terça-feira, 26 de novembro de 2013


                                                                                          Ação popular


1. Conceito

A ação popular carateriza-se por ser uma ação proposta por cidadãos, individualmente ou em grupo, no gozo dos seus direitos civis e políticos, em defesa de valores que interessam à comunidade sem terem necessariamente que respeitar individualizadamente aos autores.
È um direito subjetivo de ação judicial, que confere aos seus titulares as condições objetivas para promoverem e exigirem a atividade contenciosa destinada à resolução de determinados litígios através da efetivação da garantia jurídica dos direitos ofendidos, e proceder à análise do interesse juridicamente protegido que se visa prosseguir.
Tem como finalidade específica a tutela jurisdicional de um direito subjetivo material, pois o direito de ação não é concebível sem ter por base a invocação de um direito material que se pretenda fazer valer.
A legitimidade é reconhecida e averiguada em termos gerais e abstratos, enquanto direito de ação judicial conferido a um cidadão, mas com a especificidade de integração objetiva de certas qualidades e da inserção em determinadas categorias de indivíduos. È necessário que o interesse comum resultante dessa participação seja suficientemente difuso e geral para se não identificar com os interesses pessoais e diretos em que assenta em regra a legitimidade e a titularidade do direito de ação judicial.
O interesse será tanto mais vago e difuso quanto menor for a compreensão e maior a extensão da comunidade ou categorias de pessoas em causa, só assim se poderá assegurar o caráter autenticamente abstrato da legitimidade em questão.
A categoria de indivíduos tem também de assentar na própria coletividade política, quer globalmente, quer de um modo parcial e restritivo, pois o interesse é sempre público.
A ação popular clássica, divide-se em duas modalidades, nomeadamente: na ação popular supletiva (ou substitutiva) e ação popular corretiva, consoante se destina à tutela de direitos ou interesses da Administração em relação a terceiros (que poderão eventualmente ser também os administrados do ente público) ou se dirija contra os órgãos da própria Administração.
A distinção baseia-se essencialmente no critério formal da legitimidade passiva, que no primeiro caso pertence a um terceiro e no segundo caso ao próprio órgão da Administração (enquanto tal).
A supletiva destina-se a defender no foro civil, os bens e direitos da Administração, lesados ou ameaçados por terceiros, quando os seus órgãos normais não tenham desenvolvido dentro de certo prazo a ação que, para tal lhes foi submetida. Representa o suprimento por parte dos particulares, da inércia dos órgãos da Administração.
A corretiva é a modalidade de ação popular cujo objetivo é a impugnação da legalidade de determinados atos administrativos, sendo a interposição de um recurso contencioso anulatório nos tribunais administrativos.

2. Origem e evolução

Em Portugal, a defesa dos interesses difusos dá-se por intermédio da ação popular, que possui as suas raízes no Direito Romano, e foi sendo enriquecida com institutos típicos do regime norte americano das class actions, como é o caso da citação dos contra-interessados (notice) e do direito de auto-exclusão (right to opt out).
A ação popular teve origem em Roma, atingindo ai grande expansão e desenvolvimento devido ao condicionalismo politico dominante. Eram formas de ação judicial conferidas a todo e qualquer cidadão, para a exclusiva prossecução do interesse público, por duas ordens de razão, nomeadamente: a defesa judicial do interesse público não incumbia normalmente ao Estado, mas sim aos cidadãos, enquanto portadores de um dever cívico; e a organização policial do Estado era muito deficiente na sua estrutura, pois carecia do constante concurso dos cidadãos na afirmação da lei.
Destinava-se primariamente à defesa do interesse público, de forma a garantir meios adequados para o exercício pleno e efetivo de um poder de polícia, designadamente uma fiscalização eficiente da coisa pública, integrando também a ordem pública, a integridade física dos cidadãos, a liberdade do individuo,… sendo que qualquer membro da coletividade a podia propôr.
Surge principalmente no campo penal, nomeadamente na ação proibitória ou restitutória.
Decaiu a importância da ação popular no período medieval devido ao regime feudal, no entanto, ganhou novo fôlego no direito contemporâneo, nomeadamente na Bélgica e na França.
Com os modernos ordenamentos constitucionais de democracia liberal, surge a ação popular corretiva, dirigida à fiscalização da legalidade dos atos emanados de certos órgãos da Administração.
Quanto à evolução no direito português em específico, as ordenações foram muito influenciadas pelo Direito Romano, e já previam a ação popular supletiva civil, referente aos interesses dos municípios e utilizável contra quem indevidamente se apossasse dos caminhos e servidões do concelho.
O Código administrativo de 1878 no 369º dispunha conferia esta ação a qualquer cidadão eleitor, estando subordinada à autorização prévia da junta geral do distrito ou do governo, o que pretendia acautelar excessivamente o seu emprego e lhe retirava grande parte da eficácia, sendo que o código de 1936, alterou para qualidade de cidadão contribuinte e domiciliado, e já não se exige a prévia autorização.
Com a última reforma, a ação popular sofreu modificações substanciais de regime, conforme referido infra.

