sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias


1-Considerações Iniciais

A secção II do capítulo II do título IV do CPTA regula os processos de intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias. Este é um processo principal e urgente que visa concretizar o art. 20.º n.º5 da CRP, onde está consagrado a existência de “procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter a tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos”.
Em primeiro lugar cumpre elucidar quais os direitos, liberdade e garantias abrangidos pelo art. 109.º n.º1 do CPTA. Desde logo, os direitos liberdades e garantias de natureza pessoal, aos quais se juntam os direitos de natureza análoga, todos estes consagrados na constituição, estão, sem sombra de dúvidas, abrangidos no artigo em questão (“a abertura demonstrada pelo legislador ao afastar a limitação da natureza pessoal do direito revela intenção de alargar o âmbito da providênciain Pretexto, contexto e texto da intimação para a procteção de direitos, liberdades e garantias, CARLA AMADO GOMES). Já em relação a direitos, liberdades e garantias que resultem de concretização por lei ordinária, MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLA AMADO GOMES pronunciam-se pela não inclusão destes no preceito. CARLA AMADO GOMES no artigo supra referido refere dois argumentos para esta não inclusão: em primeiro lugar, levantaria grandes dúvidas de qualificação ao julgador e, em segundo lugar, a proliferação de direitos, liberdades e garantias que esta intimação visaria proteger levaria a uma inoperabilidade deste meio processual.
Cumpre agora mencionar o conteúdo da decisão a proferir. Esta pode ser a determinação de um comportamento concreto a que o destinatário da sentença é intimado, com possibilidade de o juiz determinar o prazo e o responsável pelo cumprimento- é o caso previsto no art. 110.º n.º4 do CPTA- ou a atribuição ao tribunal de poderes de proceder à execução específica do dever, emitindo sentença que produz os efeitos do acto devido- como refere o art. 109.º n.º3 do mesmo código. Este último tipo de decisão é uma situação excepcional uma vez que, em situações normais, é necessário estarmos perante um processo executivo para termos uma sentença deste teor.


2-Legitimidade

Para requerer a acção de intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias é parte legítima todo aquele que alegue a ameaça ou início de ameaça de lesão de um direito. O requerente pode ser uma pessoa singular ou colectiva. Cabe ainda saber se o requerente pode ser uma entidade pública. Para CARLA AMADO GOMES é necessário saber se a entidade está “efectivamente a defender um direito (ou garantia) fundamental claramente delineado face à entidade pública cuja acção ou omissão lesa a sua esfera jurídica” (in Pretexto, contexto e texto da intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias, CARLA AMADO GOMES), caso em que esta pode ser sujeito activo.
A legitimidade passiva pode pertencer à pessoa colectiva, ao Ministério, à Administração ou a concessionários e outros particulares (mesmo que estes não disponham de poderes públicos), desde que esteja em causa uma relação jurídica administrativa (art. 109.º n.1 e 2 CPTA).


3-Pressupostos

A intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias pode ser requerida quando a célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adopção de uma conduta positiva ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade e garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento provisório de uma providência cautelar, segundo o diposto no artigo 131.º”.
Em primeiro lugar exige-se a urgência da decisão, de forma a evitar a lesão ou inutilização do direito[i]. Cumpre salientar que, uma vez que depende das circunstâncias do caso concreto, esta urgência tem carácter relativo. Apesar disto, podemos dividir em quatro graus[ii]: 1) urgência ordinária; 2)urgência moderada; 3) urgência especial; 4) urgência extraordinária.
É igualmente necessário que o pedido pressuponha a adopção de uma conduta positiva ou negativa à Administração.
Por último, é necessário que não seja possível ou suficiente o decretamento de uma providência cautelar. Vejamos este pressuposto mais detalhadamente.

