A União Europeia, assente em
princípios fundamentais, e a sua ordem jurídica estão em constante evolução,
mutação, trata-se dum processo de integração evolutivo e dinâmico, exigência da
situação contemporânea vivida na Europa. Ambiciona-se principalmente a
integração política e económica que tem sido conquistada através dum processo
contínuo e gradual, que teve o seu início com a 1ª Guerra Mundial e continua
deveras presente… Houve avanços, retrocessos, mas estamos em constante
movimento… O alargamento da União Europeia trouxe consigo a demanda de mais
coesão europeia, a integração teve que ser aprofundada de forma equilibrada
entre os Estados, buscando uma uniformização saudável, que respeitasse, no
entanto, determinados princípios como por exemplo o princípio do respeito pela
identidade nacional dos Estados membros; o princípio do respeito pela
diversidade cultural dos povos europeus; o princípio da solidariedade…
princípios que podem ser tidos como a essência do espírito europeu. Deparamos
nos com uma realidade complexa que também se encontra exposta à globalização… O
desafio será assim uma breve análise do Direito do Contencioso Administrativo à
luz da europeização. O cidadão da União com a europeização viu os seus direitos
e garantias nacionais a ser expandidos (art.2 do Tratado da União Europeia), tendo
este facto presente, iremos nos debruçar essencialmente sobre o princípio da
tutela jurisdicional efectiva, o principio da equivalência e os direitos
fundamentais, cuja defesa é alcançada principalmente através de meios comuns do
contencioso administrativo que são as acções e as providências cautelares… O
cidadão europeu tem assim garantias contenciosas ao seu dispor, para que se
possa defender face a actos de administração nacional ou europeia que são fonte
de dano. O direito do contencioso administrativo realiza assim o princípio e o
direito à tutela jurisdicional efectiva, cabe analisar como o faz à luz da
europeização.
Tendo em conta a divisão que o
Professor Vaz Pereira da Silva faz para distinguir as três fases principais na
evolução do contencioso administrativo, devemos nos localizar, na terceira
fase, a fase do crisma ou da confirmação, para nos referimos à europeização. A
referida terceira fase, pode ser subdividida em 2 períodos: o da constitucionalização
e no período que iremos destacar e que tem realmente relevância para a nossa
abordagem do trabalho, a europeização. Com o surgimento dum Direito Europeu do
Contencioso Administrativo houve uma estreita aproximação da justiça administrativa
dos estados membros da União Europeia e um consequente aperfeiçoamento dos
meios processuais. Há assim uma crescente convergência do Direito Contencioso
Administrativo dos diferentes estados membros e são assim lançados os dados dum
novo processo administrativo europeu. O Professor Vaz Pereira da Silva ilustra
que a europeização dá início à uma nova fase, há assim um corte, uma superação
dos traumas da infância do acto administrativo que o Professor refere na sua
obra. Ou seja, as divergências históricas que marcaram o passado de forma
acentuada e traumática são finalmente superadas. A europeização tem vindo a ser
reforçada pelo surgimento de novas fontes europeias relevantes respeitantes ao
Contencioso Administrativo, chega-se mesmo a falar já num processo administrativo
europeu. Como sabemos, a União Europeia constitui uma ordem jurídica própria,
que é acolhida por todos os estados membros e nomeadamente por Portugal nos
termos do art.8 da nossa Constituição. Podemos assim afirmar que no fundo as
administrações dos respectivos Estados membros, são transformadas em
administrações de matriz europeia, pois é através desse processo transformativo
que os Estados membros garantem a realização das tarefas administrativas. O
Professor refere adicionalmente a existente integração das administrações
nacionais com a administração comunitária. Para possibilitar esse processo
integrativo, é necessário que sejam respeitados três princípios fulcrais: a
integração normativa, a proibição de discriminação e o princípio da cooperação.
