O objectivo
principal da Justiça Administrativa é garantir os direitos e interesses dos
particulares nas relações jurídicas administrativas, estabelecido no artigo
268º, nº4. E desta relação surge o princípio da tutela jurisdicional efectiva
(artigo 2º do CPTA). O que nos leva para as acções que podem ser intentadas
para garantir esta mesma tutela.
Como nos diz o
professor Vasco Pereira da Silva no seu livro “O Contencioso Administrativo no
divã da psicanálise”, o nosso modelo constitucional de Contencioso
Administrativo, para além de ter uma importância teórica tem uma importância
prática, uma vez que é necessário um processo administrativo que faça
corresponder a cada direito do particular um meio de defesa adequado a fim de
assegurar o direito fundamental de acesso à justiça administrativa.
O professor
considera a denominação da acção administrativa “especial” difícil de entender
por permitir a anulação e condenação de actos administrativos devidos, deixando
por isso de ser especial e sendo, portanto o comum. Aponta ainda como razão, o
regime da cumulação de pedidos (artigos 4º e 5º do Código de Processo nos
Tribunais Administrativos, de agora em diante CPTA) pelo facto da forma de
acção administrativa especial ser adoptada nos casos de diferentes formas de
processo. E por último, uma razão terminológica (criação de várias modalidades
dentro da acção administrativa especial, como iremos explorar). Por estes
motivos enunciados, o professor Vaco Pereira da Silva julga a distinção de
acção “geral” e “especial” inapropriada. Para tal, precisamos perceber do que
se trata a acção especial.
A acção
administrativa especial é, como a define o professor “um meio processual
principal do Contencioso administrativo, através do qual são tuteláveis alguns
dos mais importantes direitos subjectivos das relações jurídicas
administrativas.” Encontra-se regulada nos artigos 46º e seguintes do CPTA. O
número 2 do artigo 46º apresenta-nos os pedidos principais da acção
administrativa especial. E ao analisarmos os pedidos, entendemos o que o
professor afirma, quando nos fala das modalidades variadas dentro da acção administrativa
especial, denominando de “sub-acções”.
A acção de
impugnação de actos administrativos é uma das “subacções” da acção
administrativa especial (antes tratada de recurso de anulação). O artigo da
impugnação (artigo 46º, nº2) envolve-se com a cumulação de pedidos, uma vez que
esta é permitida de acordo com o artigo 47º e 4º do CPTA. Fazendo a
correspondência do artigo 47º,nº2 com o 4º, nº1: condenação na prática de acto
devido (artigo 4º, nº2, alínea c e 47º, nº2, alínea a); condenação da
administração na reconstituição da situação que existiria se o acto anulado não
tivesse sido praticado (artigo 4º, nº2, alínea a e 47º, nº2, alínea b); pedido
de anulação do contrato (artigo 4º, nº2, alínea d e 47º, nº2, alínea c);
execução do contrato (artigo 47º, nº2, alínea d); reconhecimento de uma
situação subjectiva (artigo 4º, n2, alínea e) e condenação á reparação de danos
causados (artigo 4º, n2, alínea f).
Como
pressupostos específicos da acção administrativa especial relativamente à
impugnação temos:
a. O acto
administrativo impugnável regulado nos artigos 51º a 54º do CPTA. Como sabemos,
actos administrativos são os que produzem efeitos jurídicos, efeitos esses,
susceptíveis de causar uma lesão a outrem. Daí serem impugnáveis. Há aqui, no
entanto, uma distinção a fazer entre acção para tutelar um direito do
particular em face da Administração em que a função é subjectiva (maioria dos
processos) e acção para defender a legalidade e o interesse público em que a
função será objetiva.
b. Legitimidade (artigos
9º, 10º e, em especial, 55º a 57º do CPTA) é outro dos pressupostos e trata-se
do elo de ligação entre a relação jurídica substantiva e a processual. E como
autores temos os sujeitos privados (pessoa singular ou coletiva), os sujeitos
públicos (órgãos administrativos), o actor popular e o Ministério Público, nos
termos do artigo 55º, nº1. Para além dos autores, os contra-interessados (artigo
57º) que têm interesse, pois são diretamente prejudicados pelo pedido da acção
de impugnação.
c. E por último, a
oportunidade (artigo 58º) que diz respeito aos prazos e ao seu alargamento,
quando necessário.
