sábado, 30 de novembro de 2013



A distinção entre Ação Administrativa Comum e Ação Administrativa Especial

Para abordar a questão da distinção entre a ação administrativa comum e a ação administrativa especial vou começar por falar do princípio da tutela jurisdicional efetiva e a sua consagração atualmente, para um melhor entendimento dos meios processuais em causa. Seguidamente falarei da distinção entre as duas ações em voga, e farei uma brevíssima passagem pelas pretensões que cabem nos dois tipos de ação.  
Atualmente podemos encontrar no artigo 268º da Constituição da República Portuguesa (adiante designada por CRP) referência aos direitos e garantias dos administrados, o que podemos entender como a proteção constitucional das pessoas perante a administração. O seu número 4 será o que maior interesse revela para o tema em questão. Podemos entender que este preceito se identifica com uma notável evolução da justiça administrativa, na medida em que podemos encontrar hoje consagrada constitucionalmente uma garantia do acesso à justiça administrativa.
 Contrapõe-se vincadamente com a situação que tínhamos no passado, em que o administrador tinha a função de julgar e de administrar. Hoje existem diferentes meios processuais que garantem a diferenciação entre a função de julgar e a de administrar, trata-se “ (…) de superar definitivamente os “velhos traumas” da “infância difícil” do contencioso administrativo que remontam aos tempos do administrado-juiz (…) ” [i]. Este artigo 268º/4 mostra a evolução da administração dando o passo importante de dizer claramente que é nos tribunais que está o dever de julgar. Conjugando este artigo com o artigo 20º e o artigo 212º temos concretizado o direito à tutela jurisdicional efetiva. Estes preceitos constitucionais mostram-nos “ (…) que ao administrado não basta apenas a garantia do acesso ao direito e aos tribunais, à informação e consulta jurídica (…)” artigo 2º Código de Processo nos Tribunais Administrativos ( adiante designado por CPTA) “(…)  é ainda necessário que a lei assegure os seus direitos e interesses legalmente protegidos, podendo, em última instância, em caso de “falha do legislador”, essa garantia ser dada pelo tribunal, em decorrência da aplicação direta dos preceitos constitucionais [ii]. Podemos ver que hoje temos um sistema processual administrativo que põe acima de tudo a proteção dos direitos dos administrados, que assegura um acesso à justiça administrativa eficaz, será um marco para o contencioso administrativo se pensarmos como era antes este ramo, no tempo em que a função administrativa se confundia com a função de julgar. Assim como podemos ver no Acórdão do Tribunal Constitucional (adiante designado por TC) nº151/02 [iii], que resulta do referido artigo que à plenitude da garantia jurisdicional se tenha sempre de encontrar um meio que permita o acesso aos tribunais quando exista um direito ou interesse legalmente protegido.
De seguida vou referir os vários meios processuais que ajudam na caracterização da tutela jurisdicional efetiva que tem vindo a ser tratada. Observando o CPTA e obedecendo à sua ordem temos primeiramente referência à ação administrativa comum no título II, que como diz o artigo 35º será regulada segundo as normas do Código de Processo Civil (adiante designado por CPC). No título III temos a ação administrativa especial onde se encontra a sua tramitação. Seguidamente temos os processos urgentes no título IV, e por fim os processos cautelares no título V, estes dois últimos não serão alvo de tratamento nesta exposição, uma vez que tratarei apenas das ações consideradas não urgentes, para melhor se perceber a sua distinção.
Com o esquema do CPTA feito sobre as várias formas de processo, vamos abordar o critério de distinção entre a ação administrativa comum e a ação administrativa especial.  
Assim relativamente aos processos não urgentes temos um modelo dualista, que assenta na ação administrativa comum e na ação administrativa especial, é estabelecido uma distinção entre as várias causas administrativas, na medida que existem causas que têm de tramitar segundo a forma comum e outras segundo a forma especial. Mas porquê a adoção destes dois “nomes” para estas diferentes tramitações de causas administrativas?
Com a reforma do Contencioso Administrativo efetivada com a Lei nº 13/2004 de 19 de fevereiro que aprovou o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (adiante designado ETAF) e a Lei nº 15/2002 de 22 de fevereiro que aprova o atual CPTA passamos a ter nos processos não urgentes um sistema dualista assente nas duas formas de processo em análise. O professor Sérvulo Correia falava da existência de um modelo dualista antes da reforma; “ (…) encontramo-nos convictos de que o leque de meios processuais abertos no ACOPTA mereceria ser simplificado não através da redução à unidade mas graças á adopção de uma matriz dualista que tivesse como pilares uma ação administrativa comum e um recurso contencioso de âmbito alargado” [iv]. Assim o nosso código relativamente à estrutura de meios principais não urgentes adotou a proposta formulada no estudo Accenture, S.A., de acordo com a qual deve ser realizado como consta do excerto do artigo do professor Sérvulo Correia. No entanto além destes seguimentos o Código fez outras opções que vieram a levantar algumas incoerências.  
Assim hoje o CPTA prevê a ação administrativa comum e a ação administrativa especial. A primeira das duas será aplicada sempre que a um caso não corresponda a segunda, ou seja, não se aplique a ação especial.