3. A ação popular e a tutela jurisdicional dos interesses difusos

O Direito não garantia mecanismos para evitar ou reparar lesões e interesses que não diziam respeito, exclusivamente, a um determinado individuo, mas sim a uma inteira coletividade de pessoas.
 Diante da ausência de um prejuízo direto e imediato, estavam os indivíduos privados da possibilidade de alcançarem a tutela jurisdicional de tais interesses, que, enquanto pertencentes a todo um conjunto de pessoas, também lhes respeitavam, como desfrutadores de um dado bem jurídico afetado.
Os critérios individualistas quanto à legitimação para agir, os custos do processo, a insignificância do valor do prejuízo individualmente considerado, bem como os prejuízos ocasionados à Administração da justiça no caso de uma proliferação de pedidos com idêntico objeto, impunham a criação de mecanismos alternativos para a resolução de uma nova modalidade de conflitos que envolviam grupos de sujeitos e não indivíduos determinados.
A tutela de uma coletividade de pessoas é fundamentada pela impossibilidade da sua administração individual e, por uma questão prática, nomeadamente de economia dos recursos judiciários.
O escopo das ações coletivas é o de garantir o acesso à justiça, permitindo uma efetiva proteção de determinados interesses que, de outra maneira, dificilmente seriam judicialmente tutelados.[1]
A legitimação do autor popular para a propositura da ação objetivando a tutela de interesse difuso tem como ponto fulcral uma ampliação das oportunidades de defesa de interesses respeitantes ao individuo, nunca o de restringi-los.

3.1_Os interesses difusos:

O Supremo tribunal português divide os interesses difusos em três categorias, nomeadamente: interesses difusos stricto sensu, interesses coletivos e interesses individuais homogéneos.
 Para Miguel Teixeira de Sousa, os interesses homogéneos são a refração dos interesses difusos ou coletivos «na esfera de cada um dos titulares, ou seja, são a concretização dos interesses difusos stricto sensu e dos interesses coletivos na esfera dos indivíduos», justificando assim a categoria.[2]
Os interesses difusos lato sensu são caracterizados por serem supra-individuais, ou seja, comuns a uma pluralidade de sujeitos, cuja tutela é dispensada uniformemente para todos os respetivos co-titulares.
O interesse difuso é o interesse de um público, e difere do interesse público na medida em que gera uma utilidade presente aos seus co-titulares, membros de uma determinada comunidade, de desfrute coletivo e indivisível de uma situação que se reflete nos indivíduos que fazem parte do grupo, e não apenas potencial e futura, como ocorre nos interesses públicos (traduz a noção de bem comum, de toda a coletividade, identificando-se com o bem comum, trata-se de um interesse objetivo, qualificado por uma autoridade normativa e cuja persecução é confiada aos órgãos do Estado).
A tutela coletiva é excecional, ou seja, destina-se a garantir o acesso à Justiça e permitir a tutela dos interesses que, ainda que individuais e privados, não seriam de outra forma tutelados, ou aqueles cuja tutela seria extremamente improvável se não fosse perseguida de forma coletiva.
A tutela individual deve ser admitida só quando implicar a inviabilidade da tutela coletiva pelos demais titulares do interesse, pois deve evitar-se a todo o custo qualquer tendência a uma massificação da tutela jurisdicional, motivada por questões de mera conveniência, pois tal seria desvalorizar a posição do individuo em atenção a uma alegada economia de recursos, sedno que só será admissível por razões de ordem prática ou jurídica.
De reiterar que no regime português parece haver uma sobreposição do interesse coletivo sobre o individual, pois sempre que seja proposta uma ação popular, irá inviabilizar a tutela do interesse individual sobre mesmo facto jurídico.
O interesse difuso reclama uma tutela uniforme, tal como refere Oliveira Ascensão «Cada um participa de um interesse comum, que pode por si atuar e defender, há sem dúvida um interesse jurídico».[3]
Gomes Canotilho e Vital Moreira classificam os interesses difusos como a «refração em cada individuo de interesses unitários da comunidade» [4], como tal esta refração cria em cada individuo uma posição jurídica subjetiva que, apesar de distinta daquela criada por interesses eminentemente individuais, legitima a participação dos co-titulares na tutela de determinado interesse que, a despeito de também pertencer a outros, radica em cada um dos membros do grupo a participação dos seus co-titulares.
O que se pretende é assegurar a maneira mais eficiente possível de agir, e não afirmar que a tutela jurisdicional dos interesses difusos deva pautar-se nas mesmas regras que regem a tutela dos interesses eminentemente individuais, o que tornaria inviável a sua proteção.
Deve ser garantida a maior participação possível do individuo diante das circunstâncias, sem que no entanto, esta participação comprometa as condições mínimas de praticabilidade, de efetivação da tutela dos interesses difusos, procurando encontrar-se um ponto de equilíbrio entre a participação do individuo e a efetividade da tutela.


