Sumário:
1. A urgência
no Contencioso Administrativo;
2. Os processos
urgentes: distinção entre impugnações e intimações;
3. O
contencioso pré-contratual.
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1. A urgência no Contencioso
Administrativo
Atendo à circunstância de especial urgência de que são revestidas certas situações jurídicas, tornou-se necessária a consagração de meios processuais especialmente céleres, aptos a compor o litígio de forma eficiente e em tempo útil. Se de outro modo fosse entendido o problema, muitas seriam as situações que perderiam a sua utilidade ao momento da decisão nas acções administrativas ditas “não-urgentes”. Por outras palavras: estamos perante situações jurídicas que apresentam um periculum in mora.
Estes meios processuais são caracterizados por uma
tramitação mais simplificada. A ideia de simplificação é melhor compreendida se
for contraposta às formas da acção administrativa (comum ou especial), à qual
estão submetidas a generalidade das situações jurídicas. Com efeito, poderemos
salientar que, além da brevidade das fases processuais e dos prazos,
tendencialmente, mais curtos, os processos urgentes decorrem mesmo durante as
férias judicais; é-lhes dispensado o visto prévio; são dotados de prevalência
perante os demais actos de secretaria, sendo que estes são praticados no
próprio dia (art.36º/2); os recursos sobem imediatamente, com os seus prazos
reduzidos para a metade (art.147º); e não tem lugar o reenvio prejudicial (art.
93º/3).
Neste sentido, o Código de Processo dos Tribunais
Administrativos veio consagrar quatro processos urgentes autónomos: duas
impugnações e duas intimações (cfr. art. 36º e 97º e ss). A saber:
- Impugnação relativa ao contencioso eleitoral;
- Impugnação relativa ao contencioso pré-contratual;
- Intimação para prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões;
- Intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias.
Como bem relembra José
Vieira de Andrade, a circunstância do artigo 36º estabelecer uma
enumeração legal não significa que estejamos perante um numerus clausus, que impeça que outros processos revistam carácter
de urgência[1].
Com efeito, constituem exemplos de processos urgentes a acção para declaração
de perda de mandato local (cfr. art. 15º da Lei nº. 27/96); as intimações para
a prática de acto legalmente devido no âmbito do regime jurídico da Urbanização
e da Edificação (cfr. art. 112º do DL nº. 555/99); e os processos relativos ao
direito de exilio (cfr. art. 84º da Lei nº. 27/2008).
Além do mais, a convolação do processo cautelar em
processo principal e a, consequente, antecipação da decisão definitiva, permite
“uma abertura para a criação ad hoc de
novos processos urgentes” (cfr. arts. 121º e 132º/7)[2].
No âmbito das situações de urgência, encontramos a par
dos processos urgentes, as providências cautelares (cfr. art. 36º).
O que distingue, essencialmente, as providências
cautelares dos processos urgentes é o facto de nestes últimos estarmos perante
uma decisão definitiva sobre o mérito da causa e não uma decisão provisória,
dependente da proposição de uma acção principal. Deste modo, estamos diante um
real e efectivo processo principal, regulador definitivo do litígio.
Ao autonomizar os processos urgentes enquanto meio
principal, o legislador veio dar cumprimento ao comando de celeridade,
consagrado no art. 20º/5 da Constituição da República Portuguesa de 1976,
introduzido com a revisão constitucional de 1997; ampliando-o além das
exigências relacionadas com a marcha dos processos e com o aprofundamento dos
procedimentos cautelares[3].
