sábado, 19 de outubro de 2013

A legitimidade como pressuposto no direito processual administrativo europeu

A LEGITIMIDADE COMO PRESSUPOSTO NO DIREITO PROCESSUA ADMINISTRATIVO EUROPEU

Para dar início à proposta colocada pela Professora Doutora Ana Neves, de participações assíduas no blog de Contencioso Administrativo e Tributário, vamos fazer uma breve exposição sobre um tema bastante relevante no Contencioso Administrativo, tema esse que se prende com a legitimidade das partes no processo. Pois bem, apesar de termos dito que este tema é bastante relevante na nossa cadeira, não é menos verdade que é um tema bastante falado e bastante discutido no nosso ordenamento jurídico e, como tal, optámos por fazer uma pequena análise do mesmo no direito europeu.
É inegável que o fenómeno da europeização vem ganhando terreno na área do Direito, sendo particularmente evidente no domínio do Processo Administrativo, que se tem vindo a configurar como “Direito Europeu Concretizado”. A este propósito, Eugénia Galvão Telles vem vincar a ideia de que “a crescente internacionalização das situações e relações jurídico-privadas tem sido acompanhada por uma crescente preocupação em assegurar a estabilidade e continuidade da vida jurídica internacional, em se evitar a frustração das expectativas das partes”. Paralelamente a esta ideia, o professor Vasco Pereira da Silva vem defender nas suas lições que, “os direitos administrativos dos Estados-Membros da União Europeia, já não são determinados unicamente a nível nacional, mas estão também sujeitos a influência europeia, sob múltiplas formas”.
Passando a fase introdutória do tema, devemos começar o desenvolvimento do mesmo afirmando que o Direito Administrativo Europeu foi extremamente marcado pelo conflito entre o modelo francês, de pendor objectivista, e o modelo alemão, de pendor subjectivista. O modelo francês tinha como linha de base a defesa do interesse comunitário e a valorização da defesa da legitimidade do procedimento administrativo, limitando os tribunais administrativos a um mero controlo de tipo cassatório sobre as decisões tomadas pela Administração. Diversamente, o modelo alemão defendia a protecção dos direitos e garantias dos particulares, como instrumento de atenuação da situação de desigualdade que decorre do exercício de poderes de autoridade por parte do Estado-Administração. Pois bem, na verdade o processo de consolidação do Direito Processual Administrativo Europeu conduziu a uma fusão entre o modelo francês e alemão, criando assim um novo modelo misto ou, como optou por qualificar o Espaço Europeu de Justiça Administrativa, um “modelo de controlo garantístico de interesse geral”. A opção por esta designação não foi aleatória, isto porque este modelo pressupõe uma tutela efectiva dos direitos e garantias dos particulares no confronto com as diversas administrações em presença e, porque apenas garante as posições subjectivas dos particulares, na medida em que o interesse da União Europeia partilhe as pretensões reivindicadas por aqueles.
Como defende Miguel Prata Roque, o conceito de pressupostos processuais abrange os elementos legalmente exigidos para que o tribunal competente possa proceder a uma apreciação dos factos constitutivos da causa de pedir e do mérito do pedido, devendo aqueles constar expressamente da petição inicial ou, pelo menos, ser dedutíveis a partir da respectiva causa de pedir. Os pressupostos processuais constantes do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia (ETJUE) e do Regulamento de Processo no Tribunal de Justiça da União Europeia (RPTJUE) correspondem aos princípios comuns às várias matrizes processuais dos Estados-Membros que fazem parte da União Europeia. E, tendo em conta o que aqui já foi dito relativamente ao modelo misto do Direito Processual Administrativo Europeu, não é com surpresa que afirmamos que a legitimidade se encontra como que numa “câmara escura”, como refere Miguel Prata Roque, que reflecte claramente as influências do modelo subjectivista e objectivista. Por um lado temos o modelo subjectivista que faz depender a legitimidade processual do gozo de uma permissão normativa de aproveitamento de um bem (direito subjectivo), por outro, temos o modelo objectivista que assenta aquele pressuposto na ideia de interesse em agir, ainda que para defesa do interesse público. Face ao exposto podemos, sem dificuldade, apontar à partida uma crítica ao modelo subjectivista, baseado no facto de o mesmo confundir a noção de pressuposto processual com a noção de requisito de provimento processual, sendo que o nº1 do art. 9º trata a legitimidade como um pressuposto processual e não como uma condição de dependência da acção, como defende Mário Aroso de Almeida. Ora, num momento anterior à produção da prova, é impossível ao juiz a demonstração do gozo de um direito subjectivo, forçando-o a antecipar um juízo sobre a própria procedência da acção administrativa. Um sistema processual administrativo deste tipo pecaria por restringir o acesso à acção administrativa. Por outro lado, um modelo objectivo puro não seria o ideal, levando a uma instrumentalização do particular em detrimento do interesse público. Apesar disso, no modelo objectivista sempre houve a preocupação de evitar a abertura generalizada da legitimidade a qualquer particular, através da dependência de demonstração de um interesse directo, pessoal e legítimo.