4_ O acesso à Justiça e a ação popular portuguesa

A ação popular é uma exceção à individualidade do interesse, sendo que os valores e interesses em causa para se poder participar em juízo correspondem a uma coletividade de indivíduos, permitindo este mecanismo de tutela dos interesses difusos: garantir o acesso à Justiça em situações que, de outra forma, esta não seria viável; otimizar a proteção de determinados direitos fundamentais substanciais; proporcionar economia de meios na administração da Justiça e promover a possibilidade de uniformização de decisões contraditórias;
È necessário que o intérprete efetue uma identificação dos valores em conflito em cada situação que apresente, em cada ação popular, com as particularidades ínsitas a cada caso concreto, pois nem toda a ação popular tem por objeto a tutela de um direito fundamental, o que possibilita, conforme esteja em causa ou não a respetiva proteção, uma diversidade de soluções em termos de ponderação de valores.
O caso concreto pode revelar valores e interesses em conflito que não se apresentam na generalidade dos casos, impondo a individualização da solução, na medida em que introduz um dado adicional à equação ponderativa.

Atualmente em Portugal, a ação popular assume duas modalidades:

                                           - 9º/2 CPTA, que corresponde ao universo das ações que podem ser intentadas em defesa de valores e bens constitucionalmente protegidos, como a saúde pública, o ambiente, o urbanismo, o ordenamento do território, a qualidade de vida, o património cultural e os bens do Estado, das Regiões Autónomas e das autarquias locais (que constitui uma concretização do direito de ação popular que a CRP consagra como um direito, liberdade e garantia de participação politica no seu 52º/3, tutelando posições jurídico materiais de natureza especifica, que se consegue através do recurso contencioso, ou através de qualquer outro meio processual que seja exigido pelo interesse difuso concretamente existente e pela natureza da atuação administrativa que o lesa ou ameaça).

                                           -55º/2 CPTA, ação popular de impugnação de atos administrativos praticados por órgãos autárquicos, que qualquer cidadão recenseado na localidade pode intentar.

5_A Constituição da República Portuguesa e a lei da ação popular

Anteriormente à revisão de 1989 a CRP só reconhecia o direito à ação popular nos casos e nos termos previstos na lei, o que visava abrir o contencioso a uma fiscalização cívica, dos cidadãos enquanto tais sobre a legalidade objetiva da atuação administrativa, através do recurso contencioso de anulação, mesmo que tal atuação, necessariamente formalizada em ato administrativo, não afetasse qualquer esfera jurídica individual ou a afetasse em termos favoráveis.
 Havia uma separação muito clara entre o direito de ação popular e quaisquer posições jurídico-materiais do autor ou de terceiros, quer estas posições se traduzissem em direitos individuais coletivos ou difusos.
Após a revisão de 1997, passou-se a admitir: que a ação popular não seja exercida exclusivamente por cidadãos, mas também por associações; que o interesse visado não seja a restauração da legalidade objetiva, mas sim a tutela de interesses jurídico materiais de natureza heterogénea, apresentando a maior parte deles como ponto comum uma titularidade plural; que as associações titulares do direito de ação popular não sejam associações cívicas em sentido estrito, não excluindo associações de cariz egoísta; que as atuações lesivas dos interesses em causa não sejam necessariamente imputáveis a entidades públicas, consagrando-se a possibilidade de se agir contra atuações de particulares, regidas pelo direito privado; que as providências requeridas ao abrigo da ação popular não se limitem à eliminação dos atos administrativos ilegais, abrangendo ainda os mecanismos de prevenção, cessação ou perseguição de atuações lesivas exigidos pelas circunstâncias do caso; que se inclua o direito de pedir indemnização para os lesados, que podem coincidir ou não com os autores, regime que pressupõe uma subjectivização dos interesses enunciados no preceito ou de parte deles.