Como salienta Mário
Aroso de Almeida, merece destaque a inovatória consagração do processo
de intimação para protecção dos direitos, liberdades e garantias, que veio
complementar garantia da tutela jurisdicional efectiva[4]. Com
esta inovação, o legislador foi mais além das exigências do imperativo
constitucional, pois optou por estender o âmbito de aplicação deste processo à
defesa de todos os direitos, liberdades e garantias (incluindo os de natureza
análoga [por força do regime do art. 17º CRP]), não se bastando pelo de
natureza pessoais, tal como refere o art. 20º/5 CRP. Esta solução por uma
protecção mais abrangente é justificada pela especial relação entre os direitos
em causa e a dignidade da pessoa humana.[5]
Em jeito de conclusão da presente secção, importa
alertar que os processos de decisão urgente sobre o mérito da causa devem ser
restringidos a situações que comportem verdadeira urgência, pois estes muitas
vezes desenrolam-se em termos que impedem a devida produção de prova e o
exercício pleno do contraditório. Como nos diz Aroso
De Almeida, não é aconselhável abusar dos processos urgentes, tendo em
atenção que este tendem a significar “o
sacrifício de certos valores, que quando as razões de urgência não o exijam,
não devem ser sacrificados.” Para o autor, a solução mais adequada seria a
de dar prioridade aos processos não-urgentes, devidamente complementados por
uma tutela cautelar eficaz, “aptos a
evitar a constituição de situações irreversíveis ou a emergência de danos de
difícil reparação”, e reservar os processos urgentes para as situações de
real urgência[6],
ou seja, aquelas que não se compadecem de uma composição provisória do litígio.
2. Os processos urgentes: distinção
entre impugnações e intimações
O legislador ordinário reservou o
título IV do CPTA para regular o regime dos processos principais urgentes. Este
título está estruturado em torno da distinção entre de dois géneros de
processos urgentes: as impugnações e as intimações.
“As impugnações urgentes são processos céleres, de cognição plena
acelerada, que desembocam em sentença de fundo [sobre a legalidade dos
actos da Administração] e que transitam,
com pequenas modificações, da legislação anterior”[7].
Neste sentido, elas constituem uma
espécie de “acções administrativas
especiais urgentes”[8], pois o
seu objecto não tem de se cingir à mera a impugnação de actos administrativos,
podendo nelas cumular-se um pedido de condenação directa da Administração. Com
efeito, é-lhes aplicável a tramitação das acções administrativas especiais, com
as adaptações do art. 99º para o contencioso eleitoral e do art. 102º para o
contencioso pré-contratual.
Por seu turno, as intimações são
processos de condenação, que culminam na imposição judicial à prática ou
omissão de certas condutas pela Administração, admitindo-se nos casos da intimação
para protecção de direitos, liberdades, garantias a condenação à prática de
actos administrativos.
Feita esta distinção entre
impugnações e intimações, cumpre agora fazer uma menção, em termos superficiais,
a cada um dos processos urgentes (com excepção do contencioso pré-contratual,
que será alvo de um desenvolvimento ligeiramente mais minucioso).
Desta feita, começaremos pelo
contencioso eleitoral. Este processo de impugnação está regulado nos artigos
97º a 99º. Consiste, essencialmente, na impugnação de actos administrativos em
matéria eleitoral, cuja apreciação seja da competência dos tribunais
administrativos.
A ressalva à jurisdição
administrativa, feita pelo art. 97º, está relacionada com a diversidade de competências
dos diferentes tribunais em matéria eleitoral, nomeadamente com a reserva de
competência do Tribunal Constitucional. Compreendendo esta realidade, o ETAF
vem, na alínea m) do art.4, atribuir jurisdição residual aos Tribunais
Administrativos no âmbito do contencioso eleitoral, atribuindo-lhe competência
sobre as matérias não reservadas a outros tribunais.
Voltando a nossa atenção para as
intimações urgentes, são elas: a intimação para prestação de informações,
consulta de processos ou passagem de certidões (arts. 104º-108) e a intimação
para protecção de direitos, liberdades e garantias (arts. 109º-111º).
A intimação para prestação de informações, consulta de processos ou
passagem de certidões surge no contexto do princípio da colaboração da
Administração com os particulares (consagrado no art. 268º CRP e art. 1º/ al.
a) do CPA). Desta feita, quando se verifiquem situações de incumprimento dos
comandos legislativos consagrados no CPA (cfr. atrs. 61º-63º), ao interessado é
facultado o recurso à via contenciosa.