O juiz nacional parece portanto ser de certa forma um juiz comunitário quando
aplica o Sireito Comunitário. Cabe referir que a execução administrativa do
Direito Comunitário tem duas vias alternativas: a execução pode ser levada a
acabo pelo aparelho administrativo comunitário (execução directa) ou pode ser
levada a cabo pelas variadas estruturas que integram a Administração Pública
dos Estados membros (execução indirecta). São assim traçados novos desafios,
pois a progressiva comunitarização dos modelos administrativos nacionais,
demanda um repensar do direito administrativo, pois tal como o Professor Jürgen
Schwarz chama a atenção, é impensável os administrativistas ignorarem os
fenómenos europeus, pois são eles que envolvem e moldam o direito
administrativo. O Professor Otto Bachof refere que o Direito da União Europeia
é essencialmente Direito Administrativo, aprece-nos oportuno dizer que se trata
dum direito administrativo concretizado. Estabelece-se assim uma correlação
entre o direito administrativo europeu e o direito administrativo nacional, que
por sinal é o motor de realização do direito europeu. São assim principalmente os
Estados membros a executar as decisões europeias, estamos assim, como diz o
Professor Parejo Alfonso, perante um “federalismo de execução”. O Professor
Paulo Otero e o Professor Fausto Quadros, ao referirem-se à comunidade
europeia, fazem questão de enfatizar, que se trata duma “ Comunidade de Direito
Administrativo”. O Professor Vaz Perreira da Silva, observando o Direito
Administrativo, constata que este está cada vez mais europeizado, trata-se dum
verdadeiro fenómeno. Esse facto explica-se, tendo em conta o pluralismo
normativo existente no quadro das ordens jurídicas nacionais e tendo presente
que os direitos administrativos nacionais estão cada vez mais numa relação de
aproximação significativa. Há pois uma visível interacção entre o tribunal das
comunidades e os direitos administrativos constitucionalmente consagrados a
nível nacional. Cabe assim salientar, que os direitos administrativos dos
estados membros da União Europeia já não são meramente determinados a nível
nacional, pois com a europeização paira sobre eles uma marcante influencia
europeia. Os tribunais administrativos estão assim condicionados a também
aplicar Direito Europeu, tendo portanto conquistado um papel principal na
refundação do direito administrativo, intervindo na sua criação de forma activa
e eficiente. Em Portugal e nos outros Estados membros tem-se assim assistido a
uma verdadeira reelaboração do direito administrativo e testemunhou-se uma
aproximação das ordens jurídicas de matriz românica a common law, há uma
aproximação e porventura uma convergência. Tem-se vindo a formar
progressivamente a criação dum ius commune e a tem-se principalmente abolido
fronteiras históricas entre os Estados Membros.
O direito ao respeito dos
direitos fundamentais dos cidadãos da União Europeia encontra-se previsto no
art.6.º,n.º2 TUE. É ainda de acrescentar que como cidadão europeu, temos também
direito a uma boa administração, como refere o art.41.º/1 da Carta dos Direitos
Fundamentais da União Europeia. Sobressai assim a importância do conceito de
Cidadão Europeu e as suas respectivas implicações na Expansão dos Direitos e
garantias dos nacionais dos Estados Membros. Há por exemplo a possibilidade, o
direito, de se queixar ao Provador de Justiça Europeu. Qualquer cidadão da
União, bem como qualquer pessoa singular ou colectiva com residência ou sede
estatutária num Estado Membro, podem dirigir-se ao Provedor de Justiça Europeu
para manifestar as suas queixas no que diz respeito a casos de má administração
na actuação das instituições ou organismos comunitários. A União Europeia é uma
comunidade de direito em que os Estados membros são expostos a um controle,
pois os seus actos tem de estar conformes com os Tratados.
Olhando agora para a Terra
Lusitana, recorde-se, que em Portugal até 2004 havia um verdadeiro défice de
constitucionalização e de europeização. Verificava-se a falta de concretização
do modelo constitucional de justiça administrativa, mas tal falha teve termo
com a reforma de 2004, que trouxe consigo a concretização do modelo europeu e
constitucional duma justiça administrativa que se caracteriza pela
jurisdionalização plena, tendo como objectivo a efectiva protecção dos direitos
dos particulares. Há na nossa Constituição uma garantia à tutela jurisdicional
efectiva em matéria administrativa. Os administrados tem direito de acesso ao
direito e aos tribunais, mas a tutela jurisdicional não se resume meramente a
esse direito. A decisão judicial, tem de ser, à luz do princípio da tutela
jurisdicional efectiva, obtida através dum processo equitativo, num prazo
razoável e as sentenças proferidas tem der ser efectivas (art.268.º, n.º4 e ss
que concretiza o art.20 CRP). No CPTA (art.2.º,n.º 2) o princípio
constitucional referido é reforçado e confirmado, trata-se duma espécie de
concretização. O Professor Mário Aroso de Almeida dá uma panorâmica da relação
da Constituição com o CPTA e refere que “o propósito primacial do CPTA é o de