6_ Lei nº 83/95 de 13 de Agosto, «Direito de participação procedimental e ação popular»

O legislador ordinário reuniu numa espécie de lei geral da ação popular institutos de matriz profundamente heterogénea. A lei nº 83/95 (doravante designada com a sigla LAP), está concebida em função de um tipo específico de ação popular, que não coincide com a noção clássica, e que não tem como objeto a tutela de quaisquer posições jurídico materiais, sejam elas individuais coletivas ou difusas.
Esta lei realça uma dimensão individual dos interesses difusos tutelados por via da ação popular, sendo que há uma subjetivização do interesse, que reforça a garantia de participação do individuo na tutela dos interesses difusos.
Este não será um regime de um processo autónomo, mas sim um trecho de tramitação processual a ser adaptado na forma de processo que for competente para a causa.

     6.1_Objeto da ação popular

Podem incluir-se no objeto da ação popular, os interesses difusos stricto sensu, os interesses coletivos, e os respetivos interesses individuais homogéneos supra referidos, em contrapartida, nunca se podem compreender direitos ou interesses meramente individuais.
A dimensão supra-individual do interesse difuso impõe uma ação de cujo resultado possam beneficiar todos os titulares e a dimensão individual do direito subjetivo ou do interesse legalmente protegido requer apenas uma ação na qual o seu titular o possa defender e alegar.
Com isto não se quer dizer que na ação popular não se possa tutelar interesses individuais, mas nunca se tutelam apenas alguns interesses individuais, antes os interesses individuais homogéneos de todos os titulares do interesse difuso.
A lei da ação popular distingue de quando se deve exigir a apreciação da situação de cada um dos seus titulares e em que condições é aceitável um tratamento indiferenciado de todos esses titulares, nomeadamente através da indemnização nos termos gerais da responsabilidade civil do 22º/3 LPAAP e a indemnização global permitida pelo 22º/2 LPAAP que reflete a diferença entre os dois objetos possíveis da ação popular.
Quando esta ação visa a proteção de interesses coletivos, ela permite a coletivização de uma massa de ações individuais, mas como estão em causa bens privados de vários sujeitos, não se pode dispensar uma análise individualizada da situação de cada um dos titulares; quando aquela ação se destina á proteção de interesses difusos stricto sensu, ela tutela um interesse indivisível e insuscetível de ser individualizado, pelo que não se requer qualquer apreciação individual de cada um dos titulares daquele interesse.
Portanto, a necessidade de distinguir entre a individualização e a coletivização decorre da própria dualidade de interesses que podem ser objeto da ação popular. Individualiza-se quando esse objeto fosse um interesse coletivo e coletiviza-se quando aquele objeto fosse um interesse difuso stricto sensu, mas torna-se necessário verificar se é economicamente viável.

6.2_Legitimidade processual:


