domingo, 20 de outubro de 2013


                                      Tutela jurisdicional efetiva




 

1. A cada direito corresponde uma ação:


O direito à tutela jurisdicional efetiva é «o direito de cada pessoa ver atendida uma qualquer pretensão judicial, através de um processo legalmente previsto, é no fundo o direito de cada cidadão a que lhe seja feita justiça».[1]

Este é um princípio de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias previstos no artigo 18º/3 da CRP, pois está intimamente ligado à noção de Estado Democrático de Direito que visa assegurar outros valores insuscetíveis de atribuição individual, mas que concretizam a dignidade humana.
È necessário um meio de proteção jurídica destes direitos, que não são produzidos de modo espontâneo, como tal, é ao tribunal que incumbe efetivar esta tutela, sem a qual as normas jurídicas tornam-se meras normas morais, sem eficácia jurídica.

O artigo 20º/1/segunda parte e nº4 CRP, garante em geral aos cidadãos o direito de acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos. Consagra o princípio da tutela jurisdicional efetiva de um modo geral, afirmando-se como o desdobramento do princípio da proteção jurídica, sendo um elemento instrumental para assegurar a eficácia jurídica positiva daquilo sobre o que se tem direito subjetivo, em relação a comandos jurídicos que visam concretizar conteúdo essencial do princípio da dignidade.


Visa-se assegurar uma proteção plena e efetiva dos direitos dos particulares por parte dos tribunais administrativos, por meio de um duplo alcance:

-a garantia do acesso à via jurisdicional (acesso à justiça e apreciação da pretensão pelos órgãos aplicadores do direito);

- a utilidade de qualquer decisão judicial, que deve ter capacidade de incidência real na esfera jurídica ou na situação para a qual se requer tutela jurisdicional, de tal forma que preserve uma reparação verdadeira.

Para uma aplicação mais concretizada, este princípio é aprofundado nos artigos 205º/2 e 3 CRP (onde se determina a obrigatoriedade das sentenças para todas as autoridades e a imposição de legislação que garanta a sua execução efetiva), bem como no 268º/4 e 5 CRP e no 2º CPTA, que consolidam a garantia fundamental da realização judicial, pelos tribunais administrativos dos direitos subjetivos e de quaisquer outras posições juridicamente tuteladas pelo direito administrativo, sobre as quais haja conflito.

È necessário distinguir a existência de um núcleo essencial, que é parte necessária à satisfação do direito, prevista no 20º/1, II parte e no nº4 CRP conjuntamente com o 2º CPTA onde se determina a irradiação dos efeitos que o direito quer produzir; do conteúdo acidental, que é o elemento exterior do direito fundamental, pois os efeitos tornam-se indeterminados.


2. Planos de aplicação

Barbosa de Melo desdobra este princípio em três planos:

a. Plano declarativo_ consagra o contencioso administrativo como capaz de disponibilizar àqueles que se lhe dirigem as formas processuais adequadas para fazerem valer as suas pretensões e obterem, num prazo razoável, uma decisão de mérito com força de caso julgado, ou seja, é o direito à plenitude dos meios processuais pertinentes à resolução de todos os litígios submetidos aos tribunais administrativos.
Todos devem ter o pleno acesso à atividade estatal, sem qualquer óbice e o particular tem que ver satisfeita a sua pretensão em prazo razoável tendo direito a um processo justo e equitativo.
Entende-se por prazo razoável aquele sem dilação indevida, delimitado de acordo com o princípio da economia processual, que se desenvolve em condições de normalidade dentro do tempo estabelecido pelas leis processuais, permitindo às partes a satisfação das suas pretensões com o máximo de segurança possível.
Há que ter em conta: a complexidade do caso, a condução do processo pela autoridade jurisdicional e a conduta das partes processuais.
O direito a uma decisão em prazo razoável pode fundamentar pretensões ressarcitórias dos lesados perante o Estado quando os prazos legais para a emissão da pretensão forem gravemente e injustificadamente desrespeitados e em razão disso, uma das partes sofrer algum tipo de prejuízo, face ao efeito útil da sentença.
O 4º ETAF dispõe sobre a responsabilidade do Estado em razão dos danos advindo das insuficiências ou deficiências no funcionamento da função jurisdicional.