 Portanto, a ação administrativa Comum terá lugar quando não consigamos aplicar a ação especial e os processos urgentes como podemos ver pelo artigo 37º do CPTA, o seu número 1 indica-nos exatamente o que foi dito em cima. No número 2 estão presentes os processos que deverão seguir esta ação, não esgotando todos os casos como o próprio artigo menciona “designadamente”. O artigo 42º refere que a tramitação será a do CPC, que como é sabido sofreu uma alteração este ano, o que se reflete na tramitação da ação comum. Apesar disso não podemos esquecer os artigos 43º e seguintes do CPTA como refere o próprio artigo 42º. Temos assim por conseguinte uma ação que será utilizada sempre que não se possa aplicar outras do CPTA e que terá a sua tramitação não no regime administrativo mas sim no civil.  
A ação administrativa especial por sua vez está presente como já referi no artigo 46º, neste artigo é especificado os casos que serão alvo deste processo. Como refere o código a tramitação desta ação será regulada no próprio CPTA. Assim os processos que seguem a forma especial são os que estão designados no próprio artigo, nomeadamente pretensões emergentes da prática ou omissão ilegal de atos administrativos, e de normas que devessem ser emitidas ao abrigo de disposições no direito administrativo. O número 2 deste artigo especifica os pedidos principais que podem ser formulados. Para a tramitação desta ação teremos de seguir os artigos 47º e seguintes do CPTA, uma vez que como já vimos anteriormente a ação administrativa especial rege-se pelo preceituado no CPTA.
Podemos então afirmar que temos uma ação administrativa comum que regulará todos os casos que não estão presentes no código, pois estes pertencem à ação administrativa especial e que esta vai ter a sua tramitação no processo administrativo, e que por sua ver a ação comum vai encontrar as normas da sua tramitação no processo civil.
Para alguns autores não existe nada de errado aqui, as ações administrativas em colação não têm os “nomes” mal atribuídos ou trocados [v] ,no entanto esta não será uma posição unanime podemos encontrar críticas.
Assim esta distinção entre ação administrativa comum e ação administrativa especial recebe algumas críticas, nomeadamente o professor Vasco Pereira da Silva é um dos autores que evidência várias críticas no que toca ao assunto em voga. “Uma tal delimitação do âmbito de aplicação da ação administrativa comum da especial merece sérias reservas, já que, em meu entender, ela não é justificada por verdadeiras razões de natureza processual, antes tem por base “pré-conceitos” de natureza substantiva, com origem no que costumo designar, ironicamente, pelos “traumas” da “infância difícil” do Direito Administrativo (…) ” [vi]. Assim para o autor a designação dos termos comum e especial tem como fundamento a história do Contencioso Administrativo e não uma explicação processual.
Assim o professor exemplifica que se justificam regras excecionais para atos e regulamentos administrativos numa ação especial, o que corresponderia a uma ideia do contencioso limitado, tal como era antigamente. As duas ações com este nome parecem dar azo a clássica ideia de especialidade do Direito Administrativo, no sentido de “excecionalidade de poderes” tal como refere o autor no manual [vii]. Para este autor os nomes deveriam estar trocados, pois segundo o professor, o legislador chamou comum ao que é especial e vice-versa, uma vez que a especial corresponde à maioria dos casos, ainda afirma que o critério do artigo 37º é substantivo.
Vamos agora falar das pretensões que cabem em cada uma das ações, pois assim teremos um melhor entendimento do que é cada uma das ações aqui em estudo.
Assim cabe na ação administrativa comum; pretensões de conteúdo meramente declarativo, que se encontram nas alíneas a) e b) do nº do artigo 37º do CPTA. Pretensões de conteúdo constitutivo, por exemplo ações de sentenças de anulação dos contratos cuja apreciação se encontra submetida à jurisdição administrativa. E ainda pretensões de conteúdo condenatório, das quais podemos ter por exemplo, pretensões relativas ao incumprimento de contratos alínea h) do nº2 do artigo 37º, de responsabilidade civil extracontratual alínea f) do referido artigo. E ainda entre outras pretensões dirigidas ao restabelecimento de direitos ou interesses violados, ao pagamento de indemnizações devidas pela imposição se sacrifícios e outras fundadas no enriquecimento sem causa, que podem ser encontradas nas alíneas d), g) e i) do mesmo artigo. Estas serão apenas alguns exemplos das pretensões que cabem na ação administrativa comum.
Na ação administrativa especial além do que já referimos em cima temos a impugnação de atos administrativos artigo 50º e seguintes do CPTA. Artigo 60º que evoca a condenação à prática de ato devido, artigo 72º impugnação de normas e declaração de ilegalidade por omissão.
Podemos então concluir que a ação comum trata todos os litígios jurídico-administrativos excluídos pelos restantes meios processuais, “(…) a ação administrativa comum está primacialmente vocacionada no contraponto da ação administrativa especial, que tem por objecto  a fiscalização do exercício dos poderes administrativos, para dirimir os litígios emergentes de relações jurídicas paritárias, que não envolvam o exercício de poderes de autoridade da Administração.[viii].
Ou seja, podemos encontrar posições contrárias e posições que se encontram a favor da distinção nestes termos das duas ações. Se por um lado tal como diz o professor Vasco Pereira Da Silva a ação especial é a mais utilizada, que é como se esta é que fosse a ação comum. Por outro o professor Mário Aroso de Almeida evoca o artigo 460º nº2 do CPC para demonstrar que isto não invalida os “nomes” atribuídos.
                Podemos assim encontrar duas ações não urgentes no processo administrativo que apesar de já bem delimitadas uma pela outra o seu termo de distinção ainda encontra questões suscitadas na doutrina, principalmente pelos termos comum e especial que lhes foram atribuídos como podemos ver no desenrolar da questão.