concretizar, no plano da legislação ordinária, o imperativo constitucional de
assegurar que os tribunais administrativos proporcionem uma tutela
jurisdicional efectiva a quem a eles se dirigir em busca de protecção”. A
tutela jurisdicional efectiva tem assim de ser assegurada quanto à
disponibilidade de acções ou meios principais adequados, quanto ao plano
executivo e cautelar e quanto às providências indispensáveis para garantir a
utilidade da sentença, tal como a sua efectividade. Com a europeização há,
porém, também a manifestação duma dimensão europeia e não meramente nacional,
do direito à tutela jurisdicional efectiva. O Tribunal da Justiça põe em causa
o efeito preclusivo do direito de acção contra as autoridades públicas,
constante de legislação nacional, quando se verifica uma incompatibilidade
entre o Direito Europeu e o Direito Estadual. Além do mais, tem-se conferido
aos tribunais nacionais poderes de conhecimento oficioso dos casos: Emmott,
Denkavit Internacional, Van Schindel e Peterbroek. Os Tribunais comunitários
por sua vez, encontram-se limitados pelo princípio da competência de
atribuições, daí pode se retirar que os tribunais dos Estados membros são, por
sua vez, a instância comum de aplicação do Direito Comunitário. Temos como base
legal o art.40 parágrafo terceira da CECA “Quaisquer outros litígios entre a
Comunidade e terceiros, a que não sejam aplicáveis as disposições do presente
Tratado ou os regulamentos de execução, serão submetidos aos tribunais
nacionais” e o artigo 240.CE “Sem prejuízo da competência atribuída ao Tribunal
de Justiça pelo presente Tratado, os litígios em que a Comunidade seja parte,
não ficam por este motivo, subtraídos à competência dos órgãos jurisdicionais
nacionais”. Há até doutrina que vai mais longe e defende que do ponto de vista
funcional, há uma conversão dos tribunais nacionais em tribunais comunitários,
quando os tribunais nacionais são chamados a dirimir litígios que envolvam a
aplicação do direito comunitário. O Professor Paulo Otero ilustra de forma
exemplar as consequências da europeização para a administração pública
nacional. Refere que houve uma ampliação material das tarefas da administração
pública que determinou uma alteração do próprio papel da Administração nacional,
esta apesar de pertencer, a nível estrutural, ao Estado, a nível funcional assume
uma natureza comunitária. O Professor refere que há quem leve esta vertente de
raciocínio mais longe e fale numa “Administração interna servente da
Administração comunitária”. Mas penso que é ir longe demais, visto que os
Estados mantem claramente uma autonomia processual, são eles que definem as
regras de competência e as regras processuais (ETAF art.8, 11 Anexo 325/2010).
Temos no entanto de ter presente que não se trata duma autonomia processual
plena, há limitações. Cabe assim referir os dois limites essenciais: o
princípio da equivalência e o princípio da efectividade da tutela jurisdicional.
Podemos atender ao acórdão 27 de Junho de 2013 ( processo C-93/12 (tratado na
aula prática)) que dá uma panorâmica dos referidos princípios (art.47.º da
Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia) e do princípio da equivalência.
Encontramos nos no ambito de ajudas da Política Agrícula Comum. Visa-se evitar
que as acções destinadas a garantir a salvaguarda dos direitos dos
particulares, que a União Europeia lhes conferiu, não sejam exercidos em
condições menos favoráveis do que as previstas para as acções destinadas a
proteger os direitos resultantes de possíveis regimes de ajudas a favor dos
agricultores previstos, por sua vez, pelo direito interno. Não se admite que
sejam causados aos particulares entraves ou inconvenientes processuais. As
regras da União Europeia não podem ser assim mais desfavoráveis que as regras
nacionais, tal seria ir contra a ratio do sistema. Para ilustarar melhor o
princípio da tutela jurisdicional efectiva, cabe reafirmar que são também os
tribunais nacionais que de certa forma salvaguardam a ordem jurídica europeia.
O acórdão Peterbroeck de 14.12.1995 demonstra a articulação das normas
processuais nacionais com as normas europeias. No referido caso o Tribunal de
Justiça foi chamado a pronunciar-se, no ambito de reenvio prejudical, a propósito
da interpretação do direito da União Europeia, relativamente ao poder do juiz
nacional de apreciar de forma oficiosa a compatibilidade duma norma de direito
nacional com o Direito da União Europeia. No referido acórdão e a nível jurisprudencial
(acórdãos Rewe e Comet), o Tribunal de Justiça delimita a autonomia processual
dos Estados Membros e impõe-lhe limites. Assim sendo, as modalidades
processuais nacionais que garantem a nível interno a protecção dos direitos
reconhecidos pelo ordenamento jurídico europeu, “não podem ser menos favoráveis
do que as respeitantes a acções judiciais similares de natureza interna
(princípio da equivalência), nem tronar impossível na prática ou excessivamente
difícil o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica comunitária
(princípio da efectividade)”. Verificamos assim no acórdão Peterbroeck a
necessidade de analisar a norma europeia num contexto nacional e vice versa.
