domingo, 20 de outubro de 2013

Âmbito de Jurisdição Administrativa , Comentário ao parecer de Noronha de Nascimento a propósito da passagem para a jurisdição administrativa da matéria de expropriações

Cada vez mais nos nossos dias se discute pormenorizadamente qual o âmbito de jurisdição administrativa, de acordo com o atual art.º 212º  nº 3 da Constituição da República Portuguesa, doravante CRP.
De acordo com o preceito "compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais".
Cabe densificar o conceito de relação jurídica administrativa.
Num sentido subjetivo tratar-se-ia de qualquer relação jurídica em que intervenha a Administração, a presença de uma qualquer pessoa coletiva pública enquanto sujeito seria o bastante para remeter o litígio para a jurisdição administrativa
Num sentido objetivo exigiria-se não só a presença de uma pessoa coletiva pública na relação jurídica mas também que esta seja regulada pelo Direito Administrativo, verificando-se a existência de um estatuto especial do sujeito público.
Não tendo sido o legislador constitucional claro a este respeito, debate-se a doutrina qual o sentido a outorgar ao preceito, pelo que, nos parece ser de acolher o entendimento que "relação jurídica administrativa " deve ser entendida no sentido tradicional de "relação jurídica de direito administrativo", na expressão de Vieira de Andrade, conjunto de relações onde a Administração é tipicamente dotada de poderes de autoridade para cumprimento das suas principais tarefas de realização do interesse público. 
Isto é, parece-nos ser de acolher o critério de que são relações jurídicas administrativas para efeitos do preceito, as regidas por normas de direito administrativo e fiscal em detrimento de um critério teleológico ou um critério estatutário.
A questão toma diferentes contornos na medida em que, a reserva estabelecida no artº 212º nº 3 CRP, não se trata de uma reserva de competência absoluta, mas sim de uma reserva de competência relativa, isto é, pontualmente pode o legislador apontar desvios a esta norma de competência desde que devidamente justificados.
Certos litígios de foro administrativo podem ser dirimidos nos tribunais judiciais desde que razões para tal se apresentem, como já foi decidido pela jurisprudência, veja-se o caso do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo 14/2000 ou mesmo os acórdãos 607/95 e 284/03 do Tribunal Constitucional.
Neste sentido verifica-se atualmente uma tendência de cativação para os Tribunais Administrativos quanto às matérias que pelo seu foro a si lhes caberia julgar, tal como se prevê que aconteça em breve alteração legislativa quanto à matéria das expropriações.
Entende-se por expropriação o processo pelo qual se dá ablação do direito de propriedade ou outro direito real sobre um imóvel, mediante o pagamento de uma justa indemnização.
Por razões históricas a matéria de expropriações tem sido submetida à jurisdição dos tribunais judiciais, todavia prevê-se que esta integre a jurisdição administrativa visto de facto tratar-se de uma matéria que por força do art.º 212º nº 3 integra o âmbito de jurisdição administrativa e não parece haver atualmente qualquer razão para esta não lhe ser atribuída.
Contrariamente a este entendimento insurgiu-se o antigo presidente do Supremo Tribunal Administrativo, Noronha de Nascimento redigindo sobre tal um parecer elencando argumentos no sentido de fazer permanecer a matéria de expropriações no seio da jurisdição judicial.
Segundo este entendimento, os tribunais judiciais encontram-se igualmente especializados para conhecer de tal matéria, e apelando a razões de caráter histórico para defender a sujeição da matéria ao foro judicial, seriam estes que" melhor assegurariam  a defesa dos direitos expropriações, ao menos quando se trata da fixação total da indemnização", não devendo a jurisdição administrativa dirimir litígios reais de natureza privada.
O argumento predominantemente usado passa pela qualificação desta matéria como uma matéria de natureza privada e que submete-la à jurisdição administrativa poderia levantar problemas de inconstitucionalidade.
Não partilhamos deste entendimento pelas razões que passamos a expor.
Em primeiro lugar, visto que se trata de uma matéria que de acordo com o estabelecido na Lei Fundamental caberá à jurisdição administrativa é defensável que surja legislação nesse mesmo sentido. 
A matéria das expropriações, que resulta de ato administrativo, de acordo com o nosso entendimento no preceito 212º nº3 CRP é materia sujeita à jurisdição administrativa (remete-se para a discussão supra referida quanto à interpretação do artigo).
Hoje em dia com a reforma do sistema judicial dos Tribunais Administrativos o sistema encontra-se plenamente apto a receber estas matérias, que na verdade a si lhe cabem, tal como quanto à questão da especialização, estes apresentam-se como a melhor resposta.
A invocação de um argumento de razões históricas não deve ter acolhimento face ao grau de desenvolvimento dos tribunais administrativos hoje em dia, bem como o estabelecido constitucionalmente, não sendo suficiente como justificação para tal desvio.
Mostra-se completamente despropositado afirmar que os Tribunais Administrativos atualmente são tribunais de "foro pessoal do Estado" na expressão de Noronha de Nascimento.
A desconfiança quanto ao sistema administrativo há muito foi ultrapassada na medida em que este não deve continuar a espelhar os "traumas de infância" do surgimento do contencioso administrativo.
Atualmente o núcleo de juízes dos tribunais administrativos tem a sua formação, a par dos restantes, no Centro de Estudos Judiciários, não tendo assim cabimento afirmações de que este núcleo de juízes iria favorecer a Administração.
Os Tribunais Administrativos são dotados de uma imparcialidade, a par dos restantes que tão bem permite defender as pretensões dos particulares.
Em suma deve caber à jurisdição administrativa dirimir os litígios que sejam regidos por normas de direito administrativo e fiscal e os desvios feitos pelo legislador devem ser pontuais e justificados, (veja-se o caso dos litígios emergentes de processos contra-ordenacionais em que é plenamente justificada a sua submissão à jurisdição judicial visto que grande parte destes litígios envolvem também matérias criminais o que julgados separadamente daria asas a entraves aos direitos dos particulares), e face à reforma no sistema administrativo justificam-se estes fenómenos de cativação.
São evidentes as vantagens de um sistema de especialização, quer pela própria especialização dos juízes, quer mesmo pelo facto das grandes complexidades dos problemas administrativos melhor serem resolvidos nesta particularização.
Nunca é demais salientar que a desconfiança face aos Tribunais Administrativos deve ser largamente superada face à imparcialidade que impera nos nossos dias.


Bibliografia

  • Silva, Vasco Pereira da, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise: Ensaio sobre as acções no novo processo administrativo
  • Almeida de Almeida, Mário, Manual de Processo Administrativo
  • Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa
  • Paz Ferreira, Eduardo , Direito da Economia
  • http://www.csm.org.pt/ficheiros/pareceres/ncodexpropr_parecercsm1.pdf


Laura Mendes Tique
Aluno nº 20750

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