A
responsabilidade civil pública e os actos de gestão públicos vs actos de gestão
privada
Ao longo
deste texto iremos verificar a importância da distinção dos actos de gestão
pública vs actos de gestão privada, no plano processual, e se a mesma continua
a ter relevância na letra da lei. Fazendo a análise no âmbito do contencioso administrativo
e da responsabilidade civil dos entes públicos e privados sejam titulares de
poder público.
Até 2004, a delimitação entre as
figuras revelava-se difícil, daí o existirem vários conflitos de jurisdição.
Como refere Freitas do Amaral, até 2004 «pelos danos causados no desempenho de
gestão privada a administração responde segundo o Direito Civil perante os
tribunais judicias, e pelos danos causados nos exercícios de actividades de
gestão pública, a administração responde segundo o Direito Administrativo». A
distinção é alvo de críticas na nossa doutrina, nomeadamente pelo professor
Vasco Pereira Da Silva, que considera esta solução como «uma manta de retalhos
de soluções jurídicas», sendo a mesma «ilógica», não fazendo hoje sentido esta
distinção, na opinião do ilustre professor. Como motivos para a falta de lógica
da mesma, o professor refere: «a visão actocêntrica das formas de actuação
administrativa», visto que pressuporia uma actuação dotada de ius imperi por
parte da administração, o que hoje em dia nem sempre se verifica. Para além
disso, o professor refere que não seria possível com esta dicotomia de actos,
proceder à distinção entre actuações informais e técnicas, tal como as operações
materiais da administração pública.
A jurisprudência antes da reforma do contencioso foi igualmente alvo de críticas, quer Maria João Estorninho, quer Vasco Pereira da Silva criticam o facto de não ser operado um critério objectivo à distinção entre actos de gestão pública e gestão privada. A jurisprudência optava antes por um critério de “Ambiente Público”, o qual se revelava manifestamente insuficiente, e levava a que o critério fosse mais sensacionista e menos objectivo.
Assim até 2004, o critério utilizado levava a uma dualidade de jurisdições em relação aos actos praticados por uma entidade pública. Verificava-se, como já referido, vários conflitos negativos de jurisdição, provocando a morosidade e confusão processual, algo que não é, nem nunca será, benéfico para a nossa ordem jurídica, e mais especificamente para o contencioso administrativo. Para além disso, o facto de serem submetidas á apreciação de Tribunais Judiciais, questões que emergiam de relações jurídicas administrativas, levaria a que por vezes o tribunal menos apto para julgar tais questões, fosse aquele que efectivamente as julgava.
A partir de 2004, surge a reforma do contencioso administrativo. Qual terá sido o caminho escolhido pelo legislador? Terá mantido a arcaica distinção, e assim a dualidade de jurisdições? Ou terá optado pela tão desejada unidade jurisdicional?
A jurisprudência antes da reforma do contencioso foi igualmente alvo de críticas, quer Maria João Estorninho, quer Vasco Pereira da Silva criticam o facto de não ser operado um critério objectivo à distinção entre actos de gestão pública e gestão privada. A jurisprudência optava antes por um critério de “Ambiente Público”, o qual se revelava manifestamente insuficiente, e levava a que o critério fosse mais sensacionista e menos objectivo.
Assim até 2004, o critério utilizado levava a uma dualidade de jurisdições em relação aos actos praticados por uma entidade pública. Verificava-se, como já referido, vários conflitos negativos de jurisdição, provocando a morosidade e confusão processual, algo que não é, nem nunca será, benéfico para a nossa ordem jurídica, e mais especificamente para o contencioso administrativo. Para além disso, o facto de serem submetidas á apreciação de Tribunais Judiciais, questões que emergiam de relações jurídicas administrativas, levaria a que por vezes o tribunal menos apto para julgar tais questões, fosse aquele que efectivamente as julgava.
A partir de 2004, surge a reforma do contencioso administrativo. Qual terá sido o caminho escolhido pelo legislador? Terá mantido a arcaica distinção, e assim a dualidade de jurisdições? Ou terá optado pela tão desejada unidade jurisdicional?
