domingo, 20 de outubro de 2013

A acção especial (ou comum?) no Contecioso Administrativo




O objectivo principal da Justiça Administrativa é garantir os direitos e interesses dos particulares nas relações jurídicas administrativas, estabelecido no artigo 268º, nº4. E desta relação surge o princípio da tutela jurisdicional efectiva (artigo 2º do CPTA). O que nos leva para as acções que podem ser intentadas para garantir esta mesma tutela.

Como nos diz o professor Vasco Pereira da Silva no seu livro “O Contencioso Administrativo no divã da psicanálise”, o nosso modelo constitucional de Contencioso Administrativo, para além de ter uma importância teórica tem uma importância prática, uma vez que é necessário um processo administrativo que faça corresponder a cada direito do particular um meio de defesa adequado a fim de assegurar o direito fundamental de acesso à justiça administrativa.

O professor considera a denominação da acção administrativa “especial” difícil de entender por permitir a anulação e condenação de actos administrativos devidos, deixando por isso de ser especial e sendo, portanto o comum. Aponta ainda como razão, o regime da cumulação de pedidos (artigos 4º e 5º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, de agora em diante CPTA) pelo facto da forma de acção administrativa especial ser adoptada nos casos de diferentes formas de processo. E por último, uma razão terminológica (criação de várias modalidades dentro da acção administrativa especial, como iremos explorar). Por estes motivos enunciados, o professor Vaco Pereira da Silva julga a distinção de acção “geral” e “especial” inapropriada. Para tal, precisamos perceber do que se trata a acção especial.

A acção administrativa especial é, como a define o professor “um meio processual principal do Contencioso administrativo, através do qual são tuteláveis alguns dos mais importantes direitos subjectivos das relações jurídicas administrativas.” Encontra-se regulada nos artigos 46º e seguintes do CPTA. O número 2 do artigo 46º apresenta-nos os pedidos principais da acção administrativa especial. E ao analisarmos os pedidos, entendemos o que o professor afirma, quando nos fala das modalidades variadas dentro da acção administrativa especial, denominando de “sub-acções”.

A acção de impugnação de actos administrativos é uma das “subacções” da acção administrativa especial (antes tratada de recurso de anulação). O artigo da impugnação (artigo 46º, nº2) envolve-se com a cumulação de pedidos, uma vez que esta é permitida de acordo com o artigo 47º e 4º do CPTA. Fazendo a correspondência do artigo 47º,nº2 com o 4º, nº1: condenação na prática de acto devido (artigo 4º, nº2, alínea c e 47º, nº2, alínea a); condenação da administração na reconstituição da situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado (artigo 4º, nº2, alínea a e 47º, nº2, alínea b); pedido de anulação do contrato (artigo 4º, nº2, alínea d e 47º, nº2, alínea c); execução do contrato (artigo 47º, nº2, alínea d); reconhecimento de uma situação subjectiva (artigo 4º, n2, alínea e) e condenação á reparação de danos causados (artigo 4º, n2, alínea f).

Como pressupostos específicos da acção administrativa especial relativamente à impugnação temos:

a.      O acto administrativo impugnável regulado nos artigos 51º a 54º do CPTA. Como sabemos, actos administrativos são os que produzem efeitos jurídicos, efeitos esses, susceptíveis de causar uma lesão a outrem. Daí serem impugnáveis. Há aqui, no entanto, uma distinção a fazer entre acção para tutelar um direito do particular em face da Administração em que a função é subjectiva (maioria dos processos) e acção para defender a legalidade e o interesse público em que a função será objetiva.
b.      Legitimidade (artigos 9º, 10º e, em especial, 55º a 57º do CPTA) é outro dos pressupostos e trata-se do elo de ligação entre a relação jurídica substantiva e a processual. E como autores temos os sujeitos privados (pessoa singular ou coletiva), os sujeitos públicos (órgãos administrativos), o actor popular e o Ministério Público, nos termos do artigo 55º, nº1. Para além dos autores, os contra-interessados (artigo 57º) que têm interesse, pois são diretamente prejudicados pelo pedido da acção de impugnação.
c.       E por último, a oportunidade (artigo 58º) que diz respeito aos prazos e ao seu alargamento, quando necessário.

