O
Princípio da Tutela Jurisdicional Efetiva, tendo consagração
legal nos artigos 20º e 268º n.º 4 e 5 da Constituição da
República Portuguesa, doravante designada CRP, é um dos Direitos
fundamentais do nosso ordenamento jurídico, sendo considerado
como um “Direito-garantia” (ANDRADE,
José Carlos Vieira de, A
Justiça Administrativa,
Coimbra: Livraria Almedina, 2004, p.166),
como um “pilar fundamental do Estado de Direito” (CANOTILHO,
Gomes, Direito
Constitucional e Teoria da Constituição,
Coimbra: Livraria Almedina, 1997, p.265),
e ainda como “pedra angular” do processo administrativo (SILVA,
Vasco Pereira da – Todo o Contencioso Administrativo se tornou de
plena jurisdição. Cadernos
de Justiça Administrativa.
n.º 34 (2002) p. 25).
Já
com a segunda revisão constitucional de 1989, o artigo 268º,
garantia “aos interessados recurso contencioso com fundamento em
ilegalidade, contra quaisquer actos administrativos,
independentemente da sua forma, que lesem os seus direitos ou
interesses legalmente protegidos” (como dispunha o 268º n.º4
CRP), existindo assim a autonomização de um preceito
especificamente dedicado a garantir o acesso à justiça
administrativa. Quanto ao artigo 20º da CRP original (que apenas se
referia à garantia de acesso aos tribunais) era já entendido no
sentido de que não bastava uma mera garantia formal de acesso aos
tribunais, sendo necessária a concretização do mesmo através de
meios processuais adequados, de tribunais enquanto órgãos
independentes e imparciais no exercício da função jurisdicional,
abrindo caminho a ações de tutela positiva de direitos dos
administrados perante a administração. Ainda assim, esta expressão
só veio a ser adotada com a revisão constitucional de 1997,
apelidada pelo Professor Vasco Pereira da Silva como a “revolução
coperniciana” da Justiça Administrativa, alterando-se a epígrafe
do art. 20.º CRP, definitivamente para “tutela jurisdicional
efetiva”, ao mesmo tempo que se reforçou o artigo 268.º nºs 4 e
5 CRP. A importância deste princípio é enorme, tratando-se da
superação de “velhos traumas” da “infância difícil do
contencioso administrativo” (SILVA,
Vasco Pereira da, op. cit, p.
26).
Poder-se-á
perguntar qual o sentido da duplicação de preceitos, uma vez que
tanto o artigo 20º como o artigo 268º n.ºs 4 e 5 CRP dizem
respeito à “tutela jurisdicional efetiva”. A resposta tende a
ser a de que o 268º/4 e 5 são a concretização da garantia de
acesso aos tribunais, tendo a CRP reconhecido a necessidade de
autonomizar as garantias dos administrados, por estar em causa uma
situação diferente da que se verifica nos litígios em geral (art.
20º CRP), sendo ao administrado necessário que a lei assegure os
seus direitos e interesses legalmente protegidos, podendo em última
instância essa garantia ser dada pelo tribunal, em decorrência da
aplicação direta dos preceitos constitucionais, uma vez que “possui
ela própria, a qualidade de natureza de direito análogo aos
direitos, liberdades e garantias” (CANOTILHO,
Gomes, op.cit, p. 457) estando nós perante um caso de
aplicabilidade direta, à semelhança do que acontece nos artigos 17º
e 18º CRP, ou seja, existindo uma operatividade sem necessidade de
mediação do legislador, na ausência de norma legal que consagre um
meio de defesa adequado ou na presença de um entrave à defesa
adequada pelo administrado. Apesar deste facto, não se dispensa a
necessária intervenção do legislador, uma vez que estamos perante
um “direito
legalmente conformado e um
direito prestacionalmente
dependente”
(SILVA,
Susana Tavares da – Revisitando a garantia da tutela jurisdicional
efectiva do administrado. Revista
de Direito Público e Regulação.