O Direito Processual Administrativo Europeu opta deliberadamente por não determinar o conceito de “interesse legítimo”, visto que muitas vezes se confunde a noção substantiva e a noção processual do mesmo. A primeira consiste na vantagem ou sujeição a uma restrição decorrente de determinada conduta da Administração, já a segunda compreende a natureza legítima do interesse de uma parte em intervir na acção. O pressuposto processual da legitimidade tem como principal objectivo evitar acções administrativas que se apresentem totalmente desprovidas de fundamento quanto à legitimidade activa da parte processual que dá causa àquelas. E, de acordo com o nº1 do art. 9º do CPTA, o tribunal administrativo deve julgar improcedentes as excepções dilatórias de ilegitimidade processual, na medida em que são considerados sujeitos legítimos os que alegarem serem “parte na relação material controvertida”. O tribunal administrativo competente não deve abster-se de julgar de mérito a eventual procedência da acção administrativa, alegando uma ilegitimidade processual, sob pena de denegação de Justiça Administrativa. Miguel Prata Roque faz uma chamada de atenção à expressão “na falta de indicação de lei em contrário” do nº3 do art 26º do Código de Processo Civil, defendendo que o mesmo se aplica ao Direito Processual Administrativo Europeu, pelo que haverá sempre que verificar se existe norma ou princípio que implique uma decisão diferente. Outro ponto que cabe salientar neste aspecto é o facto de o §4 do art. 263º do Tratado de Funcionamento da União Europeia, relativamente ao recurso de anulação europeu, adoptar um modelo garantístico de interesse geral, que tanto assegura a protecção das posições subjectivas dos particulares como a tutela do interesse público. Podemos então concluir que o modelo processual administrativo europeu corresponde efectivamente a um modelo misto ou modelo garantístico de interesse geral.
Em modo de conclusão, resta-nos referir alguns pontos relativamente às exigências feitas por parte do Direito Processual Administrativo Europeu face aos tribunais administrativos nacionais. Em defesa do princípio da tutela jurisdicional efectiva, o Direito Processual Administrativo Europeu exige que os tribunais administrativos nacionais interpretem os regimes processuais a que estão vinculados de modo a favorecer a apreciação do mérito das causas que perante si são propostas – o designado principio pro actione. Os mesmos órgãos deverão abster-se de formular critérios de aferição de legitimidade processual administrativa que pressuponham uma antecipação do julgamento do mérito da causa. Por norma, o Direito Processual Administrativo Europeu privilegia uma postura de abstenção dos tribunais administrativos quanto à apreciação da legitimidade processual, sem prejuízo das situações de manifesta desconformidade entre a identidade do particular ou da autoridade administrativa visados pela acção e a identidade da parte processual efectivamente citada para contestar.

Bibliografia

ALMEIDA, Mário Aroso de, “Manual de Processo Administrativo”, Coimbra: Almedina, 2010;

ALMEIDA, Mário Aroso de,” O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos”, Coimbra: Almedina, 2007;

ANDRADE, José Carlos Vieira de, “A Justiça Administrativa”, Coimbra: Almedina, 2011;

CAETANO, Marcello, “Princípios Fundamentais do Direito Administrativo”, Lisboa: Almedina, 2003;

Duarte, Maria Luísa, “Direito comunitário II: contencioso comunitário: relatório com o programa, conteúdos e métodos do ensino teórico e prático”, Lisboa: Coimbra Editora, 2003;

Roque, Miguel Prata, “O direito administrativo europeu: um motor da convergência dinâmica dos direitos administrativos nacionais”, Coimbra: Almedina, 2010;

SILVA, Vasco Pereira da, “O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise”, Lisboa: Almedina, 2009;

TELLES, Eugénia Galvão, “O reconhecimento de sentenças estrangeiras: o controle da competência do tribunal de origem pelo tribunal requerido na Convenção de Bruxelas de 27 de Setembro de 1968”, In: Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Lisboa, vol. 37, nº1, pp. 119-169, 1996.


Vanessa Fernandes nº20882 
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