Intimação
para a protecção de direitos, liberdades e garantias
1-Considerações
Iniciais
A secção II
do capítulo II do título IV do CPTA regula os processos de intimação para a
protecção de direitos, liberdades e garantias. Este é um processo principal e
urgente que visa concretizar o art. 20.º n.º5 da CRP, onde está consagrado a
existência de “procedimentos judiciais
caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter a tutela efectiva
e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos”.
Em primeiro
lugar cumpre elucidar quais os direitos, liberdade e garantias abrangidos pelo
art. 109.º n.º1 do CPTA. Desde logo, os direitos liberdades e garantias de
natureza pessoal, aos quais se juntam os direitos de natureza análoga, todos
estes consagrados na constituição, estão, sem sombra de dúvidas, abrangidos no
artigo em questão (“a abertura
demonstrada pelo legislador ao afastar a limitação da natureza pessoal do
direito revela intenção de alargar o âmbito da providência” in Pretexto, contexto e texto da
intimação para a procteção de direitos, liberdades e garantias, CARLA AMADO GOMES).
Já em relação a direitos, liberdades e garantias que resultem de concretização
por lei ordinária, MÁRIO
AROSO DE ALMEIDA e
CARLA AMADO GOMES pronunciam-se pela não
inclusão destes no preceito. CARLA
AMADO GOMES no
artigo supra referido refere dois argumentos para esta não inclusão: em
primeiro lugar, levantaria grandes dúvidas de qualificação ao julgador e, em
segundo lugar, a proliferação de direitos, liberdades e garantias que esta
intimação visaria proteger levaria a uma inoperabilidade deste meio processual.
Cumpre
agora mencionar o conteúdo da decisão a proferir. Esta pode ser a determinação
de um comportamento concreto a que o destinatário da sentença é intimado, com
possibilidade de o juiz determinar o prazo e o responsável pelo cumprimento- é
o caso previsto no art. 110.º n.º4 do CPTA- ou a atribuição ao tribunal de
poderes de proceder à execução específica do dever, emitindo sentença que
produz os efeitos do acto devido- como refere o art. 109.º n.º3 do mesmo
código. Este último tipo de decisão é uma situação excepcional uma vez que, em
situações normais, é necessário estarmos perante um processo executivo para
termos uma sentença deste teor.
2-Legitimidade
Para
requerer a acção de intimação para a protecção de direitos, liberdades e
garantias é parte legítima todo aquele que alegue a ameaça ou início de ameaça
de lesão de um direito. O requerente pode ser uma pessoa singular ou colectiva.
Cabe ainda saber se o requerente pode ser uma entidade pública. Para CARLA AMADO GOMES é necessário saber se a
entidade está “efectivamente a defender
um direito (ou garantia) fundamental claramente delineado face à entidade
pública cuja acção ou omissão lesa a sua esfera jurídica” (in Pretexto, contexto e texto da
intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias, CARLA AMADO GOMES), caso em que esta pode
ser sujeito activo.
A
legitimidade passiva pode pertencer à pessoa colectiva, ao Ministério, à Administração
ou a concessionários e outros particulares (mesmo que estes não disponham de
poderes públicos), desde que esteja em causa uma relação jurídica
administrativa (art. 109.º n.1 e 2 CPTA).
3-Pressupostos
“A intimação para a protecção de direitos,
liberdades e garantias pode ser requerida quando a célere emissão de uma
decisão de mérito que imponha à Administração a adopção de uma conduta
positiva ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício,
em tempo útil, de um direito, liberdade e garantia, por não ser
possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento
provisório de uma providência cautelar, segundo o diposto no artigo 131.º”.
Em primeiro
lugar exige-se a urgência da decisão, de forma a evitar a lesão ou inutilização
do direito[i].
Cumpre salientar que, uma vez que depende das circunstâncias do caso concreto,
esta urgência tem carácter relativo. Apesar disto, podemos dividir em quatro
graus[ii]: 1)
urgência ordinária; 2)urgência moderada; 3) urgência especial; 4) urgência
extraordinária.
É
igualmente necessário que o pedido pressuponha a adopção de uma conduta
positiva ou negativa à Administração.
Por último,
é necessário que não seja possível ou suficiente o decretamento de uma
providência cautelar. Vejamos este pressuposto mais detalhadamente.
3.1-Subsidariedade
da intimação
Como
salienta MÁRIO AROSO DE
ALMEIDA “o que, em situações deste tipo, é
necessário, é obter, em tempo útil e, por isso, com caráter de urgência, uma
decisão definitiva sobre o mérito da causa, que não compadece com a adopção de
uma providência cautelar, de carácte precário e provisório”.
Este é o
requesito fundamental deste processo de intimação e é configurado de diversas
formas pela doutrina.
CARLA
AMADO GOMES desenha
este requisito de duas formas: como requisito de admissibilidade, e por isso
como um requisito negativo, e como condição de provimento, e por isso como um
requisito positivo.