b. Plano da tutela cautelar_ consiste naquelas providências destinadas a acautelar o efeito útil da decisão judicial durante o tempo em que estiver pendente o processo declarativo
O Estado oferece tutela jurídica tanto quando assegura os direitos materiais, por meio da função legiferante, como quando os garante por meio dos instrumentos processuais disponíveis.
O 268º/4 e 5 CRP indicam o quadro meramente exemplificativo das principais pretensões que os particulares podem utilizar perante a justiça administrativa.
A tutela jurisdicional, assim enquadrada no sistema de proteção ao valor dignidade humana não pode ser confundida simplesmente com a jurisdição, mas com o beneficio que dela resulta, não residindo unicamente na sentença, mas nos efeitos que ela projeta para fora do processo e sobre as relações dos particulares com a administração.
A celeridade dos processos é um instrumento jurídico necessário não somente à efetiva e concreta atuação do direito de ação, daí que se opte pelas providências cautelares, pois são uma um elemento imprescindível para assegurar o direito à tutela jurisdicional efetiva, evitando que o tempo de duração do processo gere a perda de sua efetividade.
Há uma exigência de que para cada direito pretendido pelo particular, existe um meio processual adequado, e a inexistência da sua previsão do meio necessário para assegurar o direito do particular não obsta à sua satisfação.
A reforma buscou assegurar um contencioso de plena jurisdição, ampliando as possibilidades de se adotarem providencias cautelares, tipicamente administrativas, que resultam do 112º CPTA e ainda a possibilidade de se aplicar às providencias cautelares previstas na legislação processual civil, desde que com as adaptações necessárias e nas hipóteses concretas em que forem justificadas.
Há os requisitos positivos do periculum in mora e do fumus boni iuris, bem como o negativo da ponderação de interesses privados e públicos à concessão das providencias cautelares. A providência será recusada se depois de devida ponderação dos interesses públicos e dos direitos subjetivos dos administrados no caso em concreto, se considerar que os danos seriam superiores.
Tem que se fazer provas dos indícios suficientes da existência do direito e da demora processual para a garantia do seu direito à tutela cautelar


c. Plano da tutela executiva_ correspondente às formas processuais adequadas para fazer valer essa decisão e obter a sua execução.
Deve apurar-se se a administração cumpriu ou não, integral e espontaneamente a sentença judicial.
 Caso se verifique a inexistência de causa legitima de inexecução, determina-se a fixação pelo Estado-juiz dos atos e operações necessários para constituir a execução e a eventual declaração de nulidade dos atos que, embora desconformes, tenham sido praticados. Assim, executada a hipótese de cumprimento voluntário do comando judicial pela administração, o particular tem direito de iniciar um processo de execução.
O 158ª CPTA reafirma a obrigatoriedade das decisões dos tribunais administrativos, sendo que só há duas causas legítimas de inexecução das sentenças: a impossibilidade absoluta de executar e o grave prejuízo para o interesse público.
Tem que ser expressamente declarada pela administração, não sendo presumível, nem sendo da competência do particular alegar, apenas tendo este o direito de aceitar ou não a que for, eventualmente invocada pela administração.
Há a possibilidade de indemnização se realmente for observada uma das referidas exceções para a execução da sentença pela administração, não podendo esta indemnizar com fundamento em outras hipóteses que a tenham levado à não execução da decisão.
Os tribunais administrativos podem instituir sanção pecuniária compulsória aos titulares dos órgãos administrativos, com o objetivo de assegurar a efetividade da tutela (3º/2 e 169º CPTA).
O principio da vinculatividade das decisões judiciais (205ª/2 CRP), determina que os tribunais administrativos podem fixar um prazo determinado para o cumprimento das obrigações devidas pela Administração e, quando necessário, decretar sanções pecuniárias compulsórias à mesma, para efetivar o cumprimento daquelas obrigações.


3. Direito a um processo justo e equitativo (concretização do caráter acentuadamente subjetivista)

Cada vez se reafirma mais o caráter subjetivista desta tutela, pois o processo contencioso administrativo é um processo das partes com um estatuto de igualdade efetiva, fundado na ideia de paridade processual de condições e fruindo as partes de idêntica possibilidade de obter a justiça que lhes seja devida.
Passa-se a exigir do Estado-juiz que, no exercício das suas faculdades de condução, direção e instrução do processo administrativo trate ambas as partes como os interesses que representam de forma igual, dando-lhes, se necessário um tratamento desigual.

A participação do contraditório deve dar-se em igualdade de condições, no entanto, esta paridade não implica necessariamente uma identidade absoluta entre os poderes concedidos às partes de um mesmo processo e nem uma simetria perfeita de direitos e de deveres respetivos. O que deve ser levado em consideração é que as eventuais diferenças de tratamento possam ser justificáveis racionalmente, à luz de determinados critérios de reciprocidade e evitando o desequilíbrio global em prejuízo de uma determinada parte.

Com a reforma, o legislador impôs à administração o mesmo tratamento que aos particulares, impondo-lhe o pagamento referente aos atos processuais (189ºCPTA), se bem que é necessário frisar que embora o Estado e demais entidades publicas paguem as custas finais iguais às da contraparte, essas quantias são destinadas ao próprio Estado, e também o 163º CPTA permite ao tribunal dispensar a administração de executar a sentença em casos de excecional prejuízo para o interesse publico.
Apesar dessas considerações, nem todas as desigualdades são favoráveis à Administração, há casos em que o legislador promoveu tratamento formalmente desigual, visando favorecer a parte substancialmente mais fraca da relação jurídica, aquela que litiga com a administração.


4. Válvula de segurança supranacional no âmbito da tutela vs. Aplicação do Estado-juíz nacional:

A efetividade da tutela jurisdicional não resulta necessariamente do disposto no 20º CRP, pois ela resultaria sempre da condição de garantia da via judiciária como princípio estruturante do Estado Democrático de Direito e, ainda, em decorrência do 16º/2 da CRP que dispõe acerca da subordinação interpretativa e integrativa das normas constitucionais à Declaração Universal dos Direitos do Homem e à Convenção Europeia dos Direitos do Homem (6º e 13ª) em razão do valor supraconstitucional, na qual no 8ºCRP tem-se a exigência da efetividade da tutela jurisdicional.


