A LEGITIMIDADE COMO PRESSUPOSTO NO DIREITO
PROCESSUA ADMINISTRATIVO EUROPEU
Para dar início à proposta colocada pela
Professora Doutora Ana Neves, de participações assíduas no blog de Contencioso
Administrativo e Tributário, vamos fazer uma breve exposição sobre um tema
bastante relevante no Contencioso Administrativo, tema esse que se prende com a
legitimidade das partes no processo. Pois bem, apesar de termos dito que este
tema é bastante relevante na nossa cadeira, não é menos verdade que é um tema
bastante falado e bastante discutido no nosso ordenamento jurídico e, como tal,
optámos por fazer uma pequena análise do mesmo no direito europeu.
É inegável que o fenómeno da europeização
vem ganhando terreno na área do Direito, sendo particularmente evidente no
domínio do Processo Administrativo, que se tem vindo a configurar como “Direito
Europeu Concretizado”. A este propósito, Eugénia
Galvão Telles vem vincar a ideia de que “a crescente internacionalização das situações e relações
jurídico-privadas tem sido acompanhada por uma crescente preocupação em
assegurar a estabilidade e continuidade da vida jurídica internacional, em se
evitar a frustração das expectativas das partes”. Paralelamente a esta ideia,
o professor Vasco Pereira da Silva vem
defender nas suas lições que, “os direitos administrativos dos Estados-Membros
da União Europeia, já não são determinados unicamente a nível nacional, mas
estão também sujeitos a influência europeia, sob múltiplas formas”.
Passando a fase introdutória do tema,
devemos começar o desenvolvimento do mesmo afirmando que o Direito
Administrativo Europeu foi extremamente marcado pelo conflito entre o modelo
francês, de pendor objectivista, e o modelo alemão, de pendor subjectivista. O
modelo francês tinha como linha de base a defesa do interesse comunitário e a
valorização da defesa da legitimidade do procedimento administrativo, limitando
os tribunais administrativos a um mero controlo de tipo cassatório sobre as
decisões tomadas pela Administração. Diversamente, o modelo alemão defendia a
protecção dos direitos e garantias dos particulares, como instrumento de
atenuação da situação de desigualdade que decorre do exercício de poderes de
autoridade por parte do Estado-Administração. Pois bem, na verdade o processo
de consolidação do Direito Processual Administrativo Europeu conduziu a uma
fusão entre o modelo francês e alemão, criando assim um novo modelo misto ou,
como optou por qualificar o Espaço Europeu de Justiça Administrativa, um “modelo de controlo garantístico de interesse
geral”. A opção por esta designação não foi aleatória, isto porque este
modelo pressupõe uma tutela efectiva dos direitos e garantias dos particulares
no confronto com as diversas administrações em presença e, porque apenas
garante as posições subjectivas dos particulares, na medida em que o interesse
da União Europeia partilhe as pretensões reivindicadas por aqueles.
Como defende Miguel Prata Roque, o conceito de pressupostos processuais
abrange os elementos legalmente exigidos para que o tribunal competente possa
proceder a uma apreciação dos factos constitutivos da causa de pedir e do
mérito do pedido, devendo aqueles constar expressamente da petição inicial ou,
pelo menos, ser dedutíveis a partir da respectiva causa de pedir. Os
pressupostos processuais constantes do Estatuto do Tribunal de Justiça da União
Europeia (ETJUE) e do Regulamento de Processo no Tribunal de Justiça da União
Europeia (RPTJUE) correspondem aos princípios comuns às várias matrizes
processuais dos Estados-Membros que fazem parte da União Europeia. E, tendo em
conta o que aqui já foi dito relativamente ao modelo misto do Direito
Processual Administrativo Europeu, não é com surpresa que afirmamos que a
legitimidade se encontra como que numa “câmara escura”, como refere Miguel Prata Roque, que reflecte claramente
as influências do modelo subjectivista e objectivista. Por um lado temos o
modelo subjectivista que faz depender a legitimidade processual do gozo de uma
permissão normativa de aproveitamento de um bem (direito subjectivo), por
outro, temos o modelo objectivista que assenta aquele pressuposto na ideia de
interesse em agir, ainda que para defesa do interesse público. Face ao exposto
podemos, sem dificuldade, apontar à partida uma crítica ao modelo
subjectivista, baseado no facto de o mesmo confundir a noção de pressuposto
processual com a noção de requisito de provimento processual, sendo que o nº1
do art. 9º trata a legitimidade como um pressuposto processual e não como uma
condição de dependência da acção, como defende Mário
Aroso de Almeida. Ora, num momento anterior à produção da prova, é
impossível ao juiz a demonstração do gozo de um direito subjectivo, forçando-o
a antecipar um juízo sobre a própria procedência da acção administrativa. Um
sistema processual administrativo deste tipo pecaria por restringir o acesso à
acção administrativa. Por outro lado, um modelo objectivo puro não seria o
ideal, levando a uma instrumentalização do particular em detrimento do
interesse público. Apesar disso, no modelo objectivista sempre houve a
preocupação de evitar a abertura generalizada da legitimidade a qualquer
particular, através da dependência de demonstração de um interesse directo,
pessoal e legítimo.