Tem legitimidade para intentar uma ação popular qualquer cidadão no gozo dos seus direitos civis e políticos, as associações e fundações, bem como as autarquias locais, tal como está previsto nos artigos 2º e 3º LAP, 26º CC e 9º/2 CPTA.
Deve-se atentar ao facto de estar expresso na letra da lei que pode ser invocado «independentemente de terem ou não interesse direto na demanda», sendo esta caraterística considerada a pedra de toque desta faculdade conferida à coletividade, isto porque vai moldar todo o regime.
A concessão de legitimidade popular a associações e fundações possui um enorme significado politico, pois estão em causa interesses que superam a dicotomia entre o privado e o público. Essa legitimidade compensa a falta de iniciativa do lesado individual e permite estabilizar a ordem jurídica privada sem afetar a liberdade negocial e sem recorrer à intervenção estatal, no entanto considera-se que quando o artigo 2º/1 LAP refere a possibilidade de intervenção destas pessoas coletivas (conjungando com o 3º/b LAP), está-se a fazer depender a sua intervenção do princípio da especialidade.
Vasco Pereira da Silva entende que se deve fazer uma interpretação corretiva desta norma[5] de forma a que não fique limitado pelo princípio da especialidade, pois no 2º/1 não se exige o interesse direto, de forma a que estas entidades coletivas possam participar desde que detenham um interesse de participação num procedimento de massas relativo a um dos temas do artigo 52º CRP.
O mesmo raciocínio pode ser aplicado ao artigo 4º /1, na parte que faz referência às pessoas coletivas
A concessão de legitimidade popular a pessoas singulares e a alguns entes coletivos (5º/3 CRP e 2º/1) tem relevância pratica pois a insignificância do dano sofrido por cada atingido, a fraqueza do litigante isolado, a excessiva onerosidade do acesso à justiça e o temor de enfrentar uma contraparte poderosa afastam frequentemente o lesado de atuar em juízo na defesa do seu próprio interesse. Como tal, atribui-se uma representação em juízo de todos os indivíduos em posição semelhante (lesados ou ameaçados de lesão) e concede-se legitimidade processual aos entes coletivos cujo objetivo estatutário seja a defesa do interesse difuso ameaçado ou ofendido.
Há um reforço do papel dos tribunais na tutela dos interesses difusos, bem como do Ministério Público (16º LAP), sendo que a ação popular pode ser exercida por entidades públicas, no exercício de um dever de ofício, e não por particulares, em defesa dos seus direitos e interesses.
O CPTA reconhece importantes poderes para propôr ações junto dos tribunais administrativos, em defesa da legalidade, do interesse público, de interesses difusos e de direitos fundamentais, podendo também dar continuidade a certos tipos de ações intentadas por particulares em caso de desistência ou outra causa de extinção dessas ações e possui legitimidade irrestrita para recorrer de toda e qualquer decisão proferida pelos tribunais administrativos.
Quando a função de solicitar tutela jurisdicional desses interesses é atribuída a um órgão público (por exemplo ao Ministério Público) isso implica uma definição pelo poder legislativo das entidades legitimadas para o exercício dessa tutela e não concede ao tribunal da ação qualquer controlo sobre a adequação d representação assumida por essas entidades. Pelo contrário, quando essa mesma legitimidade é atribuída a cidadãos e a organizações, o tribunal tem de verificar a adequação da representação reclamada pelo particular ou pela organização e a inclusão dos interesses em causa nas atribuições e objetivos estatutários da organização demandante.
No artigo 15º LAP, alude-se a uma «representação» exercida pelo autor popular, com relação aos demais titulares dos direitos ou interesses em causa, mas não se pode falar em representação própria, pois o autor popular não age em nome próprio, mas sim em defesa de um interesse do qual também é titular.
A legitimação do autor popular também não é passível de enquadramento no esquema tradicional da substituição processual, pois há que considerar a ocorrência de uma co-titularidade do interesse, ou seja, o autor popular defende um interesse alheio, mas também defende um interesse próprio, encontrando-se os demais legitimados em situação idêntica, no que diz respeito ao interesse tutelado.
Tradicionalmente na substituição processual há um vínculo de dependência entre a situação do substituído e aquela do substituto, daí que seja questionável a ocorrência de uma verdadeira substituição processual na hipótese.
Na ação popular, há uma titularidade coletiva que tanto pode ser caraterizada por uma pluralidade de interesses individuais convergentes, reunidos em decorrência de uma origem comum ou de pertença do individuo a uma determinada classe (interesses coletivos), ou que resulte da co-titularidade de um mesmo interesse (interesses difusos stricto sensu).
Uma outra particularidade que realça os contornos distintivos da legitimidade do autor popular é a circunstância da potencial impossibilidade de identificação dos substituídos, com efeito, se a identidade dos titulares (ou co-titulares) do interesse difuso lato sensu pode ser passível de ser apontada com exatidão em determinados casos, é indubitável que, noutros casos, tal individualização não será possível.
Na substituição processual, na sua conceção tradicional, o substituído há-de ser identificado, como tal, fala-se numa substituição sui generis, de características singulares, distintas daquelas verificadas na legitimação ordinária ou na extraordinária, na sua conceção tradicional, pois o autor popular defende um interesse seu e de terceiros, que alguns autores qualificam como «legitimidade difusa»[6].
A legitimidade do autor popular é extraordinária, no sentido de que se contrapõe à ordinária; todavia não se identifica com a categoria da legitimidade extraordinária na sua conceção clássica.
Há casos em que vários titulares do direito ou da relação jurídica têm legitimidade concorrente, para individualmente, promover ação objetivando a sua tutela, estando a legitimidade igualmente difusa entre os seus co-titulares[7]
Face aos representados, produz a sentença caso julgado material, com exceção da improcedência da lide por insuficiência de prova ou quando o juiz com base nos circunstancialismos do caso julgue de forma diferente da normal (art.º 19 LAP), mas tal não pode servir de alibi para violação do direito fundamental a uma tutela jurisdicional efetiva.
Podem os citados simplesmente recusar a «representação» exercida pelo autor popular, auto-excluindo-se, o que tem por efeitos subtrair o co-titular do interesse aos efeitos do caso julgado, caso que será analisado com maior pormenor infra.
De realçar que o recurso contencioso do CPTA continua a ser um meio de fiscalização da legalidade objetiva dos atos administrativos, mas o artigo 822º do Código Administrativo, em sede de deliberações dos órgãos das autarquias locais, já previa a possibilidade de recurso contencioso por parte de qualquer cidadão eleitor ou contribuinte, desde que recenseado ou coletado nessa mesma autarquia.
Agora pode haver cumulação de pedidos para restaurar a legalidade objetiva, nomeadamente o pedido de suspensão de eficácia, de condenação à adoção de comportamentos positivos ou omissivos, formalizados ou não em atos administrativos.