Com efeito, a intimação de
informações, consulta de processos ou passagem de certidões consiste no meio
adequado para a obter a satisfação de todas a pretensões informativas. Como
salienta Vieria de Andrade, por
vezes poderá não se verificar as razões de urgência na utilização deste meio
processual, podendo estar em causa a obtenção de informações em circunstância
tidas com normais. Para o autor, o fundamento deste amplo alcance prende-se com
razões de acentuação da transparência[9].
Finalmente, cumpre aludir à figura da
intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias. Como supra
enunciado, esta consiste na grande inovação do CPTA. Visando o aperfeiçoamento
da tutela jurisdicional efectiva, o legislador ordinário consagrou um meio
processual que visa a protecção de todos e quaisquer direitos, liberdades e
garantias, incluindo os de natureza análoga.
Tendo em linha de conta que esta
ideia já foi sufragada no presente trabalho, cumpre fazer uma remissão, pese
embora seja reconhecida a especial importância deste meio processual, que
muitas páginas já rendeu no seio da doutrina Portuguesa.
3. O Contencioso pré-contratual
Feita esta pequena alusão aos diferentes processos urgentes, cabe, por razões de brevidade, centrar as atenções para um processo urgente em particular. Desta feita, o eleito foi o contencioso pré-contratual.
O processo urgente do contencioso pré-contratual
consiste num meio de impugnação de actos referente à celebração de quatro
espécies contratos: empreitada de obras públicas, concessão de obras públicas,
prestação de serviços e fornecimentos de bens (cfr. art. 100º).
Este meio processual urgente surge com uma
imposição comunitária, nascendo, por conseguinte, da transposição da
“Directiva-Recursos” (Directiva nº 89/665/CEE), pelo DL. 134/98.
Como nós diz Isabel
Alexandre, a ideia de urgência que lhe está subjacente é a de “repor a legalidade antes do acto conclusivo
do contrato”, notando que até então a jurisprudência não iria além da
condenação ao pagamento de indemnização por despesas feitas com o procedimento
contratual[10]. Neste sentido,
sendo a cognição do tribunal plena, a sua sentença, em caso de procedência da
acção, tende a ser anulatória ou de declaração de invalidade do acto em causa.
Para Vieira
de Andrade, este processo urgente resulta da necessidade de assegurar
duas ordens de valores: por um lado, a promoção da transparência e da
concorrência e, por outro, garantir o início célere da execução dos contratos e
a sua estabilidade[11].
Uma crítica que se faz sentir no seio da doutrina,
prende-se com o facto de o legislador ordinário se ter ficado pela aplicação
deste processo aos contratos exigidos pela União Europeia. Cingindo-se ao
estritamente necessário para cumprir as obrigações comunitárias. Excluindo, sem
razão aparente, outros contratos de natureza administrativa em circunstâncias
substancialmente idênticas face aos imperativos de protecção dos interesses dos
candidatos preteridos. Assim, como as razões de estabilidade do contrato é,
igualmente, importante nos demais contratos[12].
Posto isto, importa agora analisar, muito
sinteticamente, os seus aspectos de regime.
Em relação ao seu objecto, ele não se cinge apenas
à impugnação de actos administrativos, podendo abranger actos similares praticados por entidades privadas e os documentos contratuais (art. 100º/2 e 3).
Por outro lado, existe a possibilidade de o mesmo ser ampliado à impugnação do
contrato já celebrado, embora apenas em relação às invalidades que surjam de
ilegalidades do procedimento pré-contratual e quando o mesmo seja celebrado na
pendência da acção[13]
(art. 63º ex vi art. 102º/4 ).
Quanto ao prazo para a apresentação do pedido,
cumpre assinalar a solução, prima facie,
paradoxal do artigo 101º, ao optar por alargar o prazo de 15 das para um mês, pese
embora o facto de reafirmar o carácter de urgência do contencioso
pré-contratual. Esta solução, todavia, é justificada pela consideração de que o
prazo anterior era insuficiente e conduzia frequentemente a situações de
desprotecção, sobretudo atendendo à impossibilidade de recurso alternativo à via
da impugnação do acto no prazo normal.