Como
requisito negativo de admissibilidade, a subsidariedade tem um grau de
abrangência muito mais amplo do que o que a norma estatui: para além de ser
necessário a impossibilidade ou insuficiência do decretamente provisório de
qualquer providência, é ainda necessário a inexistência de qualquer outro meio
processual especial para a defesa dos direitos, liberdades e garantias. CARLA AMADO GOMES entende, por maioria de
razão, que só será admissível este processo de intimação se o direito que se encontra
ameaçado não puder ser tutelado com mais eficácia, isto é, com maior adequação
e plenitude, por outro qualquer meio processual orientado especificamente para
a sua defesa.
A autora
refere ainda duas condições alternativas para a intimação preferir à
providência cautelar: quando não for possível ou quando não for suficiente o
decretamente de uma providência para acautelar a tutela efectiva de um direito
deve ser utilizada a intimação. Não está aqui em causa a rapidez na concessão
da providência mas sim a aplicação do princípio da interferência mínima em sede
cautelar[iii].
É tarefa do juiz avaliar em concreto, isto é, caso a caso, a impossibilidade ou
insuficiência alegada pelo requerente.
Como
condição positiva de provimento, cabe ao requerente provar que só com a
procedência da intimação é que o exercício do seu direito fica pelnamente
protegido. A indispensabilidade da intimação corresponde “à absoluta e incontornável necessidade da intimação para assegurar a
possibilidade de exercer o direito” (in
Pretexto, contexto e texto da intimação para a proteção de direitos, liberdades
e garantias, CARLA AMADO
GOMES). O
requerente tem de provar que sem a intimação ocorrerá uma perda irreversível ou
mesmo o desaparecimento da faculdade de exercício do direito.
MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, configura a
subsidariedade como um requisito negativo. Para este autor, a admissibilidade
do processo de intimação depende do não preenchimento dos pressupostos de
decretamento da providência cautelar.
Por sua
vez, VIEIRA DE ANDRADE considera que este é um
requisito redundante uma vez que, nas suas palavras, “se é indispensável uma decisão de mérito urgente para evitar a lesão do
direito, então isso exclui automaticamente a admissibilidade de um processo
cautelar também urgente”.
4-Tramitação
O CPTA
prevê marchas diferentes para os diferentes tipos de urgência:
a) no caso
de ugência ordinária, o requerido tem um prazo de sete dias para responder
(art. 110.º n.1 do CPTA) e o juiz tem um prazo de cinco dias para decidir
(segundo o número 2 do mesmo artigo);
b) no caso
de urgência moderada, e quando a complexidade da matéria o justifique, o
processo segue a tramitação da acção administrativa especial com os prazos
reduzidos a metade (segundo o art. 110.º n.3 do CPTA);
c) no caso
de situações de especial urgência, o juiz pode encurtar o prazo do n.1 do art.
110.º do CPTA ou fixar o prazo de quarenta e oito horas para a realização de
uma audiência oral, nos termos da qual decidirá de imediato.
5-Considerações
finais
A
constituição consagra enúmeros direitos fudamentais que devem ser protegido em
absoluto. Assim, a intimação para a protecção de direitos, liberdade e
garantias justifica-se pela ligação destes direitos à dignidade da pessoa
humana. Este modelo processual só poderá ser utilizado se a situação afectar
directa e imediatamente o exercício de um direito.
Hoje em
dia, este procesos tem sido utilizado principalmente na protecção do acesso ao
ensino superior (como exemplo o Acórdão do TCA Sul de 3-maio-2007, P. n.º
02402/07), do acesso a concursos públicos (como exemplo o Acórdão do STA de
6-dezembro.2006, P. n.º 0885/06) e do
acesso a ordens profissionais (como exemplo o Acórdão do TCA Sul de
19-janeiro-2011, P. n.º 06881/10)[iv]
uma vez que são casos que não se compadecem com uma decisão provisória da
situação, necessitando de uma tutela definitiva do direito que, no caso de esta
não se verificar, ficará irreparavelmente afectado.
A intimação
para a protecção de direitos, liberdades e garantias não poderá ser usada de
forma arbitrária, de forma a que mantenha o seu carácter urgente e necessário,
para não se correr o risco de este se tornar a regra geral no que toca à
protecção de direitos. É um processo de excepção e assim terá de se manter para
garantia da tutela jurisdicional efectiva consagrada na constituição (art. 20.º
da CRP).
[i] Se a intimação não
tivesse este propósito seria possível a adopção de uma acção administrativa
comum ou especial.
[ii] No entendimento de CARLA
AMADO GOMES.
[iii] De acordo com este
princípio, sempre que o exercício válido do direito não estiver sujeito a
qualquer prazo, então a tutela cautelar prefere à tutela sumária.
[iv] Exemplos retirados do
artigo “O médoto e o juiz da intimação
para a protecção de direitos, liberdades e garantias”, PAULO
PEREIRA GOUVEIA.
Bibliografia:
Almeida, M. A. (Março,
2013). Manual de Processo Administrativo. Almedina.
Andrade, V. d. (2011). A justiça administrativa (lições).
Almedina.
Gomes, C. A. (2003). Estudos em Homenagem ao Professor
Doutor Inocêncio Galvão Telles: Pretexto, contexto e texto da intimação para a
protecção de direitos, liberdades e garantias. Almedina.
Gouveia, P. P. (2013). O direito: O método e o juiz da
intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias.
JURIDIREITO, Edições Jurídicas, Lda.
Rafaela
Aguiar Macedo de Sousa, n.º 20903
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