ISSN
1647-230n.º
5 (2010) p. 128), ou seja, dependendo de
“um regime legal
adequado a garantir a defesa dos direitos e interesses legalmente
protegidos dos administrados (dependência
da conformação legal) e
na instituição em concreto dos meios institucionais e humanos para
o efeito (dependência de
prestações estaduais materiais)”
(também neste sentido o Acórdão TC n.º 467/91, proc. n.º 288/88,
de 18.12.91, publicado no Diário da República, n.º 78, II Série,
de 02.04.92, pag. 3112-(48)), sendo necessária uma intervenção do
legislador. Ao mesmo tempo garante-se a execução de decisões
judiciais (artigo 205º Código de Processo nos Tribunais
Administrativos, doravante, CPTA), eliminando a disparidade entre
administração-administrado, assim como um estigma de que a
administração poderá beneficiar de um tratamento mais favorável,
precisamente por ser a Administração.
Com
a reforma do Contencioso Administrativo, cujo início teve lugar em
2002, dá-se a concretização dos ditames constitucionais, através
do artigo 2º CPTA, que passa a adotar um modelo essencialmente
subjetivista do contencioso administrativo, grandemente influenciada
pelos artigos 6º e 13º da Convenção Europeia dos Direitos do
Homem (CEDH), isto é, um modelo de contencioso administrativo
especialmente vocacionado para a tutela do administrado, não se
focando pura e simplesmente na formalidade do ato, facultando ao
particular a possibilidade de obtenção de uma pronúncia de mérito
das pretensões formuladas, como dispõe o artigo 7º CPTA (princípio
pro
actione),
combatendo desta forma um modelo formalista de contencioso, evitando
que se ponha termo ao processo por razões de natureza formal.
Deste
modo, o administrado é titular de uma série de direitos que advêem
deste princípio constitucional, e que se caraterizam como sendo seus
corolários, como são o caso do direito de acesso aos tribunais
(presente no artigo 7º CPTA, já referido supra); o direito de
dispôr de processos judiciais adequados (artigo 2º/2 CPTA); o
direito a um processo justo (6º e 8º CPTA); direito a uma decisão
judicial, que aprecie e resolva as questões suscitadas, em prazo
razoável (2º/1, 4 e 5 CPTA); direito a decisões judiciais
cautelares e direito à execução das decisões judiciais (artigos
2º/1 e 3º/2 e 3 CPTA), bem como do princípio da livre
cumulabilidade de pedidos (artigos 4º e 47º CPTA), sendo este
último “a mudança mais significativa que a reforma produziu para
assegurar um acesso efetivo dos particulares à justiça
administrativa e aquela que vai implicar uma maior capacidade de
adaptação do juiz para a adequação do processo às necessidades
práticas” (ANDRADE,
José Carlos Vieira de, op.cit,
p.182)
O
particular dispõe assim de meios processuais para a tutela dos seus
interesses legalmente protegidos, sendo consagrado no Código de
Procedimento nos Tribunais Administrativos o modelo latino (próximo
das reformas do direito italiano, espanhol e francês), segundo o
qual existe uma unificação de todos os meios processuais,
“independentemente dos pedidos ou dos efeitos das sentenças”
(SILVA,
Vasco Pereira da, op.cit, p.26),
apesar da dicotomia entre a ação administrativa comum (artigos 37º
e ss.), a ação administrativa especial (artigos 47º e ss.). Esta
unificação consiste em poderem existir tantas espécies de efeitos
quanto aos pedidos suscetíveis de serem formulados, de tal modo que
em cada meio processual cabem as mais distintas sub-ações, podendo
dar origem a qualquer das modalidades de sentenças, sendo por isso
facultado
ao particular que formule mais do que uma pretensão, superando deste
modo “os obstáculos da diferença de competência ou de trâmite,
permitindo ultrapassar, na maior parte dos casos, as limitações e
consequências nefastas que podiam apontar-se à rigidez dos meios
processuais” (ANDRADE,
José Carlos Vieira de, op.cit,
p.180). Não vigora (como outrora) um regime de tipicidade ou numerus
clausus
quanto ao tipo de pretensões que podem ser deduzidas perante os
tribunais administrativos, desde que verificadas certas condições
legalmente prescritas, desde logo a existência de uma relação de
conexão entre os pedidos de índole material, remetendo-se neste
caso para o artigo 4º, n.º1, que elenca as hipóteses genéricas de
cumulação, densificando os casos de admissibilidade a título
exemplificativo no seu n.º2. O artigo 47º adota o mesmo modelo
normativo dos exemplos-padrão, enveredando igualmente por uma
enumeração exemplificativa dos casos de admissibilidade da
cumulação em sede de ação especial.