O Direito Processual Administrativo
Europeu opta deliberadamente por não determinar o conceito de “interesse
legítimo”, visto que muitas vezes se confunde a noção substantiva e a noção
processual do mesmo. A primeira consiste na vantagem ou sujeição a uma
restrição decorrente de determinada conduta da Administração, já a segunda
compreende a natureza legítima do interesse de uma parte em intervir na acção.
O pressuposto processual da legitimidade tem como principal objectivo evitar
acções administrativas que se apresentem totalmente desprovidas de fundamento
quanto à legitimidade activa da parte processual que dá causa àquelas. E, de
acordo com o nº1 do art. 9º do CPTA, o tribunal administrativo deve julgar
improcedentes as excepções dilatórias de ilegitimidade processual, na medida em
que são considerados sujeitos legítimos os que alegarem serem “parte na relação
material controvertida”. O tribunal administrativo competente não deve
abster-se de julgar de mérito a eventual procedência da acção administrativa,
alegando uma ilegitimidade processual, sob pena de denegação de Justiça
Administrativa. Miguel Prata Roque faz
uma chamada de atenção à expressão “na
falta de indicação de lei em contrário” do nº3 do art 26º do Código de
Processo Civil, defendendo que o mesmo se aplica ao Direito Processual
Administrativo Europeu, pelo que haverá sempre que verificar se existe norma ou
princípio que implique uma decisão diferente. Outro ponto que cabe salientar
neste aspecto é o facto de o §4 do art. 263º do Tratado de Funcionamento da
União Europeia, relativamente ao recurso de anulação europeu, adoptar um modelo
garantístico de interesse geral, que tanto assegura a protecção das posições
subjectivas dos particulares como a tutela do interesse público. Podemos então
concluir que o modelo processual administrativo europeu corresponde
efectivamente a um modelo misto ou modelo garantístico de interesse geral.
Em modo de conclusão, resta-nos referir
alguns pontos relativamente às exigências feitas por parte do Direito
Processual Administrativo Europeu face aos tribunais administrativos nacionais.
Em defesa do princípio da tutela jurisdicional efectiva, o Direito Processual
Administrativo Europeu exige que os tribunais administrativos nacionais
interpretem os regimes processuais a que estão vinculados de modo a favorecer a
apreciação do mérito das causas que perante si são propostas – o designado principio pro actione. Os mesmos órgãos
deverão abster-se de formular critérios de aferição de legitimidade processual
administrativa que pressuponham uma antecipação do julgamento do mérito da
causa. Por norma, o Direito Processual Administrativo Europeu privilegia uma
postura de abstenção dos tribunais administrativos quanto à apreciação da
legitimidade processual, sem prejuízo das situações de manifesta
desconformidade entre a identidade do particular ou da autoridade
administrativa visados pela acção e a identidade da parte processual
efectivamente citada para contestar.
Bibliografia
ALMEIDA, Mário Aroso de, “Manual de Processo
Administrativo”, Coimbra: Almedina, 2010;
ALMEIDA, Mário Aroso de,” O Novo Regime do Processo
nos Tribunais Administrativos”, Coimbra: Almedina, 2007;
ANDRADE, José Carlos Vieira de, “A Justiça
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CAETANO, Marcello, “Princípios Fundamentais do
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Duarte, Maria Luísa, “Direito
comunitário II: contencioso comunitário: relatório com o programa, conteúdos e
métodos do ensino teórico e prático”, Lisboa: Coimbra Editora, 2003;
Roque, Miguel Prata, “O
direito administrativo europeu: um motor da convergência dinâmica dos direitos
administrativos nacionais”, Coimbra: Almedina, 2010;
SILVA, Vasco Pereira da, “O Contencioso
Administrativo no Divã da Psicanálise”, Lisboa: Almedina, 2009;
TELLES, Eugénia Galvão, “O reconhecimento de
sentenças estrangeiras: o controle da competência do tribunal de origem pelo
tribunal requerido na Convenção de Bruxelas de 27 de Setembro de 1968”, In:
Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Lisboa, vol. 37,
nº1, pp. 119-169, 1996.
Vanessa Fernandes nº20882
Subturma 1
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