Com a reforma do contencioso administrativo procurou-se desenvolver, pela via judiciária, a proteção a garantia dos direitos e interesses dos particulares contra todo o «abuso» da administração.
A jurisdição administrativa tem de ser uma jurisdição plena, como tal o 268º/4 impôs ao legislador a realização do princípio dos meios processuais, que engloba: ação administrativa comum (art.37º e ss), ação administrativa especial (art.46º e ss.), processos urgentes (art.97º e ss.; 100º e ss.; 104º e ss.; 109º e ss.), processos cautelares (art.112º e ss.), e processo executivo (art.157º e ss.).

Neste sentido, o princípio da promoção do acesso à justiça administrativa disposto no 7º CPTA, que tem como corolário a garantia da tutela adequada a todas as situações previstas de conflito de interesse, é um postulado do próprio Estado Democrático de Direito. Desta forma, este postulado faz nascer ao Estado a obrigatoriedade de prestar a tutela adequada em todas as situações de litigio, sem dela poder desonerar-se.

O Estado-juiz está obrigado a prestar tutela jurisdicional aos particulares sob o fundamento da conduta lesiva da administração, não podendo o Estado-juiz deixar de se pronunciar sobre o mérito das pretensões requeridas.

O principio pro actione é de extrema importância, pois o Estado-juiz deve interpretar e aplicar as normas processuais no sentido da validade ou da eficácia dos atos processuais praticados pelo tribunal e pelas partes dos quais dependa o pronunciamento do mérito das pretensões formuladas, não se limitando a uma mera apreciação formal do litigio.


5. Direito dos cidadãos ou direito de proteção do interesse público?

NO 2º/2 CPTA, o Estado-legislador referiu-se apenas a duas posições jurídicas substantivas: direitos subjetivos e interesses legalmente protegidos.
O particular tem de dispor de meios processuais satisfatórios à defesa dos seus direitos subjetivos, e não somente em relação ao interesse geral, no entanto tem que se reiterar que a tutela jurisdicional efetiva em matéria administrativa não se refere apenas aos direitos dos cidadãos, estendendo-se à proteção do interesse público e dos valores coletivos, designadamente aqueles valores e bens constitucionalmente protegidos como o património cultural, a saúde, a qualidade de vida, entre outros.

Não era pretensão do legislador deixar de fora da proteção os interesses difusos, pois estão previstos na CRP (52º/3 e 60ª/3, direito de ação popular e direito dos consumidores, respetivamente), e também porque a sociedade contemporânea e as suas intensas atividades económicas despoleta com que determinadas atividades possam causar algum prejuízo aos interesses de um grande número de pessoas, eclodindo, assim demandadas além das individuais.

A importância da estruturação de um meio que garanta a tutela dos interesses metaindividuais está ligada ao próprio conceito de democracia participativa.
O novo contencioso administrativo português alarga a efetividade da tutela a quem quer que esteja legitimado a recorrer-lhe.[2]
Tal assertiva pode ser constatada através do uso da ação popular para a defesa de valores e bens constitucionalmente proteídos (9º72 CPTA, e lei 15/2002 de 22 Fevereiro) e do alargamento da ação pública nos domínios das ações relativas a contratos.


CAROLINA XAVIER, Nº 20856.


Bibliografia:

-AMARAL, Diogo Freitas e ALMEIDA, Mário Aroso de, «Grandes linhas da reforma do contencioso administrativo», pp. 15

_ANDRADE, José Carlos Vieira de, «A Justiça Administrativa (Lições)», 2012, 12ª edição, Almedina, pp.145’ss

-GARCIA, Maria da Glória Pinto, «As medidas cautelares entre a concreta prossecução do interesse público e a efetividade dos direitos dos particulares», in Cadernos de Justiça Administrativa, nº22, Julho/Agosto de 2000, pp.50-59

_MELO, António Barbosa de, «Parametros constitucionais da justiça administrativa, in O debte Universitário (Reforma do Contencioso Administrativo_trabalhos preparatórios)», vol. 1, Ministerio da Justiça, Lisboa, 2000, pp. 303-304

_PEREZ, J. GONZÀLES,« El Derecho a la tutela jurisdicional», 2ª edição, Madrid, 1989, pp. 27 e segs.

_SILVA, Vasco Pereira da, «O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise (ensaio sobre as ações no novo processo administrativo», 2ª edição, Almedina, pp.241’ss

_Silveira, João Tiago, «O principio da tutela jurisdicional efetiva e as providências cautelares», in perspectivas constitucionais

Diplomas consultados:

_Constituição da República Portuguesa;
_ Código do Procedimento administrativo;
_ Código de Processo nos Tribunais Administrativos;
_ Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais;


[1] PEREZ, J. GONZÀLES, El Derecho a la tutela jurisdicional, 2ª edição, Madrid, 1989, pp. 27 e segs.


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