O
panorama actual de contencioso administrativo permite ainda cumular
pedidos aos quais correspondam formas de processo diferentes (como
resulta do disposto no artigo 5º CPTA) e/ou que devam ser julgados
em tribunais de hierarquia ou território díspar, permitindo fazer
uma distinção essencial, relativamente ao que acontece no processo
civil, em que para que exista cumulação, estando em causa tribunais
de hierarquia diferente, é necessário que a tramitação não seja
manifestamente incompatível (artigo 31º, n.º1 do antigo CPC –
anterior à reforma legislativa de Agosto de 2013). Existe apenas uma
limitação a esta cumulação, que é o presente no artigo 5º/2
CPTA, obstando, portanto ao julgamento de pedidos, sem que todos se
reconduzam à jurisdição administrativa, cuja consequência será a
absolvição da instância dos pedidos excluídos do âmbito da
jurisdição administrativa.
Considerações
gerais à parte, a questão sobre a qual nos pretendemos agora
debruçar, é a da relação entre o princípio da cumulabilidade de
pedidos e o princípio da tutela jurisdicional efetiva. Nestes
termos, se por um lado a cumulação de pedidos permite que tramitem
na mesma ação várias pretensões, o que pode revelar-se vantajoso
em termos de economia processual , permitindo assim ao autor intentar
apenas uma ação, e não tantas quanto os pedidos, o que se
reflecte em termos de dispêndios económicos com custas (mormente,
taxas de justiça) e honorários de advogado, (tornando menos árdua
a tarefa do demandante, que caso contrário, teria de desdobrar a sua
atividade forense por várias ações, senão por vários tribunais),
por outro lado, poder-se-á verificar um efeito desvantajoso, ao
incrementar uma determinada complexidade do processo, nomeadamente
podendo contrariar um dos corolários elementares deste princípio,
como é o caso do direito a uma decisão judicial, que aprecie e
resolva as questões suscitadas, em prazo razoável (2º/1, 4 e 5
CPTA).
A
decisão caberá, em última instância ao particular, permitindo-lhe
escolher qual das opções prefere, se a faculdade de intentar uma
única ação, que pela sua pluralidade de pedidos, terá influência
na morosidade do processo, ou se, pelo contrário, prefere intentar
várias ações, beneficiando de uma maior rapidez no julgamento do
processo, isto é, trata-se de “uma faculdade que deve ser
utilizada estrategicamente pelo autor, em função das suas
expetativas perante as circunstâncias do caso” (ANDRADE, José
Carlos Vieira de, op.cit, p. 182).
Referências
Bibliográficas (de acordo com a norma NP-405)
- ALMEIDA, Mário Aroso de, Manual de Processo Administrativo, Coimbra: Edições Almedina, 2013, p. 59, 67-75
- ANDRADE, José Carlos Vieira de, A Justiça Administrativa, Coimbra: Livraria Almedina, 2004, p. 165-182
- CANOTILHO, Gomes; MOREIRA, Vital, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª Ed., Coimbra: Coimbra Editora, 1993, p. 932-943
- CANOTILHO, Gomes, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Coimbra: Livraria Almedina, 1997, p. 265-270; 451-460
- GRAÇA, Maria Cecília de Magalhães Gagliardini, O princípio geral da tutela jurisdicional efectiva e a relação entre os direitos fundamentais e o direito processual, Lisboa: Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2003. Dissertação de Mestrado. p. 22-62
- OLIVEIRA, Mário Esteves de/OLIVEIRA, Rodrigo Esteves de, Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Vol. I, Coimbra: Edições Almedina, 2006, p. 107-120, 132-141
- SILVA, Susana Tavares da – Revisitando a garantia da tutela jurisdicional efectiva do administrado. Revista de Direito Público e Regulação. ISSN 1647-230n.º 5 (2010), p. 127-139
- SILVA, Vasco Pereira da – Todo o Contencioso Administrativo se tornou de plena jurisdição. Cadernos de Justiça Administrativa. n.º 34 (2002) p. 25-32Sara Craveiro Marinho n.º 21082 Subturma 1
Sem comentários:
Enviar um comentário