6.3_Citação na ação popular:

Na ação popular portuguesa há previsão da citação dos co-interessados, que em termos substanciais encontram-se em posição idêntica à do autor popular.
A citação é submetida a regime próprio e tem por objetivo permitir a intervenção dos interessados no processo, os quais atuariam coadjuvando o autor popular, dentro do prazo fixado pelo juiz.
A previsão de representação (15º LAP) possibilita a extensão dos efeitos do caso julgado aos co-titulares do interesse exercido pelo autor popular.
A garantia de participação do individuo, apenas proporcionada por uma citação apta a alcançar o seu desiderato, informando os interessados da propositura da ação, além de dar satisfação a um direito fundamental do individuo, reforça a garantia de adequação da defesa dos interesses em juízo, garantindo-se o direito de participação e o direito de audiência..
È flagrante a deficiência do 15º LAP, ao estabelecer um regime especial para a citação dos co-interessados na ação popular, o qual sendo excessivamente lacunoso deixa algumas questões por responder, nomeadamente: o grau de publicidade exigida; os critérios para a despensa da individualização dos citandos; a possibilidade de a citação por anúncios públicos ser dispensada mesmo quando a citação pessoal não for inviável.
Face à omissão da lei, a resposta deve ser dada pelo intérprete, tendo que se garantir o direito do individuo não seja afetado por julgamento proferido em ação do qual não foi dada a possibilidade de participar, bem como no direito de ser cientificado da instauração da instância, sendo necessário o resguardo dos direitos fundamentais de terceiros ou a preservação de valores constitucionalmente protegidos.
Uma destas garantias é a fiscalização pelo Ministério Público, apesar de não ser só por si suficiente para evitar uma má gestão dos interesses pelo autor popular, sendo necessário a concorrência de outros mecanismos para a garantia da proteção dos interesses daqueles que são representados pelo referido órgão. Admite-se implicitamente um controle in concreto da adequação representativa do autor da ação coletiva, exercido pelo juiz, previsto no 13º LAP, o que permite afirmar que este regime não é inconstitucional.

