domingo, 20 de outubro de 2013

Um novo paradigma: a arbitragem administrativa 

A arbitragem encontra-se consagrada no art. 202°/4 CRP ao prever que a "lei poderá institucionalizar instrumentos e formas de composição não jurisdicional de conflitos", e define-se como o meio de resolução de litígios fora do quadro dos tribunais que integram a justiça oficial, também designada por jurisdição pública. As partes em litígio, em vez de se submeterem a estes últimos, submetem o litígio à apreciação de terceiros (os árbitros), os quais por força da lei, apesar de não terem poderes de execução da sentença, actuam como um verdadeiro tribunal, tendo as respectivas decisões a natureza de sentença com força de caso julgado. O seu regime vem estipulado nos art. 180° a 187° CPTA e por força do art.181/1° aplica-se a LAV (Lei da Arbitragem Voluntária - Lei 39/86 de 29 de Agosto).
A natureza jurídica resulta da conjugação de duas teorias. Em primeiro, a teoria contratualista pois a arbitragem assenta num contrato, designado por, convenção de arbitragem. Em segundo, a teoria judicialista pois o tribunal arbitral funciona como um verdadeiro tribunal, configurando uma alternativa aos tribunais de jurisdição pública. 

É importante referir que, embora nãos se trate de um método tradicional, o certo é que estamos perante um sistema cada vez mais desenvolvido, ao qual se associam vantagens, tais como:
- carácter mais reservado ou confidencial do respectivo processo;
- melhor adequação à apreciação de litígios de especial complexidade pois os árbitros podem ser especialistas na matéria controvertida;
- celeridade dos casos ( que tanto pode resultar do facto de não entrarem na longa lista de espera que caracteriza os tribunais administrativos, como pode der por admitir formas mais simplificadas de tramitação processual);
- flexibilidade que as partes podem usufruir, nomeadamente, na escolha dos árbitros;
- neutralidade do tribunal; 
- equiparação da decisão arbitral às sentenças proferidas pelos tribunais de justiça em termos de exequibilidade. 

A arbitragem enquanto meio jurisdicional de resolução de litígios, desdobra-se em vários tipos, a saber: primeiro, a arbitragem voluntária cuja existência depende da vontade das partes e que se contrapõe à arbitragem necessária que é aquela que é imposta por lei, ou seja, as partes ficam legalmente impedidas de recorrer aos tribunais que integram a justiça oficial e que seriam os normalmente competentes. Em segundo, será de atender à diferença entre arbitragem institucionalizada que se caracteriza pela intervenção de uma instituição especializada de carácter permanente à qual as partes se dirigem (centros de arbitragem - art. 187º CPTA), e arbitragem ad hoc em que os árbitros são designados pelas partes e funcionam como as regras estabelecidas por estas. Por fim, é necessário distinguir a arbitragem segundo a lei onde os árbitros decidem o litígio conforme o direito estrito, interpretado e aplicando normas jurídicas, da arbitragem segundo a equidade em que o tribunal não está exclusivamente subordinado aos critérios normativos, podendo atender a razões de conveniência, oportunidade e justiça concreta.

Após uma breve descrição sobre  o que se entende por arbitragem, é importante ver em que termos esta se aplica aos litígios administrativos decorrentes no ordenamento jurídico português. 
Assim, ao contrário do que sucede na arbitragem privada, o art. 1º/4 LAV sustenta a não existência de uma norma de permissão geral de arbitragem em matéria administrativa, ficando a depender a concretização de convenções arbitrais de uma lei especial. Tratam-se de matérias nas quais as entidades públicas figuram como sujeitos privados, ou seja, são matérias que não pertencem à jurisdição dos tribunais administrativos, mas sim dos tribunais judiciais. As situações que podem ser submetidas a arbitragem constam do art. 180°/1 CPTA e dizem respeito à responsabilidade civil da administração ou à interpretação, validade ou execução do contrato administrativo. 
Ficam excluídas deste campo as matérias respeitantes a direitos indisponíveis, e estas exclusão aplica-se também ao direito administrativo na medida em que se aceita o recurso voluntário das partes a um tribunal arbitral, mas como se trata de um acto de disposição de direitos controvertidos tem que existir limites. Porém, o contencioso da legalidade das decisões administrativas é matéria de ordem pública, logo a Administração não pode escapar a um controlo dos tribunais administrativos, sem prejuízo da invalidade dos actos poder ser verificada, a título incidental, pelo tribunal arbitral para efeitos indemnizatórios. 
Então, a arbitragem esta excluída nos casos apresentados pelo art. 185° CPTA, quando estejam em causa direitos indisponíveis e ainda quando existam contra-interessados que não aceitam o compromisso arbitral (art. 180º/2 CPTA).

Relativamente aos pressupostos da convenção de arbitragem para instituição de um tribunal, estes vem definidos no art. 2º LAV, podendo consubstanciar-se num momento anterior, mediante uma cláusula compromissória ou num compromisso arbitral , aquando da constituição do litígio. 

No que ao art. 182º diz respeito estabelece-se o direito à outorga de compromissos arbitrais, estando assim a nascer uma espécie de arbitragem forçada em que as entidades públicas se poderão ver submetidas à jurisdição de tribunal arbitral que não desejavam ver constituídos. Contudo trata-se de uma solução que necessita de desenvolvimento pois deixa em aberto se a mesma se reporta ou não a todas as situações do art. 180º; se pode ser utilizada a arbitragem segundo a equidade; etc. Para além de que não parece poder aceitar-se o entendimento de que o art. 11° LAV tenha utilização em caso de resistência da administração. De facto, o modo pelo qual a Administração outorga compromissos arbitrais é através de despacho (art. 184° CPTA), mas se houver uma omissão, o que se poderá fazer? É clara a necessidade de uma lei que densifique a precisão genérica e especifique quais os direitos dos interessados. 

Por fim, a impugnação das decisões arbitrais vem estabelecida nos art. 27° a 29° LAV, à semelhança do que acontece no art. 186° CPTA,  sendo que o n.º 1 se refere à nulidade, e o n.º 2 ao recurso se não houver uma decisão baseada na equidade. 

Em conclusão, cada vez mais se assiste a uma fuga das partes para os tribunais arbitrais, subtraindo os casos de jurisdição dos tribunais oficiais de justiça. Isto porque se pretende uma maior celeridade dos processos, capazes de atender a necessidades específicas e concretas. Não obstante, atendendo ao nosso ordenamento jurídico, afigura-se-nos ser necessário um desenvolvimento das leis existentes e admite-se a criação de uma nova lei dirigida à arbitragem para dirimir litígios administrativos, pois ainda é ao direito administrativo que cabe determinar se a regra utilizada para os conflitos em que as entidades públicas funcionam como sujeitos privados, se pode aplicar no âmbito das relações jurídico-administrativas em que o ente público actua com ius imperi. 
De todo o modo, caso o recurso à arbitragem se torne uma prática no âmbito do direito administrativo, será para referir que, como anuncia João Caupers, " o triunfo da arbitragem representa o fracasso dos juízes e o êxito dos peritos". 


Bibliografia: 
- Almeida, Mário Aroso de; Novo Regime de processo nos tribunais administrativos; 2006; Coimbra editora
- Esquível, José Luís; O contrato administrativo e a arbitragem; 2010; Almedina
- Silva, Vasco Pereira; O contencioso administrativo no divã da psicanálise; 2009; Almedina
- Barrocas, Manuel Pereira: processo arbitral correcto ou guerrilha arbitral? in Revista da ordem dos advogados; Outubro/Dezembro 2012 


Mónica Gomes Bito
N.º 20858, Subturma 1

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