domingo, 20 de outubro de 2013

Princípio da Tutela Jurisdicional Efetiva no Ordenamento Jurídico Português e Análise do Princípio da Cumulabilidade de Pedidos como seu Corolário


O Princípio da Tutela Jurisdicional Efetiva, tendo consagração legal nos artigos 20º e 268º n.º 4 e 5 da Constituição da República Portuguesa, doravante designada CRP, é um dos Direitos fundamentais do nosso ordenamento jurídico, sendo considerado como um “Direito-garantia” (ANDRADE, José Carlos Vieira de, A Justiça Administrativa, Coimbra: Livraria Almedina, 2004, p.166), como um “pilar fundamental do Estado de Direito” (CANOTILHO, Gomes, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Coimbra: Livraria Almedina, 1997, p.265), e ainda como “pedra angular” do processo administrativo (SILVA, Vasco Pereira da – Todo o Contencioso Administrativo se tornou de plena jurisdição. Cadernos de Justiça Administrativa. n.º 34 (2002) p. 25).
Já com a segunda revisão constitucional de 1989, o artigo 268º, garantia “aos interessados recurso contencioso com fundamento em ilegalidade, contra quaisquer actos administrativos, independentemente da sua forma, que lesem os seus direitos ou interesses legalmente protegidos” (como dispunha o 268º n.º4 CRP), existindo assim a autonomização de um preceito especificamente dedicado a garantir o acesso à justiça administrativa. Quanto ao artigo 20º da CRP original (que apenas se referia à garantia de acesso aos tribunais) era já entendido no sentido de que não bastava uma mera garantia formal de acesso aos tribunais, sendo necessária a concretização do mesmo através de meios processuais adequados, de tribunais enquanto órgãos independentes e imparciais no exercício da função jurisdicional, abrindo caminho a ações de tutela positiva de direitos dos administrados perante a administração. Ainda assim, esta expressão só veio a ser adotada com a revisão constitucional de 1997, apelidada pelo Professor Vasco Pereira da Silva como a “revolução coperniciana” da Justiça Administrativa, alterando-se a epígrafe do art. 20.º CRP, definitivamente para “tutela jurisdicional efetiva”, ao mesmo tempo que se reforçou o artigo 268.º nºs 4 e 5 CRP. A importância deste princípio é enorme, tratando-se da superação de “velhos traumas” da “infância difícil do contencioso administrativo” (SILVA, Vasco Pereira da, op. cit, p. 26).
Poder-se-á perguntar qual o sentido da duplicação de preceitos, uma vez que tanto o artigo 20º como o artigo 268º n.ºs 4 e 5 CRP dizem respeito à “tutela jurisdicional efetiva”. A resposta tende a ser a de que o 268º/4 e 5 são a concretização da garantia de acesso aos tribunais, tendo a CRP reconhecido a necessidade de autonomizar as garantias dos administrados, por estar em causa uma situação diferente da que se verifica nos litígios em geral (art. 20º CRP), sendo ao administrado necessário que a lei assegure os seus direitos e interesses legalmente protegidos, podendo em última instância essa garantia ser dada pelo tribunal, em decorrência da aplicação direta dos preceitos constitucionais, uma vez que “possui ela própria, a qualidade de natureza de direito análogo aos direitos, liberdades e garantias” (CANOTILHO, Gomes, op.cit, p. 457) estando nós perante um caso de aplicabilidade direta, à semelhança do que acontece nos artigos 17º e 18º CRP, ou seja, existindo uma operatividade sem necessidade de mediação do legislador, na ausência de norma legal que consagre um meio de defesa adequado ou na presença de um entrave à defesa adequada pelo administrado. Apesar deste facto, não se dispensa a necessária intervenção do legislador, uma vez que estamos perante um “direito legalmente conformado e um direito prestacionalmente dependente” (SILVA, Susana Tavares da – Revisitando a garantia da tutela jurisdicional efectiva do administrado. Revista de Direito Público e Regulação. ISSN 1647-230n.º 5 (2010) p. 128), ou seja, dependendo de “um regime legal adequado a garantir a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos administrados (dependência da conformação legal) e na instituição em concreto dos meios institucionais e humanos para o efeito (dependência de prestações estaduais materiais)” (também neste sentido o Acórdão TC n.º 467/91, proc. n.º 288/88, de 18.12.91, publicado no Diário da República, n.º 78, II Série, de 02.04.92, pag. 3112-(48)), sendo necessária uma intervenção do legislador. Ao mesmo tempo garante-se a execução de decisões judiciais (artigo 205º Código de Processo nos Tribunais Administrativos, doravante, CPTA), eliminando a disparidade entre administração-administrado, assim como um estigma de que a administração poderá beneficiar de um tratamento mais favorável, precisamente por ser a Administração.
Com a reforma do Contencioso Administrativo, cujo início teve lugar em 2002, dá-se a concretização dos ditames constitucionais, através do artigo 2º CPTA, que passa a adotar um modelo essencialmente subjetivista do contencioso administrativo, grandemente influenciada pelos artigos 6º e 13º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH), isto é, um modelo de contencioso administrativo especialmente vocacionado para a tutela do administrado, não se focando pura e simplesmente na formalidade do ato, facultando ao particular a possibilidade de obtenção de uma pronúncia de mérito das pretensões formuladas, como dispõe o artigo 7º CPTA (princípio pro actione), combatendo desta forma um modelo formalista de contencioso, evitando que se ponha termo ao processo por razões de natureza formal.
