º 1). Se houver incumprimento da decisão de intimação sem justificação
aceitável, o juiz deve determinar a aplicação de sanções pecuniárias
compulsórias, sem prejuízo do apuramento da responsabilidade civil, disciplinar
e criminal a que haja lugar nos termos do art. 159.º (art. 108.º, n.º 2).
Concluindo, trata-se de um processo célere e de simples tramitação que
consubstancia uma mera actuação administrativa não exigindo que haja
requerimento dirigido à prática de acto administrativo nem que a satisfação do
pedido envolva o exercício de um poder de autoridade. É este o entendimento que
leva a doutrina maioritária a entender que poderíamos estar perante uma acção
administrativa comum, mas por razões de urgência o CPTA prevê esta forma específica,
sendo então entendida como uma acção administrativa comum urgente, “mediante a
qual se faz valer de modo mais célere o direito a prestações que, se não
houvesse urgência nem fosse possível a adopção de um processo simplificado,
seriam accionadas segundo a forma de acção administrativa comum” (in Aroso de
Almeida, Mário – Manual de processo administrativo, pag. 138).
Enquanto direito constitucionalmente protegido só admite restrições
nos casos expressos na lei, devendo estas limitar-se ao estritamente necessário
para salvaguardar outros direitos ou liberdades constitucionalmente consagrados
(art. 17.º e 18.º CRP). Mas o direito à informação procediemental e a sua
tutela não são direitos absolutos pelo que, mesmo sem as restrições explícitas
do texto constitucional, estão limitadas pela necessária salvaguarda de outros
direitos. Assim sendo, há situações em que este direito vai ser colocado em
segundo plano, mas também é certo que não existe um direito ao segredo, de
carácter geral, por parte da Administração. Os documentos que possam ser
considerados como tal terão que o ser formal e expressamente declarados,
devendo exigir-se que a imposição do segredo, seja justificada, para cada
categoria de documentos, nos termos que permitam a sua razoabilidade. Para além
disso devem ser previamente classificas e a lei deve estipular prazos para a
manutenção daquele carácter sigiloso (à falta de lei especial pode recorrer-se
aos art. 4.º e ss. LADA).
Nos termos da lei constitucional e ordinária é possível determinar
quais as matérias que podem estar sujeitas a “direito de segredo”:
a)
Art. 268.º/2 CRP – segurança interna e externa,
politica externa e defesa nacional;
b)
Art. 268.º/2 CRP – investigação criminal;
c)
Art. 26.º e 268.º/2 CRP; art. 62.º/1 e 63.º/1
CPA – reserva da intimidade da vida privada;
d)
Art. 62.º/1 e 63:º/2 CPA – documentos
classificados ( aqueles que ficam ao abrigo de segredo, como por exemplo, o
segredo de Estado e o segredo de justiça);
e)
Art. 62.º/1 e 63.º/2 CPA – segredo comercial,
industrial, ou relativo à propriedade literária, artística ou cientifica.
Em suma, a intimação para a prestação de informações, consulta de
processos ou passagem de certidões constitui um processo urgente de condenação,
que segue uma tramitação especial, que visa a imposição judicial, dirigida à
Administração ou outras entidades, da adopção de comportamentos. É tratada como
um meio autónomo, ou seja, é configurada como acção principal, sem prejuízo da
sua utilização como meio acessório. Perante um alcance tão vasto, é um facto
que nem sempre estará preenchida a razão de ser da urgência, que passa
essencialmente pela acentuação do princípio da transparência. Claramente, “a
efectividade da tutela exige providências urgentes, mas providências que não
pertencem ao domínio da tutela cautelar, pois só podem ser proferidas num
processo de fundo, claramente dirigido a proporcionar uma tutela final, que se
debruce sobre a relação jurídico-administrativa, e com carácter de urgência,
dada a celeridade com que, no caso, se impõe alcançar a justa composição dos
interesses, públicos e privados, envolvidos” (in Aroso de Almeida, Mário – O
novo regime do processo nos tribunais administrativos, pag. 261).
Exemplos de jurisprudência a favor do direito em causa: processo 0517/12
de 05-09-2012, Relator: Madeira dos Santos.
Exemplos de jurisprudência contra o direito em causa: processo 01271/12
de 18-09-2013, Relator: Casimiro Gonçalves.
Bibliografia:
· Almeida, Mário Aroso de – O novo regime do
processo nos tribunais administrativos, Almedina, 2007
·
Almeida, Mário Aroso de - Manual de Processo
Administrativo, Almedina, 2013
·
Andrade, José Carlos Vieira de – A justiça
administrativa (lições), Almedina, 2012
·
Caupers, João – Introdução ao Direito
Administrativo, Âncora editora, 2009
·
David, Sofia – Das intimações, Almedina, 2005
·
Silva, Vasco Pereira da – Em busca do acto
administrativo perdido, Almedina, 2003
Mónica Gomes Bito, n.º 20858
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