Outra das “subacções”
é a condenação (artigos 66º e seguintes do CPTA). A condenação serve para
reagir contra comportamentos administrativos que lesam direitos dos
particulares pela negação de atos devidos. Dentro da condenação existem duas
modalidades que correspondem ao pedido principal: condenação na emissão de acto
administrativo omitido e o de condenação na produção de acto administrativo
favorável ao particular. A condenação não se confunde com a impugnação pois,
como nos indica o nº2 do artigo 66º, “ (…) o objecto do processo é a pretensão
do interessado e não o acto de indeferimento, cuja eliminação da ordem jurídica
resulta directamente da pronúncia condenatória”. O sujeito que deduz um pedido
de condenação, vai fazer valer a sua posição subjectiva de conteúdo pretensivo.
Os pressupostos
processuais específicos da acção administrativa especial estando em causa um
pedido de condenação são:
a. Existência de
uma omissão de decisão por parte da Administração (artigo 67º). Para haver condenação
à prática de acto devido, é necessário que tenha sido praticado um acto
administrativo recusado ou omitido, e que esta recusa ou omissão seja ilegal. A
administração não agiu ou recusou-se a tal, e por esse motivo comete uma
ilegalidade.
b. Legitimidade das
partes (artigo 68º). Podem ser sujeitos privados ou públicos, o Ministério
Público e o actor popular.
c. Oportunidade do
pedido (artigo 69º): se se tratar de uma omissão, o pedido terá de ser feito no
prazo de um ano, se for um acto de conteúdo negativo terá apenas 3 meses para
realizar o pedido de condenação.
Para além
destas duas, temos ainda a impugnação de normas regulamentares (artigos 72º e
seguintes) que serve para controlar a validade dos regulamentos e proteger os
direitos dos indivíduos por eles afectados. A impugnação de normas
regulamentares tem, também, duas modalidades de pedidos inseridas que são o
pedido de declaração de ilegalidade sem força obrigatória (designada pelo
professor Vasco Pereira da Silva como pedido de declaração de ilegalidade no
caso concreto) e pedido de declaração da ilegalidade com força obrigatória
geral.
Quanto à
primeira, trata-se de situações em que a norma regulamentar lesa directamente
os destinatários, sem que tenha sido tomada uma decisão concreta de aplicação,
daí a impugnação directa da norma (artigo 73º CPTA), para que essa mesma norma
não possa ser aplicada ao interessado, sem, no entanto, a retirar do
ordenamento jurídico. Pois, para isso existe a segunda modalidade (pedido de
declaração da ilegalidade de normas regulamentares com força obrigatória
geral). E a declaração de inconstitucionalidade só poderá ser competência do
Tribunal Constitucional. E produz efeitos retroactivos nos termos do artigo
76º, nº1 expecto para as situações já consolidadas por razões de segurança jurídica.
Como pressupostos
processuais desta impugnação (artigo 73º do CPTA) temos:
a. Legitimidade e
procedibilidade dos regulamentos. Aqui, dependendo do autor da acção, as regras
serão distintas. Tratando-se de uma acção pública, podem ser impugnados todos
os regulamentos (nº1 e 3), se for uma acção para defesa de interesses próprios,
é necessário que a norma já tenha sido desaplicada em três casos concretos
(nº1) ou que o regulamento seja imediatamente exequível (nº2) e aí só produz
efeitos concretos.
b. Interesse:
poderá ser actual ou futuro pelo facto da norma, sendo aplicada, prejudicar
alguém (artigo 73º, nº1).
c. Oportunidade do
pedido de impugnação: não tem prazo, pode ser “pedida a todo o tempo” (artigo
74º).
E, por fim,
temos o mecanismo para reagir contra omissões ilegais de emissão de
regulamentos: declaração de ilegalidade por omissão (artigo 77º) que confere ao
tribunal o poder de dar conhecimento da situação de omissão à entidade competente
e de fixar o prazo de 6 meses para suprir a omissão (artigo 77º, nº2). É reconhecida
a existência de um dever e, por isso, estabelece um prazo para o seu
cumprimento. Prazo este que se for violado, dará lugar a uma sanção pecuniária
compulsória (artigo 164º, nº4, alínea d e 168º e 169º).
Depois desta
análise, conseguimos concluir, na mesma linha que o professor Vasco Pereira da
Silva, que a Acção Administrativa Especial, em nada tem de especial.
Bibliografia:
Silva, Vasco
Pereira da; O contencioso administrativo
no Divã da Psicanálise; 2ª edição; Almedina, Coimbra; 2009; ISBN:
978-972-40-3820-9;
Almeida, Mário
Aroso de; Manual de Processo
Administrativo; Almedina, Coimbra; Março, 2013; 978-972-4349-4;
Carvalho,
Carlos; A acção administrativa especial
no contexto do contencioso administrativo: algumas questões e reflexões in Cadernos de Justiça Administrativa; nº94;
Julho/Agosto 2012; ISSN: 0873-6294.
Joana Pinto
Nº21378
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