No que diz
respeito à responsabilidade civil das entidades públicas, parece-nos que o
caminho escolhido foi o da unidade jurisdicional e abandono da velha distinção
entre os actos de gestão. Quanto às entidades privadas que a lei confere
prerrogativas de direito público, aí surgem maiores dúvidas, mas também aí há
unidade jurisdicional.
Os artigos 212/3 da CRP e o 1/1 ETAF, configuram as cláusulas gerais, para o sustentar do fim da distinção em análise. Assim, caberia ao Tribunais Administrativos conhecer conforme as relações jurídicas em causa fossem administrativas ou privadas.
Visto que os artigos referidos constituem cláusulas gerais ou abertas, cabe concretizar, e para isso analisaremos o art. 4/1 alíneas g)h)i) do ETAF, para efectivamente sabermos se a distinção se mantêm no plano processual.
Começaremos pela análise do artigo 4/1 b), uma leitura atenta deste artigo revela que agora todo o contencioso da responsabilidade civil das entidades públicas passa a ser competência dos tribunais administrativos. Finda assim a velha distinção nesta matéria. Incluem-se aqui neste artigo, não só a função administrativa, mas também a função legislativa e jurisdicional. A amplitude deste artigo leva a que Vasco Pereira da Silva o considere como uma “segunda clausula geral”. O principal motivo de discussão em volta deste artigo é se este inclui ou não a função política. Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, fazendo uma interpretação mais literal e com fundamento em razões históricas negam a inclusão da função política neste artigo. Com o devido respeito, não acompanhamos tal posição, pois funda-se demasiado na letra da lei e não prevê o contexto da mesma, que se trata de uma “cláusula geral” , como anteriormente foi dito e deve ser por isso interpretada de forma extensiva. A função política não merece diferenciação, acompanhamos nesta posição Vasco Pereira da Silva, que refere que o tratamento jurídico deverá ser o mesmo. Importa referir, a posição de Vieira de Andrade em relação a este artigo, o autor revela uma posição restritiva, pois numa primeira fase este concorda com a posição que revelamos em relação ao fim da distinção de acto de gestão publico e privado, mas posteriormente restringe a mesma, diz o autor - «há-de ser a jurisprudência a determinar se houve ou não alargamento», assim caberá à jurisprudência definir a “morte” ou “ressurreição” da distinção.
Há contudo, quem pretenda continuar a dar importância a esta distinção, nem que para isso tenha de desconsiderar a proposta de lei do ETAF, onde na mesma é revelada a intenção do legislador de pôr fim à dualidade de jurisdições. O que releva agora é a relação jurídica ser de carácter administrativo e não, como alguns autores pretendem através de uma interpretação da lei, o ente público ser autor ou réu, e ainda relevaria o critério dos actos de gestão. Vasco Pereira da Silva coloca 3 razões para o afastamento desta distinção consoante a administração seja autora ou ré: 1) O facto de o critério geral ser o da relação jurídica (212/3 crp e 1/1 ETAF), impediria que uma relação jurídica passasse a ser qualificada simultaneamente como administrativa ou privada consoante a posição no processo. Refere o professor, que esta interpretação é ilógica. Acompanhamos esta posição. 2) o facto de a interpretação em causa se basear na expressão “haja lugar”, sendo equivocada a leitura em causa. E ainda ser baseada em motivos históricos, ignorando a proposta de lei do ETAF. 3) A própria lei prevê situações em que o ente público surge como autor e a relação deve ser tratada como administrativa, caso do 37/3 CPTA.
Analisaremos agora o artigo 4/1 h. Este artig completa a previsão do artigo analisado anteriormente, englobando todo o contencioso da responsabilidade civil pública.
Analisaremos agora o artigo 4/1 i), que trata dos entes privados ao qual seja aplicável o regime da responsabilidade dos entes de direito público e do estado. Mário Aroso de Almeida continua a dar relevância à distinção de gestão pública vs gestão privada, não só no plano substantivo como processual, no que respeita às entidades privadas desde que dotadas de prerrogativas de poder público ou reguladas pelo Direito Administrativo. Para o autor só quando os litígios, nestes casos, emergissem de gestão pública é que seriam da competência dos tribunais administrativos. Para afirmar esta posição o autor tem em conta o regime do art.1 nº 5 do RCEEE.