3.1-Subsidariedade da intimação

Como salienta MÁRIO AROSO DE ALMEIDA o que, em situações deste tipo, é necessário, é obter, em tempo útil e, por isso, com caráter de urgência, uma decisão definitiva sobre o mérito da causa, que não compadece com a adopção de uma providência cautelar, de carácte precário e provisório”.
Este é o requesito fundamental deste processo de intimação e é configurado de diversas formas pela doutrina.
 CARLA AMADO GOMES desenha este requisito de duas formas: como requisito de admissibilidade, e por isso como um requisito negativo, e como condição de provimento, e por isso como um requisito positivo.
Como requisito negativo de admissibilidade, a subsidariedade tem um grau de abrangência muito mais amplo do que o que a norma estatui: para além de ser necessário a impossibilidade ou insuficiência do decretamente provisório de qualquer providência, é ainda necessário a inexistência de qualquer outro meio processual especial para a defesa dos direitos, liberdades e garantias. CARLA AMADO GOMES entende, por maioria de razão, que só será admissível este processo de intimação se o direito que se encontra ameaçado não puder ser tutelado com mais eficácia, isto é, com maior adequação e plenitude, por outro qualquer meio processual orientado especificamente para a sua defesa.
A autora refere ainda duas condições alternativas para a intimação preferir à providência cautelar: quando não for possível ou quando não for suficiente o decretamente de uma providência para acautelar a tutela efectiva de um direito deve ser utilizada a intimação. Não está aqui em causa a rapidez na concessão da providência mas sim a aplicação do princípio da interferência mínima em sede cautelar[iii]. É tarefa do juiz avaliar em concreto, isto é, caso a caso, a impossibilidade ou insuficiência alegada pelo requerente.
Como condição positiva de provimento, cabe ao requerente provar que só com a procedência da intimação é que o exercício do seu direito fica pelnamente protegido. A indispensabilidade da intimação corresponde “à absoluta e incontornável necessidade da intimação para assegurar a possibilidade de exercer o direito” (in Pretexto, contexto e texto da intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias, CARLA AMADO GOMES). O requerente tem de provar que sem a intimação ocorrerá uma perda irreversível ou mesmo o desaparecimento da faculdade de exercício do direito.
MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, configura a subsidariedade como um requisito negativo. Para este autor, a admissibilidade do processo de intimação depende do não preenchimento dos pressupostos de decretamento da providência cautelar.
Por sua vez, VIEIRA DE ANDRADE considera que este é um requisito redundante uma vez que, nas suas palavras, “se é indispensável uma decisão de mérito urgente para evitar a lesão do direito, então isso exclui automaticamente a admissibilidade de um processo cautelar também urgente”.


4-Tramitação

O CPTA prevê marchas diferentes para os diferentes tipos de urgência:
a) no caso de ugência ordinária, o requerido tem um prazo de sete dias para responder (art. 110.º n.1 do CPTA) e o juiz tem um prazo de cinco dias para decidir (segundo o número 2 do mesmo artigo);
b) no caso de urgência moderada, e quando a complexidade da matéria o justifique, o processo segue a tramitação da acção administrativa especial com os prazos reduzidos a metade (segundo o art. 110.º n.3 do CPTA);
c) no caso de situações de especial urgência, o juiz pode encurtar o prazo do n.1 do art. 110.º do CPTA ou fixar o prazo de quarenta e oito horas para a realização de uma audiência oral, nos termos da qual decidirá de imediato.


5-Considerações finais

A constituição consagra enúmeros direitos fudamentais que devem ser protegido em absoluto. Assim, a intimação para a protecção de direitos, liberdade e garantias justifica-se pela ligação destes direitos à dignidade da pessoa humana. Este modelo processual só poderá ser utilizado se a situação afectar directa e imediatamente o exercício de um direito.
Hoje em dia, este procesos tem sido utilizado principalmente na protecção do acesso ao ensino superior (como exemplo o Acórdão do TCA Sul de 3-maio-2007, P. n.º 02402/07), do acesso a concursos públicos (como exemplo o Acórdão do STA de 6-dezembro.2006, P. n.º 0885/06) e   do acesso a ordens profissionais (como exemplo o Acórdão do TCA Sul de 19-janeiro-2011, P. n.º 06881/10)[iv] uma vez que são casos que não se compadecem com uma decisão provisória da situação, necessitando de uma tutela definitiva do direito que, no caso de esta não se verificar, ficará irreparavelmente afectado.
A intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias não poderá ser usada de forma arbitrária, de forma a que mantenha o seu carácter urgente e necessário, para não se correr o risco de este se tornar a regra geral no que toca à protecção de direitos. É um processo de excepção e assim terá de se manter para garantia da tutela jurisdicional efectiva consagrada na constituição (art. 20.º da CRP).






[i] Se a intimação não tivesse este propósito seria possível a adopção de uma acção administrativa comum ou especial.
[ii] No entendimento de CARLA AMADO GOMES.
[iii] De acordo com este princípio, sempre que o exercício válido do direito não estiver sujeito a qualquer prazo, então a tutela cautelar prefere à tutela sumária.
[iv] Exemplos retirados do artigo “O médoto e o juiz da intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias”, PAULO PEREIRA GOUVEIA.



Bibliografia:
Almeida, M. A. (Março, 2013). Manual de Processo Administrativo. Almedina.
Andrade, V. d. (2011). A justiça administrativa (lições). Almedina.
Gomes, C. A. (2003). Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Inocêncio Galvão Telles: Pretexto, contexto e texto da intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias. Almedina.
Gouveia, P. P. (2013). O direito: O método e o juiz da intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias. JURIDIREITO, Edições Jurídicas, Lda.




Rafaela Aguiar Macedo de Sousa, n.º 20903

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