[i] Vasco Pereira Da Silva «O Contencioso administrativo no Divã da Psicanálise» 2009, citação pág. 242.
[ii]  Revista de Direito Público e Regulação, Março de 2010, Suzana Tavares da Silva «Revisitando a garantia da tutela jurisdicional efectiva dos administrados» citação pág. 127.
[iv] Estudos de Direito Processual Administrativo, 2002, Sérvulo Correia «Unidade ou pluralidade de meios processuais no Contencioso Administrativos» citação pág. 206.
[v] Mário Aroso de Almeida «Manual de Processo Administrativo» 2013, nomeadamente nas págs. 361 e seguintes. Quando o professor explica o que acontece no processo administrativo demostrando que é igual em processo civil, exemplificando com o princípio civil presente no então artigo 460º nº2 do CPC. A ação administrativa comum será a forma de processo comum (comum no sentido de substantivo masculino).
[vi] Vasco Pereira Da Silva «O Contencioso administrativo no Divã da Psicanálise» 2009, citação pág. 246.
[vii] Vasco Pereira Da Silva «O Contencioso administrativo no Divã da Psicanálise» 2009, págs. 246 e seg.
[viii] Mário Aroso de Almeida «Manual de Processo Administrativo» 2013, citação pág. 363.


Joana Fonseca nº20640

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