O Prof. Vasco Pereira da Silva, diverge desta posição, e quanto a nós correctamente o faz. Em coerência com o disposto na alínea d) do art. 4.º nº 1 do ETAF, como em razão do critério geral apresentado no nº1 do art.1.º do ETAF, pois no plano processual para o professor não serão necessárias disposições legislativas para além dos arts. 212,º CRP e 4.º do ETAF, visto que os sujeitos privados, aos quais seja aplicável o regime da responsabilidade administrativa, são aqueles que «auxiliam a Administração na prossecução da função administrativa», daí que haja uma aplicabilidade imediata deste regime da alínea i) , e não algo sem alcance prático como refere Mário Aroso de Almeida e Freitas do Amaral.
Os artigos 212/3 da CRP e o 1/1 ETAF, configuram as cláusulas gerais, para o sustentar do fim da distinção em análise. Assim, caberia ao Tribunais Administrativos conhecer conforme as relações jurídicas em causa fossem administrativas ou privadas.
Visto que os artigos referidos constituem cláusulas gerais ou abertas, cabe concretizar, e para isso analisaremos o art. 4/1 alíneas g)h)i) do ETAF, para efectivamente sabermos se a distinção se mantêm no plano processual.
Começaremos pela análise do artigo 4/1 b), uma leitura atenta deste artigo revela que agora todo o contencioso da responsabilidade civil das entidades públicas passa a ser competência dos tribunais administrativos. Finda assim a velha distinção nesta matéria. Incluem-se aqui neste artigo, não só a função administrativa, mas também a função legislativa e jurisdicional. A amplitude deste artigo leva a que Vasco Pereira da Silva o considere como uma “segunda clausula geral”. O principal motivo de discussão em volta deste artigo é se este inclui ou não a função política. Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, fazendo uma interpretação mais literal e com fundamento em razões históricas negam a inclusão da função política neste artigo. Com o devido respeito, não acompanhamos tal posição, pois funda-se demasiado na letra da lei e não prevê o contexto da mesma, que se trata de uma “cláusula geral” , como anteriormente foi dito e deve ser por isso interpretada de forma extensiva. A função política não merece diferenciação, acompanhamos nesta posição Vasco Pereira da Silva, que refere que o tratamento jurídico deverá ser o mesmo. Importa referir, a posição de Vieira de Andrade em relação a este artigo, o autor revela uma posição restritiva, pois numa primeira fase este concorda com a posição que revelamos em relação ao fim da distinção de acto de gestão publico e privado, mas posteriormente restringe a mesma, diz o autor - «há-de ser a jurisprudência a determinar se houve ou não alargamento», assim caberá à jurisprudência definir a “morte” ou “ressurreição” da distinção.
Há contudo, quem pretenda continuar a dar importância a esta distinção, nem que para isso tenha de desconsiderar a proposta de lei do ETAF, onde na mesma é revelada a intenção do legislador de pôr fim à dualidade de jurisdições. O que releva agora é a relação jurídica ser de carácter administrativo e não, como alguns autores pretendem através de uma interpretação da lei, o ente público ser autor ou réu, e ainda relevaria o critério dos actos de gestão. Vasco Pereira da Silva coloca 3 razões para o afastamento desta distinção consoante a administração seja autora ou ré: 1) O facto de o critério geral ser o da relação jurídica (212/3 crp e 1/1 ETAF), impediria que uma relação jurídica passasse a ser qualificada simultaneamente como administrativa ou privada consoante a posição no processo. Refere o professor, que esta interpretação é ilógica. Acompanhamos esta posição. 2) o facto de a interpretação em causa se basear na expressão “haja lugar”, sendo equivocada a leitura em causa. E ainda ser baseada em motivos históricos, ignorando a proposta de lei do ETAF. 3) A própria lei prevê situações em que o ente público surge como autor e a relação deve ser tratada como administrativa, caso do 37/3 CPTA.