Deste modo, o administrado é titular de uma série de direitos que advêem deste princípio constitucional, e que se caraterizam como sendo seus corolários, como são o caso do direito de acesso aos tribunais (presente no artigo 7º CPTA, já referido supra); o direito de dispôr de processos judiciais adequados (artigo 2º/2 CPTA); o direito a um processo justo (6º e 8º CPTA); direito a uma decisão judicial, que aprecie e resolva as questões suscitadas, em prazo razoável (2º/1, 4 e 5 CPTA); direito a decisões judiciais cautelares e direito à execução das decisões judiciais (artigos 2º/1 e 3º/2 e 3 CPTA), bem como do princípio da livre cumulabilidade de pedidos (artigos 4º e 47º CPTA), sendo este último “a mudança mais significativa que a reforma produziu para assegurar um acesso efetivo dos particulares à justiça administrativa e aquela que vai implicar uma maior capacidade de adaptação do juiz para a adequação do processo às necessidades práticas” (ANDRADE, José Carlos Vieira de, op.cit, p.182)
O particular dispõe assim de meios processuais para a tutela dos seus interesses legalmente protegidos, sendo consagrado no Código de Procedimento nos Tribunais Administrativos o modelo latino (próximo das reformas do direito italiano, espanhol e francês), segundo o qual existe uma unificação de todos os meios processuais, “independentemente dos pedidos ou dos efeitos das sentenças” (SILVA, Vasco Pereira da, op.cit, p.26), apesar da dicotomia entre a ação administrativa comum (artigos 37º e ss.), a ação administrativa especial (artigos 47º e ss.). Esta unificação consiste em poderem existir tantas espécies de efeitos quanto aos pedidos suscetíveis de serem formulados, de tal modo que em cada meio processual cabem as mais distintas sub-ações, podendo dar origem a qualquer das modalidades de sentenças, sendo por isso facultado ao particular que formule mais do que uma pretensão, superando deste modo “os obstáculos da diferença de competência ou de trâmite, permitindo ultrapassar, na maior parte dos casos, as limitações e consequências nefastas que podiam apontar-se à rigidez dos meios processuais” (ANDRADE, José Carlos Vieira de, op.cit, p.180). Não vigora (como outrora) um regime de tipicidade ou numerus clausus quanto ao tipo de pretensões que podem ser deduzidas perante os tribunais administrativos, desde que verificadas certas condições legalmente prescritas, desde logo a existência de uma relação de conexão entre os pedidos de índole material, remetendo-se neste caso para o artigo 4º, n.º1, que elenca as hipóteses genéricas de cumulação, densificando os casos de admissibilidade a título exemplificativo no seu n.º2. O artigo 47º adota o mesmo modelo normativo dos exemplos-padrão, enveredando igualmente por uma enumeração exemplificativa dos casos de admissibilidade da cumulação em sede de ação especial.
O panorama actual de contencioso administrativo permite ainda cumular pedidos aos quais correspondam formas de processo diferentes (como resulta do disposto no artigo 5º CPTA) e/ou que devam ser julgados em tribunais de hierarquia ou território díspar, permitindo fazer uma distinção essencial, relativamente ao que acontece no processo civil, em que para que exista cumulação, estando em causa tribunais de hierarquia diferente, é necessário que a tramitação não seja manifestamente incompatível (artigo 31º, n.º1 do antigo CPC – anterior à reforma legislativa de Agosto de 2013). Existe apenas uma limitação a esta cumulação, que é o presente no artigo 5º/2 CPTA, obstando, portanto ao julgamento de pedidos, sem que todos se reconduzam à jurisdição administrativa, cuja consequência será a absolvição da instância dos pedidos excluídos do âmbito da jurisdição administrativa.
Considerações gerais à parte, a questão sobre a qual nos pretendemos agora debruçar, é a da relação entre o princípio da cumulabilidade de pedidos e o princípio da tutela jurisdicional efetiva. Nestes termos, se por um lado a cumulação de pedidos permite que tramitem na mesma ação várias pretensões, o que pode revelar-se vantajoso em termos de economia processual , permitindo assim ao autor intentar apenas uma ação, e não tantas quanto os pedidos, o que se reflecte em termos de dispêndios económicos com custas (mormente, taxas de justiça) e honorários de advogado, (tornando menos árdua a tarefa do demandante, que caso contrário, teria de desdobrar a sua atividade forense por várias ações, senão por vários tribunais), por outro lado, poder-se-á verificar um efeito desvantajoso, ao incrementar uma determinada complexidade do processo, nomeadamente podendo contrariar um dos corolários elementares deste princípio, como é o caso do direito a uma decisão judicial, que aprecie e resolva as questões suscitadas, em prazo razoável (2º/1, 4 e 5 CPTA).
A decisão caberá, em última instância ao particular, permitindo-lhe escolher qual das opções prefere, se a faculdade de intentar uma única ação, que pela sua pluralidade de pedidos, terá influência na morosidade do processo, ou se, pelo contrário, prefere intentar várias ações, beneficiando de uma maior rapidez no julgamento do processo, isto é, trata-se de “uma faculdade que deve ser utilizada estrategicamente pelo autor, em função das suas expetativas perante as circunstâncias do caso” (ANDRADE, José Carlos Vieira de, op.cit, p. 182).