6.4_Auto-exclusão na ação popular:

A auto-exclusão tem o escopo de garantir uma efetiva participação individual dos co-titulares do interesse em causa na ação popular.
O direito português não prevê qualquer limite ao seu exercício (excetuando o limite temporal do 15º/4 LAP), razão pelo qual ele pode ser exercido em regra, mesmo quando estejam em causa interesses difusos stricto sensu.
O exercício do direito de opt out tem a particular importância de permitir àquele que o exerce a possibilidade de atuar na defesa dos seus interesses, não ficando obrigado a aceitar as orientações adotadas pelo advogado da classe e aceites pela comissão de representantes.
 È ao tribunal que cabe decidir, mediante uma análise particularizada de cada caso que se apresenta, se o exercício do direito de exclusão convém ser deferido ou não, pois há casos em que se afigura desnecessário, como é o caso de lesões que não sejam passiveis da persecução de uma reparação individual, em que a insignificância do valor justifica a restrição ao exercício desse direito.
Há várias consequências, nomeadamente quanto ao réu: há o aumento dos custos com a defesa; a impossibilidade de determinação exata do valor total a ser pago; a perda do interesse em transacionar e a perpetuação do prejuízo ocasionado ao réu; quanto ao individuo membro da classe: normalmente tem efeitos benéficos, pois possibilita a livre escolha do advogado, permitindo à parte opinar a escolha das estratégias a serem utilizadas na ação.
Quanto à classe globalmente considerada, haverá uma diminuição do valor global da indemnização e da possibilidade de obstar a celebração da transação, ou ainda impedir o prosseguimento da ação como class action, em decorrência da perda da representatividade ou da numerosidade.
O artigo 19º iliba de sofrer quaisquer efeitos do caso julgado, sem restrição, aqueles que exercerem o seu direito de auto-exclusão.
Se a nova ação for uma mera reprodução daquela já divulgada, não trazendo nada de novo que possa conduzir a um resultado distinto, a petição inicial será liminarmente indeferida.
O único limite substancial que poderá ser apontado à auto-exclusão será a sua função, pois nunca poderá ser um subterfúgio para justificar o emolumento ou o abuso.


7. Reflexões finais

Num Estado de Direito popular, o contencioso administrativo para além da função subjetiva, de proteção plena e efetiva dos direitos dos particulares, desempenha também uma função objetiva de tutela da legalidade e do interesse público.
Ao lado dos sujeitos privados que atuam na defesa de interesses próprios, é também preciso considerar como sujeitos processuais a ação pública e a ação popular, que atuam para a defesa da legalidade e do interesse público, realizando de forma direta a função objetiva, ainda que no quadro de um processo organizado estruturalmente em termos subjetivos.
A originalidade do contencioso administrativo reside precisamente na possibilidade de prossecução direta da tutela objetiva da legalidade e do interesse público mediante a atuação processual do ator popular, como complemento da proteção jurídico-subjetiva; já que em outros países europeus da «nossa família», tais valores objetivos são em regra prosseguidos apenas de forma indireta, como consequência da ação para a defesa de direitos (como é o caso da Alemanha ou mesmo da França).
Mas se a função predominante do contencioso administrativo pode variar, entre nós, consoante os sujeitos e sobretudo os interesses privados ou públicos que prosseguem, o que nunca muda é a posição da parte que qualquer desses sujeitos ocupa no processo, pois a justiça administrativa possui uma natureza jurídica, que é hoje, em todos os casos sempre subjetiva.
A questão fulcral da ação popular centra-se no interesse do autor, pois se houver interesse na demanda é ação subjetiva, se não houver é ação popular, que se encontra consagrado no 9º/2 CPTA.
Este é um direito que alarga a legitimidade sem pôr em causa a ação jurídica subjetiva, e transforma o Ministério Público em parte.
È um direito objetivo complementar da ação jurídica subjetiva, é uma tutela objetiva da legalidade.
São raros os casos em que os particulares atuam sem interesse na demanda, «armado em bom escuteiro», daí que tenha uma dimensão limitada do posto de vista fático e assuma pouca importância.
O legislador no entanto concretizou bem este sistema, o que não impede de se notar que devia ser melhor aproveitado: o Ministério Público deve antecipar a lesão dos direitos tal e qual «D. Quixote» (lesão que só se efetiva quando há ato administrativo), mas tem que atuar com conta, peso e medida.
A ação popular tem a função de suportar a legalidade, mas não de substitui-la, como acontece no Brasil.
Em países como Portugal, encerrados num paradoxo trágico, torna-se apetecível afirmar que a ação popular é inútil, no entanto necessária.
As razões que apontam para o seu raro exercício, por mais generoso que seja o seu regime, fundamentam-se no baixo nível educacional (pelo menos comparando com países que no direito contemporâneo estiveram na vanguarda deste regime, como a França e a Bélgica), o reduzido ativismo social e as débeis elites que preferem viver do Estado a afrontá-lo.
No entanto é de reiterar que a ação popular torna-se paradoxalmente necessária, pois o Estado torna-se demasiado débil para proteger eficazmente os interesses dos grandes grupos, sendo relativamente fácil aos lobbys mais fortes e coesos (titulares de interesses coletivos e não de interesses difusos) manipular ou ate dirigir a sua atuação.
Questiona-se se não será ilusório insistir no acréscimo de atribuição de faculdades de atuação procedimental e processual quando não existem as condições sociais e culturais para o seu exercício mais eficaz, isto é, para uma tutela cabal dos seus interesses difusos; e se não seria mais realista e eficaz concentrar urgentemente as energias na tarefa de reforma do Estado, no sentido de uma maior democraticidade, eficiência e maior atenção aos interesses dos grandes grupos sociais, em detrimento dos mais pequenos e ativos lobbys.
A ação popular portuguesa continua presente como um mecanismo ao dispôr dos cidadãos, enquanto direito cívico de participação politica, destinado a restaurar a legalidade objetiva, expurgando o ordenamento jurídico de atuações ilegais formalizadas em ato administrativo.
A Constituição consagrou a ação popular supletiva, podendo-se assim afirmar que extravasou o contencioso administrativo e passou-se a ter uma ação popular destinada à proteção de interesses trans-individuais na variante de interesses difusos ou coletivos frente a atuações de entidades privadas (o que pouco ou nada tem a ver com a participação politica dos cidadãos), bem como destinada à proteção de direitos e interesses estritamente individuais (ou homogéneos), que são compartilhados por um número mais ou menos elevado de sujeitos, qualquer que seja a natureza privatística ou publicista da atuação lesiva.