Apesar da autonomia da ordem jurídica europeia, a sua efectividade encontra-se
dependente da intervenção do juiz da administração. É correcto referir, tal
como faz o Professor Marcílio Filho, que o juiz nacional se encontra sobre
liberdade vigiada, pois tem de conciliar obrigatoriamente as normas processuais
nacionais com as exigências do Direito da União Europeia, tais exigências decorrer
igualmente dos princípios acima referidos. Podemos assim dizer que cabe ao juiz
nacional zelar pela eficácia do Direito da União Europeia, estando, para
cumprir esse papel, autorizado a moldar, transformar ou até possivelmente
afastar normas nacionais que podem dificultar a plena eficácia da ordem
jurídica europeia.
Olhando pra a Carta, que tem no
nosso ordenamento jurídico uma importância que se destaca. Há no entanto que relembrar
que a Carta não integra formalmente o nosso ordenamento, visto que não tem a
forma de convenção internacional, nem reveste natureza de direito comunitário
derivado. Acrescente-se que o rol de direitos fundamentais que a Constituição faculta
é mais denso e completo que a Carta. Observando nessa linha de pensamento, a
nossa Constituição, percebemos, que há fortes limitações no que diz respeito à
restrição dos direitos, liberdades e garantias, pois há uma imensa preocupação
em salvaguardar o núcleo dos direitos. Devemos igualmente ter em conta o
art.53.º da Carta que estabelece a prevalência de disposições constitucionais
ou internacionais, desde que sejam mais proteccionistas dos cidadãos. Sendo
assim e nos termos do artigo referido, na possibilidade de haver uma
incompatibilidade entre o âmbito de protecção constitucional, que é mais
favorável, e o âmbito de protecção menos favorável previsto na Carta, os
tribunais nacionais têm a obrigação de garantir a aplicação da norma mais
favorável, ou seja da norma constitucional. Concluímos assim, que no domínio
dos direitos fundamentais, direitos de defesa e não só, há uma clara imposição
de interpretar as disposições comunitárias à luz da nossa Constituição, pois
ambiciona-se garantir o nível de protecção mais elevado. Torna-se visível que
há uma repartição de competências entre os tribunais nacionais e os tribunais
comunitários. Se olharmos para os Tratados, nota-se que estes definiram a
relação entre o Tribunal de Justiça e os tribunais nacionais, recorrendo a uma
relação de estreita cooperação (art.234CE ilustra tal realidade de forma mais
expressa), lealdade e fidelidade. A intervenção do Tribunal de Justiça não
implica de todo a exclusão dos mecanismos internos próprios da justiça
administrativa e da justiça constitucional. Tal como refere o Professor Paulo
Otero, verifica-se pelo contrário, “um reforço duplicativo e concorrencial de
mecanismos internos e comunitários de controlo da actividade de execução do
Direito Comunitário pelas Administrações Públicas dos Estados-membros”.
Em suma, podemos dizer que a
União Europeia nos lançou diversos desafios. A europeização da justiça
administrativa tem trazido várias exigências. São os Estados Membros que ao
assumirem o compromisso duma cooperação leal se vem obrigados a concretizar de
forma efectiva o direito da União Europeia… Vivemos ainda num processo europeu
integrativo, cujo papel principal é desempenhado pelo juiz nacional e pela
administração, são eles que participam na construção do novo Direito
Administrativo que não visa mais do que garantir a plena eficácia da ordem
jurídica europeia, harmonizando-a com a ordem jurídica nacional.
Bibliografia
Silva, Vasco Pereira da, “ Em
busca do Acto Administrativo Perdido” Coimbra
Acordãos Peterbroeck, Rewe e
Comet & Acordão 27 de Junho 2013 (C-93/12)
Amaral, Diogo Freitas/Almeida,
Mário Aroso, “Grandes Linhas de Reforma do Contencioso Administrativo”, 3ª
edição, Coimbra, 2004
Almeida, Mário Aroso “ O Novo
Regime do Processo nos Tribunais Administrativos” 4ª edição, Coimbra 2005
Campos, João Mota de “ Manuel de
direito Comunitário” 3ª edição, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian 2002
Quadros, Fausto de “ Direito da
União Europeia: Direito Constitucional e Administrativo da União Europeia”
Coimbra,Livraria Almeidina, 2004
Estudos em Homenagem à Professora
Doutora Isabel de Magalhães Collaço Vol I Almedina 2005
Verena Schneeberger nº19895
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