Analisaremos agora o artigo 4/1 h. Este artig completa a previsão do artigo analisado anteriormente, englobando todo o contencioso da responsabilidade civil pública.
Analisaremos agora o artigo 4/1 i), que trata dos entes privados ao qual seja aplicável o regime da responsabilidade dos entes de direito público e do estado. Mário Aroso de Almeida continua a dar relevância à distinção de gestão pública vs gestão privada, não só no plano substantivo como processual, no que respeita às entidades privadas desde que dotadas de prerrogativas de poder público ou reguladas pelo Direito Administrativo. Para o autor só quando os litígios, nestes casos, emergissem de gestão pública é que seriam da competência dos tribunais administrativos. Para afirmar esta posição o autor tem em conta o regime do art.1 nº 5 do RCEEE.
O Prof. Vasco Pereira da Silva, diverge desta posição, e quanto a nós correctamente o faz. Em coerência com o disposto na alínea d) do art. 4.º nº 1 do ETAF, como em razão do critério geral apresentado no nº1 do art.1.º do ETAF, pois no plano processual para o professor não serão necessárias disposições legislativas para além dos arts. 212,º CRP e 4.º do ETAF, visto que os sujeitos privados, aos quais seja aplicável o regime da responsabilidade administrativa, são aqueles que «auxiliam a Administração na prossecução da função administrativa», daí que haja uma aplicabilidade imediata deste regime da alínea i) , e não algo sem alcance prático como refere Mário Aroso de Almeida e Freitas do Amaral.
Chegados a 2007, cabe um breve comentário
ao regime substantivo e a possível importância no plano processual. Já não
haveria dualidade jurisdições na responsabilidade civil, mas haveria dualidade
de regimes jurídicos. Com a lei nº 67/2007, de 31 de Dezembro passa a haver
unidade de regimes? Ora, na nossa opinião o legislador deu um tiro no pé no art.1º
nº2, pois permite aos saudosistas relançar a discussão dos actos de gestão.
Contudo a nossa posição é distinta, acompanhando, mais uma vez, o Prof. Vasco
Pereira da Silva, e considerando que esta disposição põe fim às dicotomias legislativas
até então. Como motivos apresenta: 1) «a expressão mais restrita, “prerrogativas
de poder público” aparecer em alternativa à outra, mais ampla, de “regulação
por normas ou princípios do direito administrativo”». 2) A regulação por parte
das normas de direito administrativo, abrange as actuações, que nos habituamos a
chamar de gestão privada. 3) Nº 3 e 4 do artigo 1.º esclarecem a intenção do
legislador, quanto à decisão de unificar os regimes jurídicos. Concluindo, a
ligeireza do legislador no emprego das palavras, embora se revele ambígua e
desastrosa, não cria uma dualidade de regimes. Há assim hoje em dia uma unidade
dos regimes jurídicos.
Em jeito de conclusão, temos de referir
que finalmente a dualidade de jurisdições e de regimes terminou, e hoje a
distinção gestão pública vs gestão privada parece afastada do Contencioso Administrativo,
embora haja quem teime em não a deixar morrer (com certeza Àgnes Blanco nunca
poderá descansar em paz, pelo menos para tal doutrina).
Bibliografia:
Bibliografia:
Pereira da Silva, Vasco-“O
Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise”, Almedina, 2ª edição,
2009
“Ventos de Mudança no Contencioso Administrativo”, Almedina, Coimbra, 2000
“Ventos de Mudança no Contencioso Administrativo”, Almedina, Coimbra, 2000
Aroso de Almeida, Mário “Manual de Processo Administrativo”, Almedina,2013
Vieira de Andrade, “ A Justiça Administrativa”, Almedina, 12ª edição, 2012
Aroso De Almeida, Mário / Freitas do Amaral, Diogo “Grandes Linhas da Responsabilidade do
Contencioso Administrativo”, Almedina, 3ª edição, Julho 2004
Freitas do Amaral, Diogo, “ Direito Administrativo”, volume III, lições policopiadas, Lisboa,
Luís
Miguel Fialho Severino
Aluno nº 19707
Aluno nº 19707
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