                                                                                                                                                                                                                Carolina Alexandra da Cruz Xavier, nº20856


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Sousa, Miguel Teixeira de, «A legitimidade popular na defesa de interesses difusos», Lex, lisboa, 2003
Silva, Vasco Pereira da, «O contencioso administrativo no divã da psicanálise_ ensaio sobre as açõees no novo processo administrativo», 2ª edição, Almedina





[1] Tal como refere  Otero,Paulo, «A ação popular», in ROA, Lisboa: Cosmos, 1999, «a ação popular expressa um  verdadeiro direito fundamental que permite a quem não é titular de um interesse pessoal e direto o acesso aos tribunais, tendo em vista a defesa de certos interesses de toda a coletividade».
[2] Sousa, Miguel Teixeira de,:« Introdução ao processo civil», A tutela jurisdicional dos interesses difusos no direito português, lisboa, Lex 2000, pág 10 Lisboa. Para o autor, os interesses difusos são «interesses que pertencem a uma pluralidade de sujeitos e que incidem sobre bens que não podem ser atribuídos em exclusividade a nenhum deles».
[3] Ascensão, Oliveira,« Direito Civil_ teoria Geral», Coimbra, 2002
[4] Canotilho, Gomes e Moreira, Vital, «Constituição da República Portuguesa Anotada», Coimbra,1993
[5] Silva, Vasco Pereira da, «O contencioso administrativo no divã da psicanálise_ ensaio sobre as açõees no novo processo administrativo», 2ª edição, Almedina, pág 168´ss.
[6] Antunes, Marques, « O direito de ação popular no contencioso administrativo português»; Lisboa Lex, 1997; pág 81-83 e Sousa, Miguel Teixeira de,:« A legitimidade processual e a ação popular no direito do ambiente», in Direito do Ambiente, Lisboa INA, 1994, pg 409
[7]Freitas, Lebre,« A Acção Popular ao Serviço ao Ambiente», in Ab Vno ad Omnes -75 anos da Coimbra Editora 1920-1995,  alude a uma legitimidade originária especifica, sustentando a objetividade do interesse titulado na ação popular. Em contrário Andrade, Vieira de, «A ação popular no direito administrativo português», Coimbra 1967, pág 28, pronuncia-se no sentido de que o «titular do direito substancial prosseguido pelo agente da ação popular é, pois, o próprio agente da ação popular, que vê confundidos na sua esfera jurídica o direito instrumental de ação judicial e o direito substancial à legalidade administrativa. O agente da ação popular é pois parte formal e parte material no processo contencioso a que a sua intervenção dá origem».

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