Outra das “subacções” é a condenação (artigos 66º e seguintes do CPTA). A condenação serve para reagir contra comportamentos administrativos que lesam direitos dos particulares pela negação de atos devidos. Dentro da condenação existem duas modalidades que correspondem ao pedido principal: condenação na emissão de acto administrativo omitido e o de condenação na produção de acto administrativo favorável ao particular. A condenação não se confunde com a impugnação pois, como nos indica o nº2 do artigo 66º, “ (…) o objecto do processo é a pretensão do interessado e não o acto de indeferimento, cuja eliminação da ordem jurídica resulta directamente da pronúncia condenatória”. O sujeito que deduz um pedido de condenação, vai fazer valer a sua posição subjectiva de conteúdo pretensivo.

Os pressupostos processuais específicos da acção administrativa especial estando em causa um pedido de condenação são:

a.      Existência de uma omissão de decisão por parte da Administração (artigo 67º). Para haver condenação à prática de acto devido, é necessário que tenha sido praticado um acto administrativo recusado ou omitido, e que esta recusa ou omissão seja ilegal. A administração não agiu ou recusou-se a tal, e por esse motivo comete uma ilegalidade.
b.      Legitimidade das partes (artigo 68º). Podem ser sujeitos privados ou públicos, o Ministério Público e o actor popular.
c.       Oportunidade do pedido (artigo 69º): se se tratar de uma omissão, o pedido terá de ser feito no prazo de um ano, se for um acto de conteúdo negativo terá apenas 3 meses para realizar o pedido de condenação.

Para além destas duas, temos ainda a impugnação de normas regulamentares (artigos 72º e seguintes) que serve para controlar a validade dos regulamentos e proteger os direitos dos indivíduos por eles afectados. A impugnação de normas regulamentares tem, também, duas modalidades de pedidos inseridas que são o pedido de declaração de ilegalidade sem força obrigatória (designada pelo professor Vasco Pereira da Silva como pedido de declaração de ilegalidade no caso concreto) e pedido de declaração da ilegalidade com força obrigatória geral.

Quanto à primeira, trata-se de situações em que a norma regulamentar lesa directamente os destinatários, sem que tenha sido tomada uma decisão concreta de aplicação, daí a impugnação directa da norma (artigo 73º CPTA), para que essa mesma norma não possa ser aplicada ao interessado, sem, no entanto, a retirar do ordenamento jurídico. Pois, para isso existe a segunda modalidade (pedido de declaração da ilegalidade de normas regulamentares com força obrigatória geral). E a declaração de inconstitucionalidade só poderá ser competência do Tribunal Constitucional. E produz efeitos retroactivos nos termos do artigo 76º, nº1 expecto para as situações já consolidadas por razões de segurança jurídica.

Como pressupostos processuais desta impugnação (artigo 73º do CPTA) temos:

a.      Legitimidade e procedibilidade dos regulamentos. Aqui, dependendo do autor da acção, as regras serão distintas. Tratando-se de uma acção pública, podem ser impugnados todos os regulamentos (nº1 e 3), se for uma acção para defesa de interesses próprios, é necessário que a norma já tenha sido desaplicada em três casos concretos (nº1) ou que o regulamento seja imediatamente exequível (nº2) e aí só produz efeitos concretos.
b.      Interesse: poderá ser actual ou futuro pelo facto da norma, sendo aplicada, prejudicar alguém (artigo 73º, nº1).
c.       Oportunidade do pedido de impugnação: não tem prazo, pode ser “pedida a todo o tempo” (artigo 74º).

E, por fim, temos o mecanismo para reagir contra omissões ilegais de emissão de regulamentos: declaração de ilegalidade por omissão (artigo 77º) que confere ao tribunal o poder de dar conhecimento da situação de omissão à entidade competente e de fixar o prazo de 6 meses para suprir a omissão (artigo 77º, nº2). É reconhecida a existência de um dever e, por isso, estabelece um prazo para o seu cumprimento. Prazo este que se for violado, dará lugar a uma sanção pecuniária compulsória (artigo 164º, nº4, alínea d e 168º e 169º).

Depois desta análise, conseguimos concluir, na mesma linha que o professor Vasco Pereira da Silva, que a Acção Administrativa Especial, em nada tem de especial.



Bibliografia:
Silva, Vasco Pereira da; O contencioso administrativo no Divã da Psicanálise; 2ª edição; Almedina, Coimbra; 2009; ISBN: 978-972-40-3820-9;

Almeida, Mário Aroso de; Manual de Processo Administrativo; Almedina, Coimbra; Março, 2013; 978-972-4349-4;

Carvalho, Carlos; A acção administrativa especial no contexto do contencioso administrativo: algumas questões e reflexões in Cadernos de Justiça Administrativa; nº94; Julho/Agosto 2012; ISSN: 0873-6294.


Joana Pinto
Nº21378

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