A propósito deste preceito, cabe apenas notar que
ele introduz um desvio à remissão geral do art. 100º/1, por afastar os prazos
consagrados no art. 58º. Estabelecendo para o efeito um prazo único de
impugnação.
Relativamente aos pressupostos processuais, por
força da norma remissiva do art. 100º/1, aplica-se, com as necessárias
adaptações, o regime da acção administrativa especial, nomeadamente, da
impugnação do acto administrativo.
Para concluir, importa mencionar: (i) que a
tramitação do processo é única e segue a da acção administrativa especial (art.
102º/1); (ii) a possibilidade do tribunal decidir por realizar uma audiência
pública para a discussão da matéria de facto e de direito, sendo no seu término
ditada a sentença (art. 103º); (iii) e, por último, a faculdade de o juiz não
proferir a sentença e optar por promover o acordo das parte em relação ao
montante indemnizatório (art. 102º/5).
Nota adicional: todas as
disposições citadas, sem a devida referência legislativa, correspondem a
preceitos do Código de Processo dos Tribunais Administrativos, aprovado pela
Lei nº 15/2002, de 22 de Fevereiro.
Abreviaturas: ETAF – Estatuto
dos Tribunais Administrativos. CRP – Constituição da República Portuguesa. CPTA
– Código de Processo dos Tribunais Administrativos. CPA - Código de Procedimento Administrativo.
Referências bibliográficas
ALEXANDRE, Ana Isabel,
Efectividade da tutela jurisdicional administrativa, a celeridade e a urgência: contributos
recíprocos, Relatório de mestrado, Orientador: Prof. Doutor Sérvulo Correia,
2004;
ALMEIDA, Mário Aroso de, Manual de
Processo Administrativo, Reimpressão, Coimbra, Almedina, 2013;
ALMEIDA, Mário Aroso de, O novo regime
do processo nos tribunais administrativos, 4ª edição revista e actualizada,
Coimbra, Almedina, 2005.
ANDRADE, José Carlos Vieira de, A
Justiça Administrativa (Lições), 12ª edição, Coimbra, Almedina, 2012;
FONSECA, Isabel Celeste M, Dos novos
processos urgentes no contencioso administrativo (função e estrutura), Lisboa,
Lex, 2004.
RATO, António Esteves Fermiano, Contencioso
administrativo: novo regime explicado e anotado,
Coimbra, Almedina, 2004.
Carina Ardisson, nº 19529
[1] José Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa
(Lições), 12ª edição, Coimbra, Almedina, 2012, pp.225.
[2]
José Vieira de Andrade, op cit, pp.
225.
[3] Cfr. Ana Isabel Alexandre, Efectividade da tutela
jurisdicional administrativa, a celeridade e a urgência: contributos
recíprocos, Relatório de mestrado, 2004, pp. 20. E Mário Aroso de Almeida, O
novo regime do processo nos tribunais administrativos, 4ª edição revista e
actualizada, Coimbra, Almedina, 2005. pp. 270.
[4] Mário Aroso de Almeida, O novo regime do processo
(…)pp. 270.
[5] Mário Aroso de Almeida, Manual de Processo
Administrativo, Reimpressão, Coimbra, Almedina, 2013, pp. 139 e 243.
[6] Mário Aroso de Almeida, Manual (…), pp. 144.
[7]Isabel Celeste M. Fonseca, Dos novos processos urgentes
no contencioso administrativo (função e estrutura), Lisboa, Lex, 2004, pp. 70.
[8] Expressão utilizada por Mário Aroso de Almeida em
Manual de Processo Administrativo (…), pp. 408.
[9] José Vieira de Andrade, op cit, pp. 240
[10] Ana Isabel Alexandre, op cit, pp. 22
[11] José Vieira de Andrade, op cit, pp. 231
[12] Neste sentido, Isabel Alexandre, op cit. 22, José
Vieira de Andrade, op. Cit, pp.231-232.
[13] A este
propósito, cabe referir a crítica feita por Isabel Alexandre. Para a autora
faria mais sentido, tendo em atenção a ratio de estabilidade dos contratos, a
suspensão automática do procedimento de formação do contrato.
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