Referências Bibliográficas (de acordo com a norma NP-405)


  1. ALMEIDA, Mário Aroso de, Manual de Processo Administrativo, Coimbra: Edições Almedina, 2013, p. 59, 67-75
  2. ANDRADE, José Carlos Vieira de, A Justiça Administrativa, Coimbra: Livraria Almedina, 2004, p. 165-182
  3. CANOTILHO, Gomes; MOREIRA, Vital, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª Ed., Coimbra: Coimbra Editora, 1993, p. 932-943
  4. CANOTILHO, Gomes, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Coimbra: Livraria Almedina, 1997, p. 265-270; 451-460
  5. GRAÇA, Maria Cecília de Magalhães Gagliardini, O princípio geral da tutela jurisdicional efectiva e a relação entre os direitos fundamentais e o direito processual, Lisboa: Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2003. Dissertação de Mestrado. p. 22-62
  6. OLIVEIRA, Mário Esteves de/OLIVEIRA, Rodrigo Esteves de, Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Vol. I, Coimbra: Edições Almedina, 2006, p. 107-120, 132-141
  7. SILVA, Susana Tavares da – Revisitando a garantia da tutela jurisdicional efectiva do administrado. Revista de Direito Público e Regulação. ISSN 1647-230n.º 5 (2010), p. 127-139
  8. SILVA, Vasco Pereira da – Todo o Contencioso Administrativo se tornou de plena jurisdição. Cadernos de Justiça Administrativa. n.º 34 (2002) p. 25-32



    Sara Craveiro Marinho n.